"Cacete no lombo": MP denuncia ex-diretor e agentes por tortura, corrupção e tráfico em presídio
No presídio de Anápolis, a 60 km de Goiânia, havia presos com permissão para receber prostitutas, sacar dinheiro em bancos, sair à noite, traficar e até matar. E havia aqueles que eram espancados a qualquer momento.
"Tem que dobrar o cacete e a borracha no lombo desses presos tuuudo moço (sic)."
A mensagem de celular foi enviada na tarde de 23 de julho de 2017 pelo então diretor da unidade prisional, Fábio de Oliveira Santos, ao agente penitenciário Antônio Dias Ataídes Neto. A ordem para bater é recebida com um gracejo pelo subordinado:
"Moooooço".
O diálogo continua:
"Não tá em Goiânia, então pode bater com força".
"Mooooço... fala uma coisa."
"...Tem que rebentar o cara mesmo... mas... bala de borracha no lombo."
Os dois formavam com o vigilante penitenciário Sóstenes R. Brasil Júnior e o supervisor de segurança Ednaldo Monteiro da Silva, assassinado em 2 de janeiro de 2018, uma organização criminosa dentro do presídio goiano, de acordo com denúncia do MP-GO (Ministério Público de Goiás), oferecida na última sexta-feira (9) à Justiça.
"[Os denunciados] associaram-se para o fim específico de cometer crimes e, logo em seguida, com unidade de desígnios e em progressão criminosa, constituíram e integraram organização criminosa, estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas e emprego de arma de fogo, visando obter vantagens indevidas mediante a prática de diversos crimes, como corrupção passiva, tráfico de drogas, tortura, prevaricação e favorecimento real, utilizando de suas funções públicas para tanto", afirmam os promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-GO.
Um dos presos agredidos foi atingido na virilha por uma bala de borracha calibre 12 e recebeu pressão dos agentes para não revelar o fato aos promotores de Justiça. "Os presos que possuíam baixa condição financeira não recebiam o mesmo tratamento, sofrendo agressões gratuitas e regramento diferenciado por parte da administração e dos agentes do esquema criminoso", apontam os promotores.
Tráfico de drogas e assassinatos no presídio
O esquema permitia que determinados presos praticassem crimes dentro e fora da prisão, em troca de recebimento de propinas, como mostrou reportagem do UOL publicada há dois meses.
"Além do tráfico intenso de drogas, advieram provas da ocorrência de roubos, extorsões e até homicídios praticados pelos presos, tanto dentro quanto fora da unidade. Tudo isso só foi possível com a conivência e, em muitos casos, com a participação ativa de servidores lotados no presídio, mediante o pagamento de propina", lê-se na denúncia.
Em novembro de 2015, Fábio de Oliveira Santos assumiu a direção do presídio de Anápolis. No dia 18 daquele mesmo mês, ele foi afastado do cargo, por causa de uma investigação da Polícia Civil, e retornou ao trabalho três meses depois.
"A partir da chegada de Fábio, a corrupção e outros delitos, que já eram praticados por Monteiro, Sóstenes e Antônio, ganharam corpo e se disseminaram, passando a ser aceitos e organizados pela própria cúpula da administração do presídio", afirma o Gaeco goiano.
Em 21 de novembro de 2017, quatro meses depois de Fábio de Oliveira Santos ter enviado a mensagem em que ordena "bater com força" em presos, o MP-GO deflagrou a segunda etapa da Operação Regalia, que resultou na prisão de Monteiro, do ex-diretor e de outros agentes penitenciários acusados de participação no esquema de corrupção.
Monteiro teve a prisão relaxada no mês seguinte e passou a responder à investigação em liberdade. Em 2 de janeiro, quando deixava a floricultura de sua família em Anápolis, ele foi assassinado a tiros dentro de carro por três homens. O agente penitenciário estava indo ao velório do colega de trabalho Eduardo dos Santos, que havia sido morto horas antes de maneira semelhante ao sair de seu plantão no presídio.
A denúncia do MP-GO afirma que Fábio de Oliveira Santos também participava da divisão do montante arrecadado com propinas. Ele promovia "falsas inspeções" para dar satisfação aos superiores na administração penitenciária de Goiás. Uma parte do que era recolhido era devolvida aos chefes das alas: celulares e drogas.
"Até agora, o que se fala sobre a conduta são acusações genéricas, não se aponta um fato específico", afirmou em janeiro ao UOL o advogado Emílio Fernandes de Lima, que defende o ex-diretor. A reportagem telefonou na segunda-feira (12) e na terça-feira (13), por diversas vezes, para o advogado, mas as ligações não foram atendidas. O UOL também ligou, sem sucesso, para os telefones celulares em nome de Antônio Dias Ataídes Neto e Sóstenes R. Brasil Júnior.
Santos, Sóstenes e Ataídes Neto respondem ao processo da Operação Regalia em liberdade.
Os promotores do Gaeco já denunciaram três núcleos de presos e seus comparsas pelos crimes de tráfico de drogas, associação com o tráfico e organização criminosa.
Os chefes de alas foram transferidos para o Núcleo de Custódia do complexo prisional de Goiânia, considerada a melhor unidade penitenciária do estado.
A Polícia Civil goiana, por meio de uma força-tarefa, trabalha no esclarecimento do homicídio de Ednaldo Monteiro da Silva.
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