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MP aciona Justiça para barrar plano urbanístico de Doria na cracolândia

Usuários de crack que foram expulsos da cracolândia, com a operação de forças do Estado e da Prefeitura de São Paulo, no domingo (21) - Nelson Antoine/UOL
Usuários de crack que foram expulsos da cracolândia, com a operação de forças do Estado e da Prefeitura de São Paulo, no domingo (21) Imagem: Nelson Antoine/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

02/06/2017 19h33Atualizada em 02/06/2017 20h09

A Promotoria da Habitação e Urbanismo de São Paulo pediu à Justiça, em ação civil pública, uma liminar para impedir que a administração do prefeito João Doria (PSDB) comece a implementar projeto urbanístico na região da antiga cracolândia sem a participação popular --e por meio da formação de um Conselho Gestor --e para evitar que moradores sejam removidos do perímetro original da cracolândia. A ação foi distribuída para a 3ª Vara de Fazenda Pública da capital --a mesma que, na semana passada, aceitou liminar da Defensoria Pública do Estado, contra o Município, e proibiu as remoções e demolições na região, sem aviso prévio, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Conforme a ação de hoje, a prefeitura apresentou, em maio, após discussão com o próprio Ministério Público, o projeto Redenção, pelo qual se comprometeu a conduzir com “prudência necessária a implementação de políticas públicas intersetoriais” na região, por ser um local onde “sabidamente conviviam dependentes químicos, moradores em situação de rua, traficantes de droga, além de comerciantes e demais habitantes dos edifícios circunvizinhos”.

"O Município de São Paulo ignorou aquelas etapas e deu início a medidas afoitas de dispersão de pessoas e demolição de imóveis que contrariavam o espírito do seu próprio projeto”, contrapôs a ação da promotoria, à qual a Prefeitura contraria "de maneira expressa disposição do Plano Diretor do Município."

"Diferentemente do que consta no projeto, e em total desacordo com as etapas nele definidas, foram vistas apenas iniciativas visando à desobstrução dos espaços públicos através da retirada dos usuários de crack e também a demolição de alguns imóveis. Demolições essas que, por terem desatendido às normas urbanísticas aplicáveis, devem ser tidas por ilegais, ensejando a indenização dos prejuízos sofridos pelas pessoas que ali viviam ou exerciam atividades profissionais e que foram indevidamente removidas do local”, afirmam os promotores Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, Camila Mansour Magalhães da Silveira e Roberto Luís de Oliveira Pimentel, que subscrevem a ação.

O MP requereu ainda que a prefeitura não promova ou estimule a remoção de pessoas e famílias residentes na cracolândia, ou que, se o fizer, as cadastre, sem a necessária validação do Conselho Gestor, e que não dê início a qualquer forma de pagamento de benefício de auxílio-aluguel, auxílio-mudança ou outro similar às famílias e pessoas que moram na região, além de pedir que os recursos públicos destinados ao pagamento de auxílio-aluguel sejam aplicados preferencialmente em outras regiões da cidade classificadas como de risco alto e muito alto.

Por meio de nota, a Secretaria de Comunicação da Prefeitura informou que a administração "desconhece a ação do MP por não ter sido notificada. Reafirma que todas as ações do programa Redenção têm amparo técnico e legal e visam o atendimento de saúde e social aos dependentes químicos que antes tinham seus direitos ameaçados e violados pelos traficantes que atuavam na Cracolândia. E informa que qualquer operação urbanística a ser realizada no local seguirá a legislação vigente, respeitando os direitos dos moradores", finaliza.

TJ extinguiu ação por remoção compulsória de usuários das ruas

Na última terça (30), o desembargador da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Borelli Thomaz, confirmou e reforçou decisão do último domingo (28) que proibia a Prefeitura de retirar usuários de crack das ruas, à força, para que fossem avaliados e submetidos –ainda que sob autorização da Justiça– a uma eventual internação compulsória. A Prefeitura informou que vai recorrer.

A decisão, monocrática, corroborou a de domingo (28), assinada pelo desembargador Reinaldo Miluzzi, do TJ, mas em regime de plantão, e extinguiu o pedido de tutela de urgência formulado semana passada. O despacho novamente atendeu pedidos do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado para barrar liminar de primeira instância que autorizava remoções compulsórias de dependentes químicos para avaliação médica.

