Entidades pedem que ONU cobre governo brasileiro sobre "abusos" na cracolândia de SP
Um grupo de entidades de defesa dos direitos humanos encabeçado pela ONG internacional Conectas apresentou um apelo urgente à ONU (Organização Nacional das Nações Unidas), nesta terça-feira (30), sobre a operação da Prefeitura de São Paulo e do governo do Estado na região da cracolândia na semana passada. O documento que pede que o Brasil preste esclarecimentos sobre a ação foi enviado a quatro relatores especiais da entidade nas áreas de saúde, detenção arbitrária, moradia e tortura.
A medida foi elaborada pela Conectas juntamente com a Plataforma Brasileira de Política de Drogas, o Comuda (Conselho Municipal de Política de Drogas e Álcool de São Paulo) e o coletivo Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. As entidades pedem ainda que a ONU interceda à Prefeitura de São Paulo por “investigação e responsabilização de abusos, a interrupção da remoção forçada de moradores e o fim das tentativas de internação compulsória de usuários de droga.”
Previsto no regimento da ONU, o apelo urgente é um instrumento que permite que indivíduos ou instituições denunciem diretamente a ocorrência de violações de direitos humanos em seus respectivos países. Se o acatarem, os relatores podem requerer informações às autoridades nacionais.
Na avaliação das entidades, o Brasil “violou normas internacionais de direitos humanos por uso desproporcional da força, tratamento cruel, desumano e degradante de dependentes, deslocamento forçado da população local, limitação do direito de ir e vir, falta de serviços de saúde adequados e expulsões e demolições forçadas, sem respeito ao devido processo legal.”
De acordo com a socióloga Natália Oliveira, presidente do Comuda, o objetivo do apelo à ONU é dar visibilidade externa ao que ela chama de "desmonte da política de redução de danos no combate às drogas".
"Sabemos que a OMS [Organização Mundial da Saúde] e a ONU, a ONU e outras entidades internacionais têm se posicionado contrariamente à internação compulsória. É preciso que lá fora se veja o desmonte de políticas públicas que costuma usar esse tipo de medida, em relação ao usuário, e também que se atente às graves violações de direitos humanos nessas ações", destacou.
Prefeitura sofre novo revés no TJ-SP
Também nesta terça, em decisão monocrática, o desembargador Borelli Thomaz, da 13ª Câmara de Direito Cível do Tribunal de Justiça paulista, confirmou e reforçou decisão do último domingo (28) que proíbe a Prefeitura de São Paulo de retirar usuários de crack das ruas, à força, para que sejam avaliados e submetidos –ainda que sob autorização da Justiça– a uma eventual internação compulsória. A Prefeitura adiantou que vai recorrer.
A decisão corrobora a de domingo, assinada pelo desembargador Reinaldo Miluzzi, do TJ, mas em regime de plantão, e extingue o pedido de tutela de urgência formulado semana passada pelo Município. O despacho novamente atendeu pedidos do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado para barrar liminar de primeira instância que autorizava remoções compulsórias de dependentes químicos para avaliação médica.
O desembargador Borelli Thomaz extinguiu a ação da prefeitura ao alegar que o pedido feito pelo município não tem relação com a ação civil pública de 2012, à qual foi anexada.
Para o relator do processo na 13ª Câmara, "o Município não tem legitimidade para compor o polo passivo daquela ação", além de haver "igualmente dúvida quanto à correlação entre o pedido e a causa de pedir entre este incidente processual e a ação principal e, portanto, a respeito da conexão entre ambos."
Uma vez protocolado o recurso do Município, após a notificação sobre a decisão de hoje, quem analisará a medida, segundo o TJ, será o pleno da 13ª Câmara -- composto por cinco desembargadores. As sessões do colegiado costumam ser às quartas-feiras.
Prefeitura estuda nova medida judicial, admite secretário
Em entrevista coletiva hoje, o secretário municipal de Justiça, Anderson Pomini, afirmou que a Prefeitura apresentará nova medida para tentar a remoção compulsória dos usuários para avaliação médica. A administração ainda não definiu, porém, se a nova tentativa será ao presidente do TJ-SP, desembargador Paulo Dimas, ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou ao STF (Supremo Tribunal Federal). Ele pontuou que o Município sequer havia ainda recorrido da decisão de domingo (28).
"Assim que tivermos acesso e analisarmos [a decisão de hoje], vamos ver que medidas judiciais serão tomadas --ao STJ, ao presidente do TJ-SP ou ao STGF", disse. "A possibilidade de nova ação não é descartada", completou.
