Rotina de cheias faz com que prefeito queira mudar cidade alagoana de local
A missão de recomeçar é quase uma rotina para os moradores de Jacuípe (a 124 km de Maceió). A cidade tem 7 mil habitantes e fica na zona da mata norte de Alagoas, já na divisa com Pernambuco.
Toda a parte central foi construída ao lado do rio Jacuípe --que rotineiramente sobe de nível e invade ruas e casas. Foi assim no sábado (27), quando as chuvas fizeram o nível do rio subir mais de três metros, sair de sua calha e invadir novamente casas e prédios públicos.
Como a cheia foi "das grandes", o resultado foi que 1.200 famílias ficaram desabrigadas ou desalojadas.
O prefeito Amaro Júnior (PDT) diz que a cidade não suporta mais a rotina de enchentes e, com base em um laudo que diz ter da Defesa Civil condenando a área por ser de risco, vai pedir ao governo federal a construção da cidade em outro local.
"Todo ano aqui tem cheia; ano mais fraca, ano maior, como essa. Mas toda vez que chove entra água porque o rio passa por trás das casas, e a cidade é baixa. É muito sofrimento", afirma.
Nos últimos oito anos foram três grandes enchentes: 2010, 2011 e 2017, que sempre deixaram desabrigados.
Isso, sem contar que, nos anos em que não há grande cheia, o nível do rio costuma subir durante o inverno e igualmente invadir ruas e alguns imóveis, sem que seja necessário sair de casa.
O governante afirma que vai tentar mobilizar a bancada federal alagoana e o governo do Estado para que se faça um projeto para uma nova cidade.
Segundo ele, seria necessário algo em torno de 400 novas casas, além de prédios públicos --entre eles a própria prefeitura-- e comerciais.
"É uma obra cara, que só quem tem condições de fazer é o governo federal. Mas é dez vezes melhor fazer do que todo ano ter um prejuízo desses", afirma.
Passados cinco dias da enchente, ainda há pessoas impossibilitadas de voltar para casa. A orientação da prefeitura é que elas permaneçam em abrigos ou casa de familiares até esta sexta-feira (2), quando as chuvas devem diminuir.
"Todo ano é essa angústia", dizem moradores
Depois de 2010 --quando a cidade foi devastada pela inundação e casas foram derrubadas--, a prefeitura afirma que 288 residências foram erguidas em uma área alta da cidade. Mas nem todos os moradores de área de risco foram contemplados. Além disso, prédios públicos permanecem funcionando na beira do rio.
A aposentada Maria José Silva, 58, está desde o sábado na Casa Paroquial da cidade com dois filhos e a neta, de um ano.
"Eu percebi que o rio estava subindo e juntamos logo as coisas para sair. Mesmo assim perdi um guarda-roupa e uma cômoda", afirma.
Silva diz que, apesar de ter perdido tudo em 2010, não foi contemplada com uma nova moradia e defende a ideia de mudança de local da cidade. "Naquele ano ninguém me ofereceu casa. Gostaria muito que fizessem essa nova cidade, todo ano é essa angústia", diz.
No mesmo abrigo, a idosa Maria Lalina de França Mourinho, 69, diz que foi a "primeira a sair" de casa, mas conta que não perdeu nada porque "não tinha nada em casa". "Eu vivo de Bolsa Família, ganho R$ 85 por mês. Só ficou em casa um carrinho de TV e um armário, mas que devem estar lá", diz. "A vida da gente que mora na beira do rio é assim: vida de retirante", afirma.
"Ninguém dorme nessa época do ano"
A funcionária pública Izabel Cristina, 53, mora em uma casa que tem como fundo o rio. Ela afirma que não suporta mais a angústia das noites de inverno. "Todo ano é isso. Queria muito construir uma casa na parte alta, mas só ganho um salário mínimo por mês, não dá", explica ela, que desde domingo está alojada na casa de uma colega de trabalho.
Cristina conta que, apesar de as grandes cheias não serem constantes, todos os anos a elevação do rio traz medo e insegurança. "Ninguém dorme nessa época, ficamos com uma lanterna olhando o nível do rio no escuro. Têm muitos anos que água sobe, mas não chega a subir muito em casa. No ano passado mesmo, cheguei a juntar tudo, mas não precisei sair", diz.
Heloísa Silvânia, 47, também mora com o marido e o irmão na principal rua da cidade. Conta que entre sábado e segunda optou por ficar e se abrigar com os três cachorros que cria. "Fiquei na laje porque não queria levar os cachorros. Meu marido saiu porque é doente, mas eu quis ficar com eles para não levar os bichinhos para um abrigo", conta, mostrando o nível da água próximo a um metro de altura.
Edvaldo Luiz dos Santos, 47, dono da bombonière ao lado, diz que perdeu as contas dos vários equipamentos e móveis destruídos pela água em anos anteriores. "Desta vez perdi uma estante, dois armários, um guarda-roupa e duas televisões", conta o comerciante, que durante a conversa tentava secar a televisão com um secador. "Vamos ver se essa engenharia vai dar certo."
Santos concorda com a ideia de que a cidade deva mudar de lugar. "Realmente aqui não tem condições, seria uma boa mudar. Sempre o rio enche. Claro que nem sempre chega aqui, mas o acesso à cidade sempre vive alagado", diz.
Só os berços escaparam na creche
A única creche da cidade, onde estão matriculadas 300 crianças, também é vítima constante da chuva. Recém-reformado, o local teve um grande prejuízo neste fim de semana.
Ao verem o rio subir, funcionários conseguiram retirar pelo menos os berços. O restou foi atingido. "Todo o material didático, fraldas, birô foram perdidos, infelizmente", conta a diretora Mirian Alves.
Pelas marcas no prédio, é possível ver que a água alcançou 1,5 metro de altura. "Colocamos os livros em uma parte alta, pensando que a água não ia chegar, mas desta vez passou", completa.
Na quarta (31 de maio), todos os funcionários participavam de um mutirão para limpar a área. Todo o mobiliário estava estragado por conta da água. "As cadeiras incharam, são de madeiras. Eram novinhas, dava gosto de ver", diz um funcionário.
Não há previsão para que a creche volte a funcionar. A limpeza, estimam os funcionários, deve durar pelo menos até o fim de semana. "Está com mau cheiro de lama, não podemos trazer as crianças para essas condições", lamenta a diretora.
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