Deputados batem boca ao discutir texto que pode proibir aborto em qualquer circunstância
Cercados por manifestantes, deputados federais bateram boca nesta terça-feira (21) na comissão especial na Câmara que discute um texto com trecho que, segundo os críticos, proibiria a prática do aborto em qualquer circunstância.
Embora marcada para as 14h, a reunião da comissão foi aberta somente por volta das 15h50, quando se atingiu o quórum de 18 deputados registrados. Isso porque o grupo contra a inclusão dos trechos se recusou a marcar presença e não queria a abertura da reunião.
No meio tempo, o presidente da comissão, Evandro Gussi (PV-SP) – a favor do texto como está – e a deputada Érika Kokay (PT-DF) – contra os trechos – discutiram sob gritos de manifestantes pela rejeição da PEC. Gussi questionou Érika como poderia modificar o texto para que fosse aceito e os destaques pendentes, votados. Ele sugeriu que os casos já previstos em lei fossem explicitados para que continuassem inalterados.
Porém, os ânimos de ambos os grupos se exaltaram no decorrer do debate e a proposta foi recusada. O deputado Flavinho (PSB-SP), a favor do texto, afirmou que o grupo pró-aborto não queria “defender as mulheres”. Em resposta, Érika falou que os trechos eram um “cavalo de troia” e que os deputados eram “mais desonestos do que pensava”. Ao redor dos parlamentares, manifestantes gritavam “assassinos”, “pela vida das mulheres” e “estupro e machismo, não”.
Na avaliação de Érika, o tema do aborto foi incluído na PEC de forma “oportunista” e não estava previsto na discussão original. Ela argumenta que a medida criaria uma prerrogativa de criminalizar o aborto em qualquer situação, pois os trechos alterados constariam na Constituição, que rege o Código Penal.
“Acham que seus dogmas são superiores aos dados científicos, à toda a constituição humana. É uma concepção misógina, covarde dos que querem utilizar instrumentos sorrateiros porque essa é uma PEC de Troia. No bojo dela não existe uma conquista das mulheres, que seria a extensão da licença maternidade para partos prematuros, mas a destruição do seu próprio direito”, argumentou. “É uma modificação na cláusula pétrea, portanto estão querendo transformar em cláusula pétrea a inviolabilidade da vida desde a concepção sem nenhuma exceção.”
“Desde o início tínhamos certeza que o texto não interferiria nas situações de estupro e risco a gestantes. Oferecemos proposta de acordo para deixar isso ainda mais claro, mas não querem isso. Na verdade, querem o aborto”, disse.
Na discussão, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) acusou Gussi de dizer que ela estaria cochilando durante a votação do texto principal ocorrida na semana passada. Ela reclamou que a afirmação era desrespeitosa e pediu que a fala fosse incluída na ata da reunião.
Entenda a PEC
A comissão foi originalmente criada para analisar PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 181, de autoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG), para estender o tempo da licença-maternidade nos casos de partos prematuros. A proposta defende que a licença seja prorrogada na quantidade de dias em que o recém-nascido passar internado limitados a 240 dias ao todo.
No entanto, o texto foi modificado pelo relator, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), que propôs modificações em dois artigos do início da Constituição, que tratam dos princípios fundamentais da República. No artigo 1º, Mudalen quis incluir “desde a concepção” após “a dignidade da pessoa humana”.
No artigo 5º da Constituição, Mudalen propôs incluir o trecho “desde a concepção” após o trecho “direito à vida”. Ou seja: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
Na prática, as modificações poderiam inviabilizar a prática do aborto no Brasil, inclusive nos casos em que ele já é previsto por lei: gravidez decorrente de estupro, feto anencéfalo – sem cérebro – e quando colocar a vida da mãe em risco.
Na semana passada, a PEC foi alvo de protesto de mulheres em várias cidades do país.
Na sessão de hoje, a educadora social Thelma Mello levou cartazes para a comissão com o escrito “Senhor deputado, não seja mais um estuprador” e “pela vida da mulher”. Para ela, a PEC tinha um objetivo positivo de estender a licença maternidade para mães de prematuros, mas foi desvirtuada.
“Temos um bando de deputados oportunistas que não têm nenhum compromisso com o direito reprodutivo das mulheres nem no que diz respeito à mulher. Veem a mulher como objeto, como a maioria da sociedade brasileira vê. Colocaram essa questão da vida a partir da concepção retrocedendo até os anos 1940, que é do Código Penal, que afirma que temos direito ao aborto legal em casos de estupro, então, quando fazem isso, por meio da PEC, derrubam o Código Penal. É o avanço do fundamentalismo”, falou.
Já a publicitária Ester Luíza é a favor da PEC por entender que o aborto é crime em qualquer caso, inclusive nos previstos em lei. Na sua concepção, a mulher não pode abortar por entender que o bebê não é uma “extensão” dela.
“O direito à vida deve ser dado desde a concepção. O bebê não é uma extensão do corpo da mulher. Ela tem o seu corpo e o bebê, outro. Sou contra em todo tipo de caso, como encefalia, estupro. Não acredito que a mulher tem o direito de matar uma vida. O bebê não tem culpa do que aconteceu, não tem como se defender, é inocente. Encaro o aborto como assassinato”, afirmou.
A reunião foi interrompida por volta das 16h45 devido à ordem do dia na Casa - quando há sessão com votação em plenário, todos os outros trabalhos devem ser paralisados. Se as votações terminarem antes de meia-noite, Gussi disse que avaliará convocar a retomada da comissão especial ainda nesta terça.
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