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"Os livros mudam a gente": morador de rua improvisa sebo na calçada com obras achadas no lixo

Odilon Tavares montou um sebo improvisado na calçada de uma rua em área nobre de Belo Horizonte com livros achados no lixo - Alexandre Rezende/UOL
Odilon Tavares montou um sebo improvisado na calçada de uma rua em área nobre de Belo Horizonte com livros achados no lixo Imagem: Alexandre Rezende/UOL

Carlos Eduardo Cherem

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

17/03/2018 04h00

Odilon Tavares tem 55 anos, uma vida de "bicos" e um belo olhar para as vendas.

Migrou de cidade em cidade, trabalhando de servente de pedreiro ou em algum outro "bico", até os anos 2000, quando resolveu casar. Teve duas filhas, que lhe deram quatro netos. Hoje vivem em outro estado.

Ele acorda todos os dias às 4h e recolhe materiais pelos lixos da zona sul de Belo Horizonte para fazer reciclagem. Encontra principalmente plástico e alumínio, mas tem achado muitos exemplares de livros.

Daí veio a ideia de montar uma espécie de sebo na calçada em uma área considerada nobre na capital mineira.

Depois de vender as garrafas PETs e as latinhas de alumínio coletadas, ele se posiciona na esquina da rua Grão Mogol com avenida do Contorno, na confluência dos bairros Savassi, Carmo e Cruzeiro, e espera o movimento se aproximar.

Odilon em ação - Alexandre Rezende/UOL - Alexandre Rezende/UOL
O espírito de vendedor de Tavares já garante mais um livro com a cliente
Imagem: Alexandre Rezende/UOL

Isso se intensificou há cinco meses, quando largou a mulher e virou morador de rua. 

Trabalha ali de domingo a domingo, do horário do almoço até o anoitecer. Depois da jornada, dá alguns passos e já está "em casa", debaixo da marquise de um comércio de informática e papelaria.

"Eu não sei o valor dos livros, não conheço"

Tavares diz que o comércio vai bem, saindo cerca de uma centena de livros por semana, o que lhe rende algo entre R$ 400 e R$ 500. Alguns sebos têm comprado até 50 livros de uma só vez. Mas ele prefere a venda individual.

Livros de Odilon - Alexandre Rezende/UOL - Alexandre Rezende/UOL
A prateleira é improvisada, mas dá a exposição necessária aos livros
Imagem: Alexandre Rezende/UOL

"Eles [os donos de sebos] pagam muito pouco", conta, citando que vendia cada exemplar, sem se preocupar com o título ou autor, por R$ 1. "Como fiquei na rua, comecei a vender aqui mesmo. Estou ganhando muito mais", diz Tavares.

Agora ele conta que a maioria das obras sai por R$ 5, mas aumenta o valor se descobre que valem a pena.

"Eu não sei o valor dos livros. Não conheço. Mas aqui na rua o pessoal conversa com a gente e conta. Vendi um livro do 'Harry Potter' (série da britânica J.K. Rowling) por R$ 20."

A autora mais procurada em sua banca, relata Tavares, é a norte-americana Nora Roberts, que escreveu mais de 200 best-sellers românticos. O comerciante contava com cinco títulos dela durante a visita da reportagem na última segunda-feira (12).

Seu estoque, com cerca de 800 volumes, também vem da reciclagem. "Não é difícil encontrar livros no lixo. Encontro toda semana. Já peguei 50, cem livros, de uma vez só."

Um livro, um sorriso e muitos cigarros

Marquise - Alexandre Rezende/UOL - Alexandre Rezende/UOL
Debaixo da marquise é a sua casa, à noite
Imagem: Alexandre Rezende/UOL
Odilon Tavares é uma pessoa expansiva. Fuma um cigarro após outro, sempre com um sorriso no rosto.

Parece ter superado a separação, decidida em outubro do ano passado, quando saiu de sua casa, na Vila Cemig, na zona oeste, porque a mulher "estava bebendo muito e fazendo besteira".

Nascido em Carandaí (a 135 de Belo Horizonte), a vida não lhe tem sido fácil. Conseguiu estudar só até a quarta série do ensino fundamental. Mas diz ter se "acostumado" a ler. "Não consigo terminar de ler um livro. Leio pela metade, mas vou lendo. Me acostumei com isso."

Clientes o interrompem diversas vezes durante a entrevista para o UOL. Ou algum conhecido passa para trocar um dedo rápido de prosa. Ele para, conversa. É chamado pelo nome por muita gente ali.

"Os livros mudam a gente. Mudei muito a cabeça. Mudei muito minha maneira de pensar. Gosto mais dos livros de religião, administração e marketing. Ontem mesmo, eu estava lendo 'O Outro Lado da Vida' [da norte-americana Sylvia Browne (1936-2013)], mas uma mulher comprou e levou."

O vendedor continua com faro afiado. Já está de olho em uma portinha acanhada, espremida entre duas lojas, do outro lado da avenida.

"Está fechada. Tinha um cara que vendia água ali, mas saiu. Estou tentando encontrar o dono, para ver se consigo alugar. Falaram que o aluguel é na base de R$ 600. Quero sair daqui. É muito difícil morar na rua", afirma. "Se a fiscalização da prefeitura não mexer comigo, nuns 30, 40 dias, consigo abrir o sebo lá."