O desembargador Borelli Thomaz extinguiu a ação da prefeitura ao alegar que o pedido feito pelo município não tem relação com a ação civil pública de 2012, à qual foi anexada.

Para o relator do processo na 13ª Câmara, "o Município não tem legitimidade para compor o polo passivo daquela ação", além de haver "igualmente dúvida quanto à correlação entre o pedido e a causa de pedir entre este incidente processual e a ação principal e, portanto, a respeito da conexão entre ambos."

Uma vez protocolado o recurso do Município, após a notificação sobre a decisão de hoje, quem analisará a medida, segundo o TJ, será o pleno da 13ª Câmara -- composto por cinco desembargadores. As sessões do colegiado costumam ser às quartas-feiras.

Pedido da prefeitura era "esdrúxulo", segundo MP

Na semana passada, em entrevista coletiva na qual classificaram a tentativa de remoção compulsória das ruas de "caçada humana sem precedentes", os promotores que pediram à Justiça que negasse o pedido da prefeitura questionaram a participação do município nesse processo.

Isso porque a ação em que a administração municipal pediu a tutela, de 2012, fora apresentada pela promotoria contra o Estado por conta de repressão policial contra usuários da região. À época, a repressão causou uma espécie de descentralização da cracolândia do centro, na região da Luz, para concentrações menores e mais dispersas de usuários em outras localidades de São Paulo.

“Esse pedido da prefeitura foi feito em uma ação nossa, de 2012, que tinha por objetivo, liminarmente, impedir que a PM tratasse os usuários de forma ilegal; além disso, se pedia que o Estado reparasse os danos causados na ocasião”, afirmou o promotor Arthur Pinto, de Saúde Pública, na ocasião.

“A prefeitura saltou agora no meio dessa ação e fez um pedido contrário ao objeto da ação, com um pedido contra o autor”, disse. “Foi o pedido mais esdrúxulo que vi em toda a minha carreira; é uma caçada humana que não tem paralelo na história do Brasil e do mundo”, criticou o promotor.

Na decisão expedida terça, o desembargador reconheceu o pleito da Promotoria sobre o assunto.

"Vai-se a esse objeto e lá está o pedido, colhido na petição inicial da ação: a condenação do requerido na obrigação de não fazer consistente em determinar ao Comando da Polícia Militar de abster-se de empregar ações que ensejem situação vexatória, degradante ou desrespeitosa em face do usuário de substância entorpecente, especialmente, cessando qualquer ação tendente a impedi-los de permanecer em logradouros públicos ou constrange-los a se movimentarem, isoladamente ou em grupo, salvo se houve situação de flagrante delito, sob pena de multa. Ainda, a condenação do requerido a indenizar as pessoas submetidas à operação policial realizadas nas ruas do bairros da Luz, Campos Elíseos e Santa Efigênia, a partir de 3 de janeiro de 2012, e a população total da cidade de São Paulo, por danos morais individuais homogêneos e coletivos, no valor mínimo de R$ 40 milhões", elencou Borelli.

Ele destacou ainda que, na ocasião, requereu-se que a Polícia Militar "se abstenha imediatamente de empregar ações que ensejem situação vexatória, degradante ou desrespeitosa em face do usuário de substância entorpecente, especialmente, cessando qualquer ação de impedi-lo de permanecer em logradouros públicos ou constrangê-los a se movimentarem, isoladamente ou em grupo, salvo se houve situação de flagrante delito, sob pena de multa diária de R$ 10 mil."

O pedido da municipalidade, agora, observa o magistrado, " traz pretensão outra no que chamou de incidente: concessão da tutela de urgência para a busca e apreensão das pessoas em situação de drogadição com a finalidade de avaliação pelas equipes multidisciplinares (social, médica, assistencial) e, preenchidos os requisitos legais (DOC. 09), internação compulsória". "Não há, pois, mínima identidade entre as pretensões, mesmo porque, como se percebe, a alvitrada na ação é excludente do pretendido no incidente, sem que haja autorização processual para o processamento do nominado incidente", definiu.

"O município pode recorrer, mas com chances remotíssimas de reversão. Acho que, nessa batalha, a dignidade humana e o Estado de direto prevaleceram. Agora, com serenidade, devemos retomar a discussão do programa [de tratamento dos usuários de crack] -- pois o verdadeiro cerne é a exclusão social, o crack e seus barões", avaliou o promotor Eduardo Dias Ferreira, signatário do pedido do MP.