Manifestantes protestam contra e a favor de filósofa americana Judith Butler em São Paulo
Cerca de 70 pessoas protestaram na manhã desta terça-feira (7) em frente ao Sesc Pompeia, na zona oeste de São Paulo, contrária e favoravelmente à filósofa norte-americana Judith Butler, referência mundial no estudo da teoria de gênero.
Os grupos opostos se reuniram em frente à entrada principal do Sesc, onde Butler participaria da abertura do do colóquio "Os Fins da Democracia", organizado pela USP (Universidade de São Paulo), em conjunto com a Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, onde a filósofa leciona.
Os grupos contrários à filósofa reclamaram da "ideologia de gênero" apregoada no discurso de Butler, principal expoente da teoria queer --campo para o qual o gênero, a orientação e a identidade sexual são resultados de uma construção social, e, portanto, não biológicos. Uma petição online, no site CitizenGo, chegou a reunir mais de 360 mil assinaturas pelo cancelamento da palestra da filósofa em São Paulo nas últimas semanas.
"Não podemos permitir que a promotora dessa ideologia nefasta promova em nosso país suas ideias absurdas, que têm por objetivo acelerar o processo de corrupção e fragmentação da sociedade", diz um trecho do texto da petição, que também usava a hashtag #ForaButler.
Entre os manifestantes contrários à palestra de Butler, eram comuns os gritos pela "família" e pela "tradição". Eles queimaram o boneco de uma bruxa, com o rosto de Butler, aos gritos de "queimem a bruxa!"
Já os grupos favoráveis à norte-americana criticaram o que classificaram como tentativa de boicote à liberdade de expressão. Com cartazes e gritos de guerra, disseram "bem vinda, Butler", do lado oposto do portão onde estavam os críticos da filósofa -- entre os quais, membros do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, ligado à TFP (Tradição, Família e Propriedade), com cartazes que traziam a mensagem "Buzine em favor do casamento como Deus o fez --1 homem + 1 mulher".
A assessoria de imprensa do Sesc informou que não comentaria os protestos. Em sua fala inicial, na abertura do colóquio, Butler agradeceu ao Sesc por não ter cancelado a participação dela no evento.
Elite cultural impõe "agenda progressista"
No grupo contrário à filósofa, Felipe Braga, 23, vigilante patrimonial, falou ao UOL sobre o porquê do ato hoje. "Pouco importa se é a Judith Butler, porque ela poderia ser qualquer outra coisa", disse.
"Se eu visse a cara dela, também não ia bater nela na rua, mas o que a gente tem que sempre ter em mente, e ser extremamente contra, é que exista uma elite cultural, financeira, econômica e política que, através do seu poder aquisitivo e de influência sobre a mídia, impõe a sua agenda progressista sobre as pessoas", continuou Braga.
"Eu, como pai de família, tenho pleno direito de defender que a minha filha seja heterossexual e educá-la assim ou como homossexual; é meu direito", concluiu.
Desempregado, o também vigilante patrimonial Washington Mendonça de Castilho, 31, disse discordar das ideias da filósofa norte-americana "por uma questão simples".
"As figuras de masculino e feminino são importantes até para os homossexuais, transexuais e outros. É através dali que eles tiram sua visão de mundo, se espelham naquelas figuras. Se você acabar com o masculino e o feminino, o que resta? Até a questão homossexual se perde. Essa esquerda que está aí está se perdendo em um discurso bancado por uma elite cultural, econômica e artística", pontuou Castilho.
"Ela, Judith, é bancada por isso, tem conexões com a ONU e cresceu em uma sociedade extremamente liberal", reforçou.
Com um cartaz rosa exibindo a mensagem "Viva as princesas do Brasil", uma manifestante que se identificou apenas como Rose assim definiu a motivação pessoal para protestar contra Butler: "A ideologia de gênero vem destruir os nossos valores."
"Defendemos a democracia"
Entre os manifestantes que defenderam a presença de Butler no país, o tom geral dos argumentos era o de "liberdade de expressão" a ela.
"Estamos aqui porque a democracia é feita da possibilidade de nos expressarmos sobre qualquer questão. Mas essas pessoas fazem uma leitura equivocada da fala de Judith, que expressa justamente a possibilidade de se sobreviver às agressões em ambientes como escola, família e trabalho independentemente do que os cidadãos pensem. A família tradicional muitas vezes é a real abusadora, basta ver quantas pessoas são vítimas hoje de violência doméstica. Mas os manifestantes não citam isso", criticou o psicólogo Gabriel Siqueira, 38.
