"Estamos carecas de saber", diz integrante de movimento negro sobre forma diferente de abordagem de PM
Uma dança de roda de origem africana, o jongo, acompanhada pelo batuque de três tambores, reuniu cerca de 40 pessoas na praça Roosevelt, no bairro da Bela Vista (região central de São Paulo), na tarde deste sábado (26), como forma de repúdio ao racismo dirigido à população negra.
Organizado pela Frente Alternativa Preta, que representa coletivos diversos na capital, o protesto foi motivado, num primeiro momento, pelo recente confronto entre defensores dos direitos humanos e apoiadores de movimentos de supremacia racial, em Charlottesville, nos Estados Unidos, que resultou na morte de uma mulher de 32 anos.
“Estou aqui hoje porque entendo que o aconteceu em Charlottesville não é apenas um evento isolado, é uma prática que tem avançado no mundo, nesse momento de crise mundial do capital", diz a professora Adriana Moreira, 34. “A resposta mais fácil é encontrar um grupo específico que seja responsável pela pobreza, pela miséria, pela falta de emprego, e via de regra são negros, são indígenas.”
A ideia de levar a crítica até a praça ganhou ainda mais força após as declarações do novo comandante da Rota (tropa de elite da polícia militar), o tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, em entrevista exclusiva ao UOL, na última quinta-feira.
“A declaração do comandante da Rota veio corroborar aquilo que nós estamos carecas de saber”, diz José Henrique Viegas Lemos, 58, biólogo e professor da rede pública estadual. “Só que ele escancarou algo que nós já sabíamos”.
O tenente-coronel afirmou à reportagem que os policiais militares que atuam na região nobre e na periferia de São Paulo adotam formas diferentes de abordar e falar com moradores.
"É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma de ele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia] da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins, ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado", disse.
"Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui nos Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa dos Jardins que está ali, andando", afirmou Mello Araújo. "O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento", argumentou.
Na opinião do professor Lemos, a fala do comandante aponta para um caminho de como a polícia deve agir: “se for preto, porrada, e se for branco, é ‘por favor’”.
“Para mim não foi surpresa, mas um descaramento o que ele disse, ele realmente acredita nisso", afirma Lemos. “Nós não achamos que, se um preto estiver nos Jardins, ele vai ser tratado como se fosse um branco de classe média. Vai ser tratado como preto, e, provavelmente, vão achar que ele está roubando, que ele está ali querendo fazer alguma coisa errada.”
Na avaliação do professor e militante de defesa dos direitos dos negros Douglas Belchior, também integrante da Frente Alternativa Preta, "quando o comandante diz o que disse, isso serve de uma reautorização para que o policial na ponta aja com mais violência do que já age. É uma pista de uma alteração na política da segurança pública no Estado de São Paulo.”
Em entrevista em vídeo publicada na página da Polícia Militar no Facebook, ele disse que a abordagem da Rota é padrão, não importa a região da cidade. O que muda, segundo ele, é a linguagem, a forma de falar com a pessoa abordada pelo policial.
Ontem, a Frente Alternativa Preta, juntamente com outros grupos de defesa dos direitos dos negros, protocolou uma petição em órgãos públicos em que pede explicações ao governo do Estado sobre as declarações do comandante e que ele seja retirado da função.
“A renovação da ideia da tolerância zero e da Rota na rua é algo muito grave no contexto do que a gente está vivendo, de aumento de pobreza, de aumento de desemprego e de aumento dos conflitos sociais”, afirma Belchior. “A polícia existe para levar a paz a todas as pessoas. Ela não pode se adequar ao caos social ou à violência social que está colocada ali.”
Petição pede permanência de comandante
Divulgada pelo Facebook, uma petição pública online pede ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e ao Comando Geral da Polícia Militar a permanência de Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo no cargo.
“Após declarações não compreendidas do Comandante da ROTA, tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello, cinquenta e cinco (55) movimentos sociais e organizações coletivas assinaram petição exigindo a demissão do Comandante, grande promessa no combate ao crime. Este abaixo-assinado é uma resposta de todos os cidadãos de bem contra isso e solicitando a permanência do atual comando da ROTA”, diz o texto, que havia sido assinado por 19 mil pessoas até o fim da tarde deste sábado.
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