Topo

Justiça apura desvio e bloqueia dinheiro de campanha para bebê com doença rara em SC

MP investiga Renato e Aline, que estariam utilizando recurso para adquirir bens e viajar - Reprodução/Facebook
MP investiga Renato e Aline, que estariam utilizando recurso para adquirir bens e viajar Imagem: Reprodução/Facebook

Eduardo Carneiro

Colaboração para o UOL

02/02/2018 14h08

A Justiça de Santa Catarina bloqueou de forma temporária os valores arrecadados pela campanha “Ame Jonatas”, que mobilizou a internet em prol de um bebê da cidade de Joinville portador de síndrome rara, e um veículo no valor de R$ 140 mil em nome dos pais da criança. Cabe recurso.

A determinação atende a um pedido do Ministério Público de Santa Catarina, que investiga denúncias de que o casal estaria utilizando os recursos arrecadados para adquirir bens e viajar. O total da quantia bloqueada não foi informado, mas a campanha chegou a levantar mais de R$ 3 milhões só em 2017.

Segundo o MP, ficou acordado em audiência no último mês de outubro que Renato Openkoski, 20, e Aline Openkoski, 21, prestariam contas dos recursos arrecadados pela campanha em prol do filho que tem atrofia medular espinhal e despesas efetuadas. Os valores também deveriam ser depositados em uma conta judicial, o que não teria sido cumprido.

Leia também

Ao invés disso, conforme o MP, chegaram relatos de que o casal teria passado o o feriado de Réveillon em Fernando de Noronha, um dos destinos mais caros do Brasil, e adquirido um veículo no valor de R$ 140 mil.

"O fato, salvo melhor juízo, demonstra que não se pode descartar, pelo menos nessa análise inicial, possível utilização de parte das doações para fins distintos daquele almejado: a garantia do direito à saúde de Jonatas", afirma a promotora de Justiça Aline Boschi Moreira ao UOL.

O MP ainda requisitou à Polícia Civil a instauração de inquérito para apurar indícios do crime de apropriação indébita. O caso foi encaminhado à Delegacia Regional de Polícia de Joinville.

Rede de solidariedade e denúncias

Jonatas, de um ano e meio, sofre da síndrome de Werdnig Hoffmamm. Trata-se do caso mais severo de Atrofia Muscular Espinhal (Ame), doença rara e degenerativa que afeta o sistema nervoso e provoca a redução de funções motoras. O menino tem movimentos limitados, alimenta-se por sonda e respira com ajuda de aparelhos.

Em março de 2017, a família do bebê decidiu criar a campanha “Ame Jonatas”. O objetivo era angariar fundos para custear o tratamento, o que incluía a compra de doses do Spinraza, medicamento fabricado apenas nos Estados Unidos e que vem trazendo resultados positivos para a reversão de alguns dos sintomas da atrofia.

Jonatas tomou duas doses de Spinraza em janeiro e, segundo os pais, recupera-se em casa - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Jonatas tomou duas doses de Spinraza em janeiro e, segundo os pais, recupera-se em casa
Imagem: Reprodução/Facebook

O alcance da campanha acabou ultrapassando os limites de Joinville e surpreendeu até os pais de Jonatas. Aderiram à causa famosos (como os atores Danielle Winits e André Gonçalves, que doaram seus cachês de uma peça em Florianópolis), brasileiros que moram nos Estados Unidos e fizeram uma vaquinha virtual e anônimos que ajudaram na produção de bazares, rifas, dentre outras atividades.

Em maio, o próprio casal anunciou em rede social que a primeira meta de arrecadação (R$ 3 milhões) estava batida. A campanha, porém, não seria interrompida, já que o valor deveria ser usado para adquirir as primeiras seis doses da medicação que Jonatas teria que tomar pelo resto da vida (cada ampola custa em média R$ 465 mil reais).

Em páginas no Facebook (mais de 260 mil seguidores) e no Instagram (quase 170 mil), a família posta notícias sobre a evolução do menino. Em janeiro, Jonatas tomou duas doses de Spinraza e, segundo os pais, recupera-se bem em casa, tendo já apresentado avanços na movimentação de membros e de deglutição.

Com o passar dos meses, porém, pessoas que afirmam ter colaborado com a campanha passaram a desconfiar de ações do casal, apontando especificamente para supostas falta de transparência em relação aos gastos e mudança nos seus padrões de vida. Uma página que chama os pais de Jonatas de “fraude” foi criada pelo grupo e já conta com 15 mil seguidores.

Dentre as acusações, os participantes da página questionam a demora na importação do remédio e quanto foi gasto para adquiri-lo, a mudança da família para uma casa maior, além da viagem a Noronha e a compra do carro, fatos levados a conhecimento do Ministério Público.

Outro lado

O UOL tentou contato com os pais de Jonatas e não obteve retorno até a publicação da reportagem. Os novos advogados de Renato e Aline também não foram localizados.

O casal, porém, tem usado as redes sociais para rebater as acusações. “Queremos assegurar a todos que nos ajudaram, aos quais moralmente devemos sim satisfação, que graças ao apoio de todos as primeiras doses da medicação do Jonatas já foram adquiridas e ministradas”, diz uma das postagens.

“Todo o dinheiro tem sido revertido exclusivamente para o tratamento e bem estar da criança, o que não se limita à medicação. Diversas outras despesas têm sido arcadas com o valor arrecadado para garantir que o tratamento surta efeito, tal qual o acompanhamento médico constante, adaptação de espaços, dentre outras”, acrescenta o texto.

Em outra postagem, a família afirma que a aplicação da segunda dose do Spinraza no menino chegou a ser atrasada em virtude do bloqueio do dinheiro da campanha. “Hoje para o Jonatas dinheiro não é luxo, é questão de sobrevivência”, afirma.

O casal também publicou texto em que afirma ter se tornado alvo de perseguição. “Eu e minha esposa lutamos pela nossa família desde que nossos filhos nasceram, fizemos uma campanha para fazer o tratamento do nosso filho e estamos fazendo o seu tratamento. Ele é acompanhado pelos melhores profissionais, seus aparelhos são os melhores, damos muito amor, carinho, cuidamos da melhor maneira possível”, diz o texto.

“E o que algumas pessoas falam é da viagem de três dias junto com um casal de amigos nossos. É difícil porque ficamos um ano dentro de um hospital lutando pela vida do nosso filho e isso não é enaltecido”, completa.