Cidade de Deus é o bairro com mais escolas expostas a tiroteios no Rio, diz pesquisa
Os bairros de Costa Barros, Acari e Cidade de Deus, nas zonas norte e oeste do Rio de Janeiro, são as regiões onde estudantes correm mais riscos na cidade. Isso porque esses bairros concentram o maior número de escolas públicas (municipais, estaduais e creches) expostas a um alto número de tiroteios e disparos de arma de fogo.
Os dados são do estudo “Educação em alvo: os efeitos da violência armada nas salas de aula”, realizado pela DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas) da FGV (Fundação Getúlio Vargas). A análise, divulgada nesta semana, foi feita em parceria com a plataforma Fogo Cruzado, da ONG Anistia Internacional, em que usuários podem notificar ocorrências de disparos de acordo com sua localização geográfica.
O "campeão" em número de escolas públicas sujeitas a tiroteios, segundo o relatório, é o bairro da Cidade de Deus: entre julho de 2016 e de 2017, foram apontados 159 disparos na região, que reúne 26 escolas e creches.
“[Na Cidade de Deus] fica tudo muito concentrado, é um bairro pequeno. E você tem, além disso, um número de tiroteios que chama a atenção. É uma região bastante delicada”, afirma Bárbara Barbosa, pesquisadora da DAPP/FGV.
O bairro de Costa Barros, com 20 escolas, teve 54 disparos. Acari, que concentra 19 escolas, registrou 72 ocorrências nesse período.
Foi dentro de uma escola municipal localizada justamente no bairro de Acari que a estudante Maria Eduarda Conceição, 13, morreu vítima de bala perdida em março deste ano.
O disparo que atingiu Maria Eduarda partiu de um fuzil da PM durante troca de tiros com traficantes. O 41º BPM (Batalhão da Polícia Militar), responsável pelo patrulhamento da região, é o que mais mata em todo o Estado.
O estudo ainda mostra que, ao todo, a capital fluminense registrou 3.829 tiroteios no período de um ano –o que equivale a uma média de mais de dez por dia.
Reflexos da violência
Bárbara explica que, quanto mais próxima é a violência e quanto mais novo é o indivíduo, maiores são as consequências no seu desenvolvimento.
“Quando as crianças estão expostas à violência, estão expostas a um estresse que afeta a capacidade de manutenção de foco, de atenção, afetando também a capacidade de aprendizado.”
As crianças que mais sofrem com essa exposição à violência, segundo ela, são as que estão na primeira infância (faixa etária de zero a 6 anos). “Esse é um período crítico para o desenvolvimento de habilidades”, pontua, esclarecendo que podem ser afetadas tanto as habilidades intelectuais como emocionais.
Ela afirma que o debate sobre educação e violência é necessário por uma questão de justiça social. “Esses fatores vão influenciar as oportunidades que as pessoas vão ter e o tipo de vida que vão levar. Então estamos falando, ao cabo, de desenvolvimento humano”, destaca.
Segurança e políticas públicas
Com base nesses dados, o estudo sugere medidas para reduzir os danos causados nas chamadas áreas de “urgência”, ressaltando que os problemas da segurança pública na capital fluminense são “de difícil solução e de longo prazo”.
Entre as sugestões, estão a garantia da segurança das áreas de exposição à violência, priorizando, principalmente, o horário de funcionamento das escolas e creches, e a proibição da polícia de usar creches e escolas como bases de operação.
A análise também sugere o oferecimento de condições especiais de contratação para os professores que atuam nessas áreas, como acompanhamento psicológico e adicionais salariais por insegurança, além de capacitações mais frequentes.
Outra sugestão é disponibilizar, nessas áreas, profissionais de saúde mental especializados em atender crianças e adolescentes que sejam capazes de lidar com traumas devido à exposição rotineira à violência.
O UOL procurou a Seseg (Secretaria de Estado de Segurança) para saber o que a polícia pretende fazer e já tem feito para diminuir a violência nas regiões apontadas pelo estudo, sem expor os estudantes a riscos, e se a pasta pretende adotar alguma das políticas sugeridas pelo estudo.
Em nota, a Seseg afirmou que criou um grupo para rever normativas, procedimentos e protocolos que envolvam ações das polícias, “visando o aprimoramento de suas atuações”. Foram convidados a participar desse grupo o secretário municipal de Educação, Cesar Benjamim, o secretário estadual de Educação, Wagner Victer, subsecretários da Seseg e também representantes das polícias Civil e Militar, além de representantes da sociedade civil e entidades como a Cruz Vermelha.
A pasta ainda disse que o secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, determinou que as polícias do Estado, “notadamente a Polícia Militar, que detém a atribuição do policiamento ostensivo”, revissem procedimentos para aperfeiçoar suas normas internas sobre operações planejadas e emergenciais, “com o objetivo de minimizar os riscos e a vitimização”.
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