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Policial suspeito de matar namorada foi reprovado em exame psicotécnico para entrar na PM

A estudante Camilla Pereira de Abreu foi assassinada pelo namorado - Arquivo pessoal
A estudante Camilla Pereira de Abreu foi assassinada pelo namorado Imagem: Arquivo pessoal

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

01/11/2017 21h47

O capitão da Polícia Militar do Piauí Allisson Wattson da Silva Nascimento, 35, suspeito de matar a namorada Camilla Pereira de Abreu, 21, foi reprovado no exame psicotécnico durante processo de seleção para ingressar na Polícia Militar do Piauí, em 2002. Segundo o comandante da PM-PI, coronel Carlos Augusto Gomes, a Justiça obrigou que Nascimento fosse incluído no curso de formação sob pena de multa de R$ 5.000 por dia, em caso de descumprimento. O Estado recorreu da decisão, mas perdeu.

O policial foi preso na tarde de terça-feira (31) depois que o juiz Luis Moura Correia, da Central de Inquéritos da Comarca de Teresina, decretou a prisão preventiva dele. Ele está detido no Quartel da PM em Teresina.

Nascimento confessou que matou a namorada com um tiro acidental durante interrogatório feito pelos delegados Francisco Costa Baretta, coordenador da Delegacia de Homicídios de Teresina, e Emerson Almeida, da Delegacia de Homicídios. A versão dele é contestada pela polícia que diz ter provas suficientes de que a defesa dele não tem sustentação.

Após seis dias desaparecido, o corpo de Camilla foi encontrado na tarde de ontem, depois que Nascimento apontou o local que ele foi jogado. Ele foi com a equipe da polícia até o local. O corpo estava coberto com plantas e folhagens, já em estado de decomposição.

O corpo da estudante foi necropsiado no Instituto Médico Legal de Teresina. Nesta manhã, ele foi liberado e enterrado no cemitério São Judas Tadeu, em Teresina.

Nascimento e Camilla mantinham relacionamento havia um ano e, segundo amigas da vítima, o namoro era conturbado, a jovem sofria violência doméstica e tinha medo de denunciar as agressões à polícia. Uma das amigas de Camilla relatou que no dia do desaparecimento da jovem, Nascimento não deixou a namorada ir sozinha ao banheiro quando estavam no barzinho com o grupo de amigos.

Camilla era estudante de direito e o namorado ia buscá-la todas as noites após a faculdade. No último dia 25, o casal foi a um bar encontrar com uma amiga da jovem. Na madrugada do dia 26, o casal deixou a amiga em casa e Camilla desapareceu.

A família contou que tentou falar com Nascimento na quinta-feira (26), mas ele não atendeu às ligações. Na sexta-feira (27), novamente, a família tentou contato, ele informou que deixou Camilla na porta da casa dela e não sabia seu paradeiro. Preocupados com o sumiço, familiares procuraram a polícia.

Antes de encontrar o corpo de Camilla, a Polícia Civil já informava que ela tinha sido assassinada devido às provas materiais e testemunhais que colheu durante as investigações. Dentre as provas, a polícia descobriu que Nascimento tentou lavar o banco do carro para limpar o sangue de Camilla com a água de um rio e depois levou para um lava jato. Ainda com vestígios, trocou o banco do veículo em uma loja.

No sábado (28), Nascimento tentou vender o carro, mas não conseguiu e escondeu o veículo na casa de familiares.

Ingresso na PM

A contestação de Nascimento sobre o resultado do exame psicotécnico foi impetrada em 21 de março de 2002, data que ele ingressou com mandado de segurança na 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública de Teresina para obrigar a PM que ele fosse integrado na turma do curso de formação na PM. Ao término do curso, ele conseguiu na Justiça ser declarado aspirante e fez carreira dentro da corporação. O processo foi concluído em 2007 dando parecer favorável à contestação dele.

O comandante da PM-PI, coronel Carlos Augusto Gomes, criticou decisões judiciais favoráveis a candidatos que são reprovados em alguma etapa do concurso. Ele conta que a maioria dos candidatos reprovados que ingressa na corporação por meio de decisões judiciais apresentam problemas em algum momento da carreira policial.

“Os psicólogos avaliam criteriosamente os candidatos classificados na primeira etapa, que é a prova escrita, e na época foi constatada incompatibilidade dele exercer a função. Mas, infelizmente, a Justiça ordenou que a PM incluísse e iniciasse o candidato no curso de formação. A gente lamenta que essas decisões passam por cima do técnico. Ele não é o único e não é o primeiro”, destacou o comandante da PM-PI.

Em entrevista ao UOL concedida ontem, logo após a prisão de Nascimento, o secretário de Estado de Segurança Pública, Fábio Abreu, já suspeitava que o policial tinha sido reprovado no exame psicotécnico e ingressado na PM por meio de ordem judicial. Abreu solicitou à PM que fosse investigada a vida profissional do policial e, nesta quarta-feira, foi comprovada a suspeita.

“O psicotécnico é essencial para avaliar se o candidato é apto ou não para a função. Infelizmente, candidatos reprovados conseguem na Justiça liminar obrigando a corporação integrá-los na corporação. A judicialização deste tipo de pedido tem prejudicado a polícia, pois, durante a carreira, a maioria apresenta problemas de desvio de conduta, como o deste caso de homicídio, além de suicídios, alcoolismo. Há um processo de desconstrução das regras para ser policial com essas liminares favoráveis a quem é reprovado em alguma etapa do concurso”, afirmou Abreu.

Segundo a PM, Nascimento responde a alguns processos administrativos na corregedoria de polícia por se exceder em ações policiais e na Justiça comum por ter disparado arma de fogo em vias públicas, além de atirar contra um rapaz que olhou para Camilla quando eles estavam em um restaurante.

Tanto o comandante da PM quanto o secretário de Segurança Pública destacaram que a conduta de Nascimento é exceção na polícia.

“Somos rígidos, tanto que todos os casos que excedem são levados para corregedoria. Não deixamos passar nenhum”, diz Gomes. “Não concordamos e fazemos uma seleção nos concursos, mas infelizmente, candidatos reprovados conseguem liminar judicial e não tem como corrigir desvio psicológico”, completou Abreu.

A Polícia Militar afirmou que está em curso processo administrativo sobre a conduta de Nascimento e que “tão logo seja concluído adotará as providências imputadas ao capitão que forem dadas pela Justiça”.

Nascimento será julgado pela Justiça comum porque durante o crime não estava de serviço. Entretanto, a Polícia Militar afirmou que vai acatar a toda decisão que for dada pela Justiça ao caso.