Estudantes de direito têm sonhos interrompidos após naufrágio na Bahia
Era apenas uma quinta-feira comum para as estudantes de direito Isnaildes de Oliveira Lima, 48, e Sandra Lima dos Santos, 40. As duas acordaram cedo e, como de costume, se encontraram no terminal de Mar Grande, no município de Vera Cruz, um pouco antes das 6h30. Juntas, seguiram em direção à Salvador para dar início a mais um dia de estudo. Mas, dessa vez, não conseguiram chegar ao destino final.
As universitárias integram a lista dos 18 passageiros mortos no naufrágio da lancha Cavalo Marinho 1, na baía de Todos os Santos, próximo a Salvador, na manhã da última quinta-feira (24). O acidente aconteceu por volta das 6h40, cerca de dez minutos depois de a embarcação deixar o terminal de Mar Grande.
Isnaildes, conhecida pelos amigos como Nay, sonhava em vestir a toga de juíza. Servidora concursada do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia), ultimamente se via dividida entre casa, faculdade e trabalho. Mesmo diante da segurança do serviço público, a escrevente de cartório sonhava em alcançar o topo da magistratura.
A amiga também andava igualmente empolgada. A um ano de concluir a universidade, a estudante de Direito já esboçava ideias para a elaboração do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). Nenhuma delas, no entanto, teve tempo de alcançar seus sonhos.
As duas frequentavam a Faculdade Dom Pedro II, no bairro do Comércio, em Salvador. Nay cursava o 7º semestre, enquanto Sandra já estava no 8º.
Na sexta-feira (25), professores e estudantes da unidade de ensino acompanharam os respectivos funerais, realizados sob forte comoção. O sepultamento de Isnaildes ocorreu em Nazaré das Farinhas (cidade do Recôncavo baiano). Já Sandra foi enterrada em Tairu, no município de Itaparica.
"Nay e Sandra eram duas alunas exemplares, dedicadas, com muitos sonhos e projetos a conquistar. É um momento muito triste para aqueles que as conheciam. Estamos todos consternados", disse Alessandra Branco, 44, coordenadora-adjunta do curso de Direito da Faculdade Dom Pedro II.
Sempre pontuais, Isnaildes e Sandra faziam o mesmo itinerário diariamente. Na ida para a faculdade, tomavam a lancha às 6h30 em Mar Grande. Na volta, após a aula, seguiam na embarcação do meio-dia.
A jornada da tarde tinha como destino o Fórum de Itaparica, onde cumpriam expediente até as 18h. Enquanto o barco corria na travessia de aproximadamente 40 minutos, as estudantes botavam a conversa em dia.
"As duas se conheceram há pouco tempo. Quando Sandra começou o estágio no fórum, pegava carona com Nay para casa. Infelizmente, acabaram sendo vítimas de tragédia", lamenta Adriana Santos, 42, amiga das universitárias, que também é servidora do TJ-BA.
Emocionada, ela diz ter conhecido Islaides há mais de duas décadas. "A primeira vez que a vi Nay foi quando ela fez o concurso do TJ-BA com o meu marido, há uns 20 anos. Só que, há dois anos e meio, minha filha mais velha foi fazer faculdade de Direito na capital e acabou sendo acolhida na casa dela. Foi a partir daí que a nossa amizade se estreitou. Ou seja, Nay foi a segunda mãe de minha filha", conta.
Segundo Adriana, atualmente Isnaildes vivia sozinha em Barra Grande, na península de Maraú. Solteira e sem filhos, recebia apenas a visita de uma irmã. Sandra, por sua vez, residia em Itaparica. Casada com um pastor evangélico, não tinha filhos. Formada em letras, ela desenvolvia um trabalho social com crianças da região.
Colegas de Isnaildes afirmam que a ela começou a trabalhar e a morar em Itaparica havia pouco tempo. Antes de se fixar no novo endereço, a servidora do TJ-BA vivia em Nazaré das Farinhas. O pedido de transferência foi feito pela própria escrevente, que dizia enfrentar quilômetros extras no traslado até a faculdade em Salvador.
"Ela pediu a remoção porque ficava muito complicado vir de Nazaré até Mar Grande. Itaparica é bem mais perto. Nay não queria perder as aulas. Era uma pessoa apaixonada pela área jurídica. Vivia para o trabalho e para os estudos", disse Antônio Ribeiro Bhené, 52, diretor do Sinpojud (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário da Bahia), entidade da qual a escrevente era filiada.
Funcionário do mesmo cartório no qual Inaildes atua, Bhené afirma que ela servia de exemplo para os demais servidores: cumpria rigorosamente com suas obrigações e não deixava nada para depois.
"Nay sempre foi uma pessoa focada, muito solidária e de bom trato com todos ao redor", pontua Bhené.
Adriana acrescenta: "Minha amiga era muito carinhosa, dedicada ao trabalho. Nunca a vi mal-humorada. Católica praticante, ela sempre tinha palavras de consolo nos momentos difíceis".
Investigações em andamento
O acidente está sendo investigado pela 24ª Delegacia Territorial (Vera Cruz). Ao menos 20 pessoas que estavam a bordo da lancha Cavalo Marinho I, incluindo o comandante. De acordo com o titular da 24ª DT, delegado Ricardo Amorim, os proprietários da empresa responsável pela embarcação também foram intimados e devem prestar esclarecimentos na próxima semana.
"Por enquanto, os depoimentos estão bast bastante semelhantes, apresentando poucas divergências entre as versões", afirmou Amorim. Para ele, é cedo para determinar o que teria causado o acidente que matou 18 pessoas.
Segundo Amorim, as apurações iniciais dão conta de que não havia superlotação na embarcação. O delegado também expediu guias de lesão corporal para todos aqueles que se apresentaram como vítimas da tragédia. "Precisamos que todos aqueles que estiveram no Cavalo Marinho I, no momento do acidente, compareçam à 24ª DT para serem ouvidos", enfatizou.
A Capitania dos Portos autorizou a retomada do transporte de lanchas do sistema Salvador-Mar Grande a partir da manhã deste sábado (26). Os serviços foram interrompidos desde o acidente.
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