"Movimentos sociais, os 'direitos humanos' e alguns membros do MP que atuam principalmente nessa área entendem que essas ações não são bem vindas – a Prefeitura entende que, em última análise, deve contar com essa opção [da remoção compulsória das ruas]", afirmou o secretário.
Nova cracolândia virou "feirão de drogas", diz Conselho Nacional de Direitos Humanos
A cracolândia que migrou desde a semana passada da rua Helvétia para a praça Princesa Isabel, na região da Luz (centro de São Paulo), se assemelha ora a um “feirão de droga” onde o crack é comercializado e consumido livremente, ora a um “campo de refugiados” sem previsão de solução a quem ali se encontra. É para lá que têm se deslocado dependentes químicos que se concentravam na rua Helvétia com a alameda Dino Bueno, a cerca de 400 metros, após a ação da Polícia Militar e da GCM (Guarda Civil Metropolitana).
As opiniões sobre a nova concentração foram dadas por representantes do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público Estadual, nesta segunda-feira (29), após uma vistoria deles à praça e às tendas da prefeitura onde usuários são atendidos por agentes de saúde, na região que concentrava a cracolândia ‘antiga’.
“O cenário na praça é assustador. O poder público conseguiu a façanha de ver aumentado, em muito, o fluxo dela em comparação com o que havia na rua Helvétia. Ainda que o objetivo mais militarizado alardeado na ocasião tenha sido o de se combater o tráfico, vimos agora muito mais usuários e vários deles mais violentos, agressivos, afoitos –com vínculos com os agentes de saúde rompidos ou fragilizados, o que é o pior cenário”, constatou o integrante da mesa diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos Leonardo Pinho. O órgão é vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.
Pinho entrou no fluxo - como é chamada a concentração de dependentes - juntamente com o promotor Eduardo Dias de Souza Ferreira, da Infância e Juventude, e o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), da CDH da Câmara - conduzidos, porém, por dois homens com trânsito entre os usuários. Horas antes, ali em frente, um carro de reportagem da TV Globo, estacionado na avenida Rio Branco, em frente à praça, havia sido apedrejado por crackeiros. Intimidada, a equipe de reportagem precisou se abrigar em um restaurante das imediações que baixou as portas por quase uma hora e também recebeu pedradas.
Para o diretor do Conselho, o consumo da droga, em comparação com o que se passava na rua Helvétia, “está igual ou superior” na praça. “O combate ao tráfico não deu resultado. Vimos muitos grupos de usuários com cachimbos e com o crack sendo comercializado livremente, como que em um feirão de droga com promoções, e ninguém na fissura [abstinência] –sinal de que não tem, de fato, faltado drogas ali, ou estariam nessa condição”, completou Pinho.
“Campo de refugiados”, avalia promotor
Também na inspeção, o promotor da Infância e Juventude reforçou a percepção sobre “a presença de um feirão de drogas” na praça e constatou, sobre a situação dos dependentes químicos: “Isso parece um campo de refugiados. E agora ainda estão baixando a iluminação aqui para que possam ser vistos”, observou.
“A forma como as pessoas se organizaram e o medo que várias demonstraram, ao serem entrevistadas, de deixarem aquela praça –assim como a vigilância à qual estão submetidas --, lembra uma relação própria de campo provisório de refugiados”, comparou. “Assim como o medo e a insegurança estão presentes no campo provisório de refugiados, ali naquela praça medo, consumo e tráfico continuam”, concluiu Dias Ferreira.
Outro lado
Em nota à reportagem, a Secom (Secretaria de Comunicação da Prefeitura) ressaltou que o combate ao tráfico de drogas é uma atribuição da polícia --ou seja, do governo do Estado. No entanto, afirmou que comparar a situação da cracolândia antiga, na rua Dino Bueno, com a nova, na praça Princesa Isabel, "soa absurdo".
"A antiga cracolândia registrava vários abusos contra os direitos humanos --dentre eles, estupro, homicídios e manipulação de dependentes químicos pelo crime organizado. No campo social, os agentes intensificaram as abordagens para tentar fazer com que as pessoas que estão na praça e em outros pontos do centro aceitem ser encaminhadas para atendimento médico e social", diz a nota.
A Secom divulgou também um balanço das operações da Prefeitura na região no último fim de semana. Segundo a Secretaria, as equipes da assistência social realizaram cerca de 1.160 abordagens na região da Nova Luz durante o fim de semana --dessas, 550 pessoas foram encaminhadas para acolhimento no Complexo Prates e no Centro Temporário de Acolhimento (CTA) e 609 recusaram atendimento.
Mundo atente graves vioações de dieotos.
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