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Quer ser feliz? Segredo está em saber ligar o f*da-se, diz escritor

Mark Manson sobre ligar o foda-se: "É isso que vai nos salvar, nos fazendo aceitar que o mundo é uma doideira e que tudo bem" - Arquivo pessoal
Mark Manson sobre ligar o foda-se: 'É isso que vai nos salvar, nos fazendo aceitar que o mundo é uma doideira e que tudo bem' Imagem: Arquivo pessoal

Juliana Carpanez

Do UOL, em São Paulo

09/12/2017 04h01

Senta que lá vem spoiler. O segredo para uma vida melhor é importar-se menos e somente com aquilo que realmente interessa. Seu sucesso vem da completa e inabalável honestidade consigo mesmo e da capacidade de falar abertamente sobre seus fracassos, sem hesitações ou dúvidas.

Já a felicidade está em resolver os problemas --e não em viver sem eles, considerando que esta última é uma opção inexistente. Tem mais. Evitar o sofrimento já é uma forma de sofrimento, e o desejo de ter mais experiências positivas representa por si só uma experiência negativa.  

São essas algumas constatações do blogueiro norte-americano Mark Manson, 33, em seu livro que aborda de forma bastante direta temas recorrentes da angústia humana. Seu estilo sem rodeios fica bastante evidente já pelo título, traduzido recentemente para o português como "A Sutil Arte de Ligar o F*da-se --Uma Estratégia Inusitada para Uma Vida Melhor” (editora Intrínseca). Lançada há um ano nos Estados Unidos, a publicação ficou semanas nas listas de mais vendidos do “New York Times” e colocou o autor entre os mais populares da Amazon.

Manson, que se descreve como “autor, pensador e entusiasta da vida”, diz tratar-se de “autoajuda para quem detesta autoajuda” e reconhece criar muita contradição com os populares discursos motivacionais. A obra não é baseada em estudos, mas sim em sua experiência de vida. E a forma como escreve, muitas vezes semelhante a uma conversa de bar, pode causar estranhamento. Ainda mais para quem não gosta do vocabulário de bar: “As reações são intensas. Quem passa do primeiro capítulo ama. Quem não gosta de palavrão detesta”, resume.

Em entrevista por telefone ao UOL, Manson mostrou-se bem-humorado e gastou seu português na saudação e na despedida --a língua ele aprendeu no Brasil, onde conheceu a mulher com quem acabou se casando. Morou no país por alguns períodos entre 2012 e 2016, quando se despediu com uma carta aberta.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista em que ele explica como acredita no “foda-se” como ferramenta para melhorar vidas.

E se eu começasse esta entrevista dizendo que liguei o foda-se e não me preparei, não li seu livro? Você falaria comigo mesmo assim?

[Risos]. Sim, claro. É seu nome que está aí [risos]. Mas seria decepcionante.

É isso o que diz o título do livro, que é bem forte.

O título é sobre algo que todo mundo gostaria de fazer: não se preocupar com muitas coisas com as quais nos preocupamos. Muita gente gostaria de ligar o foda-se. O título tem esse apelo, mas já no primeiro capítulo fica claro: a resposta não é evitar problemas, mas sim encontrar as coisas certas com as quais se importar.  

Acho que muitas pessoas cometem dois erros: elas não querem ter problemas ou não acham que podem escolher os problemas que vão ter. O livro é um argumento contra esses dois pensamentos.

Capa a Sutil Arte de Ligar o Foda-se - Divulgação - Divulgação
Livro de 'autoajuda para quem detesta autoajuda' acaba de ser lançado no Brasil
Imagem: Divulgação
É um livro de autoajuda?

É um livro de autoajuda para pessoas que detestam autoajuda. De maneira proposital, quis contradizer os conselhos populares de autoajuda que estão disponíveis por aí. Não gosto da maioria desses livros, mas acho que deveria existir conteúdo bom nesta área. Meu objetivo foi escrever o livro de autoajuda que eu sempre quis ler, mas nunca encontrei.

Por que decidiu escrever sobre este tema?

Muitas dessas ideias foram poderosas para mim. Passei boa parte dos meus 20 anos indo atrás de coisas típicas de autoajuda. Queria ser mais feliz, ganhar mais dinheiro, viajar mais. Eu tinha esses objetivos que muita gente, principalmente os mais jovens, tem.

Comecei a alcançar muitos deles e percebi que isso não tornava a minha vida melhor. Não necessariamente me faziam mais feliz. Muitas vezes eu conseguia algo que queria, mas então prejudicava outra área da minha vida.

Quais seriam os exemplos práticos disso?

Um grande objetivo era viajar o mundo. Então fui lá e fiz isso por alguns anos. Foi incrível, eu adorava, mas começou a prejudicar meus relacionamentos com amigos e familiares. Era muito difícil fazer amigos em um monte de lugares para onde eu ia. Ou eu fazia amigos, mas sabia sempre que iria embora. Era difícil eu realmente me conectar com as pessoas.

Depois de alguns anos, comecei a me sentir muito solitário e a me perguntar: para que isso? Para que viajar o mundo, se você não se sente próximo de ninguém? Ou feliz? Muitas coisas parecidas aconteceram neste sentido.

