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Palco de massacre, Amazonas é "campeão" de superlotação carcerária, segundo Ministério da Justiça

Caminhonete carrega caixões para corpos de presos mortos em presídio de Manaus; ao menos 56 foram mortos no Compaj - Ueslei Marcelino/Reuters
Caminhonete carrega caixões para corpos de presos mortos em presídio de Manaus; ao menos 56 foram mortos no Compaj Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Rosiene Carvalho

Colaboração para o UOL, em Manaus

08/12/2017 11h00

O Estado do Amazonas, palco do massacre de 56 presos nos primeiro dias de 2017, é apontado como o campeão em superlotação em presídios do Brasil pelo Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, divulgado nesta sexta-feira (8). Segundo a pesquisa, há um déficit de 9.036 vagas nos presídios do Estado.

Segundo o relatório, o Amazonas tem a maior taxa de ocupação de presídios no Brasil (484%) e aprisionava, no período da coleta de dados, cerca de 48 pessoas em espaço que deveria ser destinado a apenas 10 indivíduos.
 

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O Infopen informa que o Estado, que registrou torturas e esquartejamento de corpos durante a rebelião de janeiro, oferecia 2.354 vagas para uma população carcerária de 11.390 presos.

A coleta de dados que baseou as estatística do sistema prisional de todos os Estados do país foi feita entre dezembro de 2015  e junho de 2016 - seis meses antes, portanto, do massacre. Hoje, a população carcerária  do Amazonas, de acordo com dados da Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Estado do Amazonas), é de 9.202 presos.

Vídeo flagra início do massacre e fuga em presídio do AM

UOL Notícias

Segundo informações do site da Seap, no dia anterior aos assassinatos no regime fechado do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) havia no local 1.224 presos para 454 vagas.

Um ano após o episódio, há no regime fechado do Compaj 1.002 presos para o mesmo número de vagas.

O Amazonas também está entre os líderes do ranking dos Estados com maior número de presos sem condenação no relatório do Infopen. Os dados indicam que, no período de coleta  de dados, 64% dos presos ainda não haviam sido sentenciados – atrás de Ceará (66%) e Sergipe (65%).

As estatísticas mostram que os presos no Amazonas são, em grande maioria, negros: 84% da população carcerária no Estado é de pardos e pretos, enquanto a média nacional é de 64%.

Outro dado é que a população carcerária do Amazonas é formada por homens e mulheres de baixa escolaridade: 87% dos presos não completaram o ensino médio. A maioria dos presos, 65% deles, não completou o Ensino Fundamental.

“Essa é a realidade que vemos todos os dias”

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM (Ordem dos Advogados do Brasil no Amazonas), Epitácio Almeida, afirmou que os dados do Infopen evidenciam o que todos os dias se vê nas unidades prisionais do estado.

“Essa é a realidade que vemos todos os dias. Celas com capacidade para oito pessoas abrigando 30. Custodiados com apenas duas horas de sol. Não há ressocialização e os presos que agora estão lá, amanhã estarão conosco”, disse.

Pichação feita com sangue das vítimas em muro de presídio de Manaus - Reprodução - Reprodução
Pichação feita com sangue das vítimas em muro de presídio de Manaus
Imagem: Reprodução

“Verdadeiro calabouço”

O juiz da Vara de Execuções Penais do Amazonas, Luís Carlos Valois, afirmou que é inegável que o Estado conviva com uma realidade de superlotação das unidades, mas disse não confiar nos dados do Infopen.

“São dados informados pelo próprio Estado, que não se comunica. Hoje, em Manaus, há 2.900 e poucos condenado no semiaberto, aberto e fechado. Há um déficit de vagas, mas não nessa  proporção de 40 para 10. Há celas com capacidade para 10 com 20 presos”, disse Valois sobre os presos condenados.

Valois disse que as prisões no Estado além de não ressocializarem impõem aos presos situações indignas. “O Ipat (onde houve a fuga em massa no dia da rebelião) foi construído de uma forma extremamente  desumana. O vaso sanitário está na porta da cela e preso faz as suas necessidades na frente de todo mundo”, disse.