Amigos e torcedores de times adversários, Marcos Gama, do coletivo "Porcomuna", do Palmeiras, e Walter Falceta, do "Democracia Corintiana", também se posicionaram a favor da presença de Butler no país.
"Como o próprio nome do coletivo expressa, defendemos a democracia, e isso está expresso no direito à manifestação do livre pensamento de Butler", declarou Falceta. "Quem incita o ódio deve ser combatido de maneira veemente, o que, no nosso caso, é uma forma de honrar a tradição corintiana de tolerância à diversidade", complementou.
O integrante do coletivo palmeirense fez coro ao corintiano. "É papel das torcidas progressistas participar de um despertar democrático do Brasil", opinou.
"Em que século estamos?", questiona Butler
Apesar da repercussão de suas pesquisas sobre a teoria de gênero, nenhuma das conferências da filósofa em São Paulo --hoje e na última terça (6) à noite, na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) ---seriam sobre o tema. Elas se concentrariam em temas relacionados à democracia e à crítica dela ao sionismo.
Em sua fala no Sesc, Butler destacou que, nos tempos políticos atuais, e em diferentes partes do mundo, ideologias rechaçadas no passado não estão superadas –como as que apregoam o fascismo, o racismo ou a supremacia branca. “Em diferentes partes do mundo, parece que estamos nos perguntando: ‘Que horas são? Em que século estamos?’ Nossas ideias de progresso estão nos iludindo”, afirmou. “Alguns de nós achávamos que havíamos conquistado essas forças políticas. Mas elas não foram vencidas, e a luta contra elas é constante”, sugeriu.
Para a filósofa, no entanto, essa sensação de “desorientação” com o avanço de correntes ultraconservadoras deve servir ao menos para se chamar o cidadão a “pensar sobre as condições históricas em que nos encontramos” e “a nos opor à violência e dominação que muitos projetos nessa rubrica de significação representam”.
A norte-americana citou o avanço da política autoritária no mundo, alertou para o que criticou como “naturalização” desse fenômeno e destacou nesse contexto o populismo de direita nos Estados Unidos e na Europa e a ação desses grupos, via correntes evangélicas, na América Latina.
“Muitos estão ainda esperando a democracia agarrando a chance de realizar as suas possibilidades. Onde quer que estejamos nos debates é justo dizer que vacilamos entre a esperança e o medo. Precisamos articular os fins da democracia a fim de realizá-la na nossa vida”, defendeu Butler, para quem o movimento cultural e filosófico conhecido como Escola de Frankfurt, na Alemanha, na primeira metade do século passado, não identificou corretamente, em seu tempo, as demandas geradas por formas de dominação –entre as quais, o fundamentalismo e o fascismo. “Pensar é um ato histórico”.
“Não podemos nos livrar das nossas histórias. A luta pela liberdade é também a luta pela expressão e o pensamento livres, e não a reprodução dos poderes repressivos mesmo quando esse pensamento amedronta muita gente”, afirmou. “Quando o povo é plural é heterogêneo, o pensamento deve conhecer e praticar as distâncias. O estranho é que esses desejos democráticos sejam considerados ‘perigosos’ por quem, na verdade, almeja desviar a atenção da violência, da repressão e das desigualdades de poder. Talvez a democracia também exija ideais como igualdade, liberdade e justiça como práticas, não só idealização”, sugeriu.
Oposição também nas redes
No Facebook, um ato de "repúdio à maior propagadora da ideologia de gênero", marcado para acontecer em frente ao Sesc, reunia mil pessoas confirmadas até o fim da manhã desta terça-feira. Já outro ato a favor da filósofa, com a proposta de fazer um "cordão de proteção" a ela, tinha 1.329 confirmados.
Autora de pelo menos 20 livros, Butler, que tem 61 anos, é mais conhecida por sua obra "Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade", lançado em 1990. Essa é a segunda vez que a filósofa vem ao Brasil. Em 2015, ela participou de um evento no Sesc Vila Mariana. Na época, um grupo de cerca de 10 pessoas protestou contra a presença dela no local.
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