Meu objetivo profissional era ter muita liberdade, trabalhar quando eu quisesse, ganhar dinheiro online, escolher os projetos que eu queria fazer. Tudo isso era incrível. Mas você não pensa que, quando trabalha sozinho, todo o estresse e a ansiedade também vêm para você. Não há com quem compartilhar.

Não tem o cara do financeiro para ajudar...

Sim. Então eu tinha liberdade, mas também tinha ansiedade. E a ansiedade vinha dessa liberdade. Depois de alguns anos comecei a perceber: não há nada incrível na vida que não venha acompanhado de um problema [risos]. Isso foi a primeira grande ideia por trás do livro. Queria escrever dizendo: olha, tudo é meio que uma droga [risos]. Não tem nada que seja somente bom, tudo tem um custo. Esse foi o começo.

Você se considera um pessimista?

Não. O pessimista espera sempre algo ruim do futuro. Para mim, a questão é ser honesto e admitir que quase tudo tem um lado bom e um lado ruim. É importante ver esses dois lados.

Mark Manson - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Autor passou sete anos viajando; trabalho como blogueiro permitia mobilidade
Imagem: Arquivo pessoal
Como você coloca em prática na sua vida aquilo que ensina?

A grande mudança foi olhar de forma honesta para os meus valores e perceber que eles eram uma droga, porque eram muito imediatistas. Viajar o mundo era um objetivo incrível, mas não a longo prazo. Você não pode construir sua vida em torno disso. O problema de ser solitário e não ter relações fortes deixou claro que eu precisava mudar. O que fiz foi escolher valores para eu construir minha vida nos próximos 20, 30 anos.

Acho que a maioria das pessoas faz grandes mudanças de vida pensando naquilo que as faz sentir bem e felizes naquele momento, querem resolver os problemas imediatos na frente delas. Eu aprendi a escolher valores, escolher o que seria importante a longo prazo.

E no ano passado você se casou. Tem a ver com tudo isso?

Sim, minha relação com minha mulher foi definitivamente uma parte grande neste processo. Principalmente por a ter conhecido no Brasil, um país estrangeiro, porque foi um compromisso eu me mudar para ficar com ela.

O Brasil influenciou seu livro de alguma forma?

Viajar, de forma geral, ajudou. Ser exposto às formas como diferentes culturas lidam com os problemas ajudou muito. Algo que entendi sobre o Brasil é a forma como as pessoas sabem apreciar o momento, focar no presente, curtir. Este é um dos motivos pelos quais os gringos gostam tanto do Brasil. Foi muito divertido e bom para mim [entender isso], porque minha cultura não é assim.

Você é mais feliz hoje?

Sim [risos]. Isso é um paradoxo: eu me divirto menos hoje do que há cinco anos, mas sou muito mais feliz. Menos festas, menos bebidas, menos viagens, mas definitivamente sou mais feliz. 

Você fala sobre uma cultura do perfeccionismo, que é pouco realista. A vida perfeita é muito mostrada nas redes sociais, mas há outro movimento de expor o “espontâneo”.

Essa espontaneidade publicada online também pode ser fake?

Provavelmente. De forma geral, não confio em nada ou ninguém na internet. Não acho que todos mintam nem sejam fakes, mas provavelmente entre 20% a 25% façam isso. E essa postura arruína todo o resto: se fosse só 1%, daria para confiar em todo mundo. Via de regra, eu me informo via jornalismo e livros. As redes sociais são como reality shows: prometem a realidade, mas não a entregam.

Mas boa parte do seu trabalho é online, com o blog.

Tento manter o foco do meu trabalho voltado para minhas ideias. As pessoas pedem constantemente para eu postar fotos da minha casa, com minha mulher, das minhas viagens, querem saber onde eu janto em Nova York. Mas eu tento não compartilhar por dois motivos.

Primeiro porque descobri, desde muito cedo, que isso me faz infeliz. É a minha vida. Se eu me importar sobre o que milhares de pessoas vão pensar sobre meu jantar, fico infeliz. Não consigo curtir. E esse jantar vira trabalho, assim como acontece com as férias. Então prefiro manter minha privacidade.

Segundo porque considero a exposição das minhas ideias mais importante do que a de minha vida pessoal. Prefiro prefiro manter assim.

Você não tem formação em psicologia, não é considerado um guru de questões comportamentais. Por que as pessoas deveriam ouvir seus conselhos?

Não sei se elas deveriam. Reconheço que não tenho essas credenciais, mas acho que podem experimentar aquilo que proponho. Se for bom, use. Se não, descarte.

Mesmo sem essas credenciais, você aparece nas listas de livros mais vendidos da Amazon nos Estados Unidos e do “New York Times”. Como isso aconteceu?

Se uma ideia é boa, não interessa de onde ela vem. Se as pessoas reagem a essas ideias é porque se identificam com elas: parte disso provavelmente acontece porque sou um cara comum. Tenho experiências parecidas com as de meus leitores. Meu trabalho é esse: pegar temas como filosofia e pesquisas acadêmicas e ‘traduzi-las’ de forma que o cara em uma festa ou em um churrasco entenda o que está sendo dito.