Projeto de maior aquário de água doce do mundo emperra com custo milionário e ações na Justiça
Idealizado para ser o maior viveiro de água doce do mundo, o Aquário do Pantanal fez uma escalada de gastos desde que foi lançado, em abril de 2011, em Campo Grande, pelo então governador André Puccinelli (PMDB-MS). Ele diz que o valor original era apenas para a construção da obra física. Já o atual governador, Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), planeja um novo cronograma para a entrega das obras (leia mais abaixo).
O valor inicial do contrato era de R$ 84.749.754,23. Até o momento, já foram gastos em torno de R$ 200 milhões na construção. Mesmo assim, o governo de Mato Grosso do Sul estima que ainda vá precisar de R$ 68 milhões para concluir o projeto. Ou seja, a obra consumirá ao menos R$ 268 milhões.
O aquário foi instalado no parque das Nações Indígenas, na avenida Afonso Pena, um ponto turístico que abriga museus, espaço para shows, lago, pistas para caminhada e bicicletas e quadras esportivas.
Ao todo, o aquário teve as obras paralisadas por um ano e oito meses por decisões judiciais, entre setembro de 2015 a abril de 2016 e de outubro de 2016 até os dias atuais.
Disputa na Justiça
No final de agosto, o juiz da 2ª Vara de Direitos Difusos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, David de Oliveira Gomes Filho, bloqueou R$ 10,7 milhões do engenheiro civil, ex-secretário de Obras do Estado e ex-deputado federal (PR-MS) Edson Giroto, do escritório Ruy Ohtake Arquitetura e Urbanismo, da Fluidra Brasil Indústria e Comércio Ltda. e de representantes dessas empresas.
O juiz acatou, parcialmente, o pedido do Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul que ajuizou Ação Civil Pública por improbidade administrativa contra os envolvidos por exclusão de Projeto de Filtragem e Suporte à Vida do contrato inicial do Aquário do Pantanal e da contratação da Fluidra para o serviço, sem licitação e com preço superfaturado, segundo o MPE.
O processo foi constituído com base nas denúncias de Hugo Gallo Neto, dono da empresa Terramare, que faria inicialmente o trabalho de filtragem dos tanques e daria suporte à vida dos peixes por R$ 8,6 milhões.
Após uma revisão, substituindo produtos importados por nacionais, os custos da Terramare caíram para R$ 6 milhões --o valor contratado posteriormente para o mesmo serviço pela Fluidra foi de R$ 17,2 milhões.
Segundo Gallo Neto, seu trabalho foi excluído do projeto por influência do escritório do arquiteto Ruy Ohtake. Este nega a acusação e afirma que a alteração conceitual do projeto não foi uma decisão da empresa, mas um imperativo do contratante, o Estado do Mato Grosso do Sul.
Em depoimento ao Ministério Público Estadual, Edson Giroto afirmou que a Terramare não teria capacidade técnica para o trabalho e servia "no máximo para fazer tratamento de piscina".
Gallo Neto é oceanólogo, proprietário e diretor do Aquário de Ubatuba (SP), o primeiro aquário privado do país, aberto em 1997. Tem mais de 20 anos de experiência em projetos, construção e gestão de aquários.
Operação Lama Asfáltica
As eventuais irregularidades sobre o Aquário do Pantanal também são apuradas pela CGU (Controladoria-Geral da União), pelo MPF (Ministério Público Federal) e pela PF (Polícia Federal) no âmbito da Operação Lama Asfáltica, que investiga o envolvimento de políticos, empresários e agentes públicos em licitações, superfaturamentos em obras públicas e pagamento de propinas no Mato Grosso do Sul.
O Centro de Pesquisa e de Reabilitação da Ictiofauna Pantaneira (Aquário do Pantanal) foi lançado no governo passado, do então governador André Puccinelli (PMDB-MS).
Quando for entregue, terá aproximadamente 22 mil m² de área construída distribuídos em seis pavimentos, sendo três destinados à visitação, um nível de laboratórios e dois níveis técnicos destinados ao sistema de suporte à vida.
Terá 32 tanques para exposição de peixes, em especial do pantanal sul-mato-grossense. O local terá ainda espaço para museografia.
O ex-governador informou à reportagem que, do valor original, R$ 84,7 milhões eram previstos apenas para a construção da obra física. "Com aditivos, reajustamentos e a compra de equipamentos e móveis, o aquário totalizaria R$ 176 milhões, devidamente comprovados com documentos."
Outro lado
Com relação à Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa, a assessoria jurídica do arquiteto Ruy Ohtake informou ao UOL que o profissional realizou por volta de 90 trabalhos para entidades da administração pública, sem que até agora tivesse havido questionamento sobre a sua idoneidade, capacidade técnica e notória especialização. Nega qualquer irregularidade e diz que o Poder Judiciário vai julgar improcedente a ação.
Procurado no diretório de seu partido de Campo Grande, o UOL foi informado de que o engenheiro Edson Giroto não daria entrevista sobre o assunto.
A Fluidra informou que está à disposição das autoridades competentes para cooperar com os esclarecimentos que forem necessários, de forma transparente, sobre todo o processo do qual a empresa participou.
Governo do MS aponta erro de planejamento
Em nota, o governo de Mato Grosso do Sul informou que o valor do aquário aumentou por erro de planejamento e que vai concluí-lo em 2018. Não informou quanto custa manter o aquário paralisado nem se os R$ 84,7 milhões se referem à obra completa ou apenas à obra física.
O governo ficou de anunciar um novo calendário para a retomada e entrega das obras, com orçamento revisto para o projeto. O Aquário do Pantanal se tornou um problema para a atual administração, que não tem dinheiro para finalizá-lo.
A Egelte Engenharia Ltda. --que venceu a licitação para construir o Aquário do Pantanal por R$ 84,7 milhões-- informou que é obrigação do governo dar transparência sobre os valores investidos e que não vai falar sobre o assunto.
O governo do Mato Grosso do Sul diz que haverá incremento no turismo local. "Acreditamos que só na capital o número de turistas deva dobrar e o Estado deva ter um aumento de 20% no fluxo turístico. Esperamos mais de 100 mil visitantes por ano no Aquário do Pantanal", diz Bruno Wendling, diretor-presidente da Fundação de Turismo do MS.
Questionado sobre em quanto tempo recuperaria o investimento na obra, ele disse que, "como não é um investimento privado, o governo não calcula retorno financeiro, e sim aumento do fluxo turístico, o que faz com que dinheiro novo entre, a economia gire, aumentando emprego, renda e visibilidade para a região".
Exemplo de sucesso no Rio de Janeiro
Enquanto se discute sobre a continuidade da obra do Aquário do Pantanal, um espaço mostra como é possível ter retorno financeiro com esse tipo de investimento.
Construído em quatro anos e inaugurado em novembro de 2016, o AquaRio já recebeu mais de 1 milhão de visitantes. O empreendimento é resultado de um investimento de R$ 130 milhões feito pela empresa privada Aquário Marinho do Rio.
Localizado no Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, o aquário tem 26 mil m², abriga 4,5 milhões de litros de água salgada, divididos em 28 tanques. Reúne cerca de 4.000 animais de mais de 350 espécies.
O AquaRio não quis divulgar seu faturamento. A administração disse apenas que o local é frequentado por visitantes de todos os Estados.
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