"Houve descaso com duas vidas", diz noivo de grávida que morreu após ter alta
Três dias depois de perder a noiva grávida de nove meses e o filho, o gerente de loja Caio Cesar Migliaccio, 27 anos, acusa a equipe da Santa Casa de São Roque, interior de São Paulo, de ter sido negligente e de ter agido com descaso no atendimento.
Bruna Stephanie Pires, 28, morreu na tarde do último sábado (11). O bebê, que ainda estava no útero da mãe, também não resistiu. O hospital emitiu nota oficial informando que a paciente foi vítima de aneurisma da aorta abdominal (AAA), algo raro para sua idade, e prometeu apuração rigorosa dos fatos (leia mais abaixo).
Caio relata que a noiva já havia sido atendida na Santa Casa na madrugada anterior, quando sentiu fortes dores abdominais. “Falamos ao médico plantonista e à enfermeira que eram dores constantes, que não paravam e nem diminuíam. Só aumentavam”, afirma ele ao UOL.
No atendimento, segundo o gerente de loja, foram examinados a pressão de Bruna e os batimentos do bebê. Ela ainda foi submetida a exame de toque e lavagem intestinal. “O médico receitou Buscopan com dipirona e deu alta. Não foi feito exame, diagnóstico, nada. Simplesmente deduziu que era cólica intestinal”, diz Migliaccio.
No caminho de volta para casa, Caio relata que a noiva voltou a reclamar das dores. “Saímos por volta das 4h e ela continuou se queixando. Eu fazia massagem, mas era uma dor constante. Insisti até para voltarmos ao hospital e ela disse que não adiantaria. E ela estava cansada, já em final da gestação.”
Depois de chegar em casa e tomar banho, Bruna disse estar um pouco melhor e foi dormir, preocupando-se em não se deitar sobre o lado esquerdo, onde mais doía. Na manhã de sábado, porém, ela acordou gritando de dor e logo seu quadro foi se agravando.
“Ela teve espasmos, começou a espumar pela boca e perdeu a cor. Chamei a ambulância e fui fazendo os primeiros socorros enquanto aguardava. Ela já não me respondia. Depois que chegou ao hospital, em 30 minutos comunicaram o óbito”, afirma Caio.
Para o gerente de loja, um melhor atendimento na madrugada anterior poderia ter evitado a morte da noiva. “Foi pouco caso. Faltou preparação, precaução. Não foi feito nenhum exame, não teve diagnóstico. Está lá dores constantes abdominais e carimbado. Isso não se trata com Buscopan e dipirona. Não fizeram um ultrassom. Eram duas vidas. É o cúmulo.”
Caio também lamenta que em nenhum momento a equipe médica cogitou fazer uma cesárea de emergência ou outro procedimento que pudesse salvar a vida do filho, que se chamaria Caio Cesar Migliaccio Filho. O parto estava previsto para acontecer no dia 20. “O médico legista disse que era uma criança saudável, de 3,5kg, pronta para nascer. Só estava aguardando o momento dele. Já estávamos com carrinho, quarto, tudo pronto.”
O gerente, aliás, afirma que a necropsia só foi possível porque ele decidiu acionar o Instituto Médico Legal de forma particular. “Eu que tomei as providências e só por isso o hospital pode falar que foi um aneurisma de caso raro. Se não colocariam causa da morte desconhecida. Me falaram que isso agilizaria o processo de liberação do corpo, seria menos sofrimento.”
Caio, que estava com Bruna há dois anos, ainda registrou um boletim de ocorrência na noite de sábado (11) na Delegacia de São Roque para que a Polícia Civil também investigue o caso. “Infelizmente nossa saúde depende de seres humanos despreparados, incapacitados, que foi o que houve. Contra fatos não há argumentos”.
Outro lado
Em nota, a diretoria da Santa Casa de São Roque afirma que o caso de Bruna “merece e terá uma apuração rigorosa e pautada por especialistas da área para podermos ter uma conclusão justa e perfeita e então apontar, se houver, quem são os culpados” e que “não fugirá de suas responsabilidades, não dificultará qualquer investigação e sempre estará de portas abertas para a população.”
Sobre o atendimento à paciente, o hospital informa que “no dia 11 de novembro deu entrada no Pronto Atendimento da Santa Casa de São Roque, por volta das 12h40, a jovem Bruna S. Pires, gestante de 38-40 semanas já em parada cardiorrespiratória. A Santa Casa foi informada da vinda desta paciente 40 minutos antes de chegar, devido a distância e difícil localização. Mesmo assim a equipe médica do Pronto Atendimento realizou manobras de ressuscitação sem sucesso. Era o início de uma tragédia com final obscuro e cheio de interrogações e pré-julgamentos”. A ida anterior de Bruna ao hospital não foi mencionada no comunicado.
Ainda na nota, a Santa Casa de São Roque diz que o aneurisma da aorta abdominal que causou a morte de Bruna é mais comum em homens que mulheres, a partir dos 50 anos, aproximadamente, que o quadro de sintomas era totalmente inespecífico e que quando ocorre a ruptura do aneurisma a taxa de mortalidade é altíssima, algo em torno de 90%.
“A paciente estava totalmente fora da faixa etária sem qualquer dado prévio, incluindo o pré-natal, que nada detectou. Na carteira de pré-natal nada consta. Nenhuma complicação diagnosticada por 9 meses, durante toda a gestação. Nem mesmo nos prováveis exames de ultrassonografia realizados de forma preventiva e protocolar em qualquer gestação foram encontrados indícios do que acometeria a paciente Bruna”, afirma.
A Santa Casa ainda diz estar sendo vítima de um “linchamento moral nas redes sociais” sem que a apuração do caso tenha sido concluída e manifesta “profundo pesar pelo ocorrido”, classificando-o como “uma tragédia sem medida, principalmente para a família.”
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