Epitácio Almeida afirmou que as prisões no interior do Estado se comparam a verdadeiras masmorras da era medieval.

“A cadeia de Tefé  (a 524 quilômetros de Manaus) é um verdadeiro calabouço. Enquanto isso, um novo presídio está em construção há nove anos na cidade e não termina nunca”, disse.

“Semana passada decapitaram um preso no semiaberto”

O juiz Valois afirmou que a inauguração de uma nova unidade prisional, há cerca de três meses, com 500 vagas  diminuiu a superlotação, mas não resolveu a questão. O juiz informou ainda que, após o massacre, em função das ameaças de morte, os presos estão “misturados” nas unidades que e há constantes ameaças de rebelião. 

“Com esse negócio de ameaça daqui, ameaça dali, transfere para cá. Tem provisório, tem condenado, tudo misturado”, disse.

Valois destaca que novas mortes ocorreram no sistema prisional após o massacre, mas com registros que chamam menos atenção que o dia do 1º de janeiro. “Semana passada mesmo decapitaram um preso no semiaberto”, disse.

Na semana passada, diante do pedido da transferência de um delegado acusado de homicídio da Delegacia Geral do Amazonas para presídios estaduais, o secretário da Seap, o coronel Cleitman Rabelo, afirmou que o sistema permanecia instável.

“O sistema prisional não se encontra totalmente estabilizado, fato que é de conhecimento do sistema judiciário, Ministério  Público e demais autoridades do Estado”, disse o secretário no ofício ao judiciário.

Não é só em Manaus que há instabilidade no sistema. No dia seguinte ao ofício do secretário, em Tapauá, a 450 km de Manaus, presos abrigados na delegacia da cidade fizeram uma rebelião que durou mais de quatro horas.

Os detentos invadiram uma sala reserva da delegacia e tiveram acesso a coletes à prova de bala e a uma metralhadora, com a qual fizeram refém o guarda municipal responsável por monitorá-los. Eles reclamaram da qualidade da alimentação, banho de sol e pediram a presença dos Direitos Humanos no local. A rebelião terminou sem feridos.

Outro lado

Procurada pela reportagem, a Seap informou que, com base em dados atualizados nesta quinta-feira, dia 7 de dezembro, o Estado do Amazonas tem hoje 9.115 presos, e que o percentual de superlotação é de 135% e o excedente do sistema prisional do Amazonas é atualmente de 4.548 vagas.

A Seap informou ainda que a quantidade atual de presos provisórios no sistema corresponde a 50% da população carcerária total do Estado.

O  TJ-AM (Tribunal de Justiça do Amazonas) informou, por meio de sua assessoria de comunicação que, logo após o massacre de presos no Compaj, foi criado o Grupo Interinstitucional de Análise e Acompanhamento do Sistema Prisional, com a participação de representantes da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, do tribunal, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Amazonas.

O grupo funcionou de janeiro a abril deste ano e, segundo o TJ-AM,  realizou “um esforço concentrado” nas varas criminais comuns e especializadas de Manaus para analisar a situação dos presos provisórios. Dezesseis juízes do interior e 30 da capital trabalharam nestes processos.

Segundo o TJ-AM, relatórios do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) indicam que houve aumento da reanálise de processos de presos provisórios e a diminuição do tempo médio de encarceramento de presos provisórios, de 522 dias para a média de 203 dias no Amazonas.

O TJ-AM informa que, em função deste resultado, o tribunal “se destacou entre todos os demais do país, atingindo o maior percentual (63,45%) de processos de presos provisórios sentenciados no período de janeiro a abril deste ano”.

Outra medida foi ampliar as audiências de custódia para todas as delegacias de Manaus. Antes do massacre, apenas três distritos faziam este tipo de trabalho. Com isso, um juiz avalia mais rapidamente a necessidade do encarceramento. O TJ-AM informa que realiza, em média, 500 audiências por mês.

Segundo o tribunal, o Judiciário buscou capacitar os funcionários no tema e melhorar as condições estruturais e administrativas da Vara de Execução Penal.