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MP de SP vai investigar ameaças de morte ao padre Júlio Lancelotti

O padre Júlio Lancelotti é coordenador da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo - Arquivo pessoal
O padre Júlio Lancelotti é coordenador da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

21/03/2018 21h42Atualizada em 22/03/2018 11h32

O Ministério Público de São Paulo instaurou nesta quarta-feira (21), por meio de seu Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos, investigação para apurar a denúncia de ameaças de morte contra o coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, padre Júlio Lancelotti, 69.

A denúncia, que trata sobre ameaças de morte, de agressão física e de calúnia e difamação contra o sacerdote --há 34 anos titular da Paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca (zona leste de São Paulo) --, foi protocolada nessa terça (20) por advogadas voluntárias, pela ONG Tortura Nunca Mais e pelo arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer.

Na representação, alega-se que Lancelotti passou a ser vítima de ameaças e outros discursos de ódio propagados em páginas e grupos no Facebook, o que ganhou mais ênfase desde o último dia 9. Na ocasião, o coordenador da pastoral usou seus perfis em redes sociais para criticar a postura violenta da GCM (Guarda Civil Metropolitana) ao retirar pessoas em situação de rua do parque da Mooca.

O tom em geral crítico não é novidade por parte de Lancelotti, tanto nas redes sociais como em eventos públicos: além da política de assistência em relação às pessoas em situação de rua, o sacerdote tem se posicionado contrariamente também às constantes ações da GCM na cracolândia, na região central de São Paulo. Em janeiro, por exemplo, usuários foram feridos a balas de borracha e com estilhaços de bombas de efeito moral em uma suposta ação de higienização de rotina no local.

Imagem de ameaças a Júlio Lancelotti foi anexada à representação - Reprodução - Reprodução
Imagem de ameaças a Júlio Lancelotti foi anexada à representação
Imagem: Reprodução

Na representação, as advogadas Juliana Bertin e Valdênia Lanfranchi e as entidades sustentam que, em meio à “crescente demanda não atendida por moradia e por acolhimento de pessoas em situação de rua”, têm sido geradas “tensões crescentes e perturbadoras na cidade de São Paulo”.

“Uma parcela da população da cidade de São Paulo mais insensível ao tema da falta de moradia vem há algum tempo pressionando agentes públicos por providências em relação à crescente presença de pessoas em situação de rua. É o que se denota dos documentos anexos, pelos quais se verificam pessoas pugnando, por exemplo, pela expulsão das pessoas em situação de rua dos bairros, pela submissão de mulheres em situação de rua a procedimentos de laqueadura ou fazendo acusações infundadas de que moradores de rua seriam em sua totalidade ou criminosos ou dependentes químicos sem disposição para o trabalho”, diz trecho do documento.

Entidades ligadas à defesa dos direitos das pessoas em situação de rua --entre as quais, a própria pastoral --estimam que São Paulo tenha atualmente cerca de 30 mil moradores de rua ou pessoas em situação de rua. A administração Doria afirma ter criado 14 mil vagas na rede de assistência. 

Em algumas mensagens postadas em grupos no Facebook, internautas sugerem "morte" e "surra" ao coordenador da Pastoral do Povo de Rua - Reprodução - Reprodução
Em algumas mensagens postadas em grupos no Facebook, internautas sugerem "morte" e "surra" ao coordenador da Pastoral do Povo de Rua
Imagem: Reprodução

A representação citou recentes abaixo-assinados de moradores de São Paulo contrários à instalação de CTAs (Centros Temporários de Acolhimento), voltados a moradores de rua, e destacou, por outro lado, que quem não consegue vagas neles invariavelmente acaba indo para as ruas – um dos pontos combatidos por Lancelotti. E “não porque assim desejam, ou por que o trabalho pastoral do padre Julio Lancelotti fomente, mas porque não há vagas suficientes nos serviços de assistência social, tampouco moradias disponíveis a baixo custo”, afirma o documento.

A representação anexou imagens dessas conversas na rede social com menções diretas a Lancelotti. Em uma delas, um homem prega “morte a esse padreco””. Em outra, Lancelotti é chamado de “filho do diabo” e o usuário sugere que o padre “tem que tomar uma surra”. “Ele deve ter algum ponto fraco”, escreve um quarto usuário.

Ameaças são "muito graves", avalia MP-SP

Em entrevista ao UOL, o subprocurador geral do MP, Mário Sarrubbo, afirmou que as situações relatadas na representação “são muito graves”.

“Abrimos hoje mesmo essa investigação para apurar a autoria dessas ameaças. Isso é muito grave e não pode acontecer, ainda mais com alguém que lida diretamente com o acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade”, destacou.

A estimativa é de que ainda esta semana o caso avance em frentes diferentes de apuração. “Existe toda uma preocupação de que essas ameaças saiam das redes sociais e partam para a prática; o caso Marielle Franco mostrou que isso não é impossível”, declarou a advogada Juliana Bertin, uma das autoras do pedido de investigação. Ela se referiu ao assassinato da vereadora do PSOL do Rio, no último dia 14. Como Lancelotti, a parlamentar também era ativista de direitos humanos.

Lancelotti: "O gatilho que mata alguém como a Marielle tem muitas mãos"

À reportagem, o padre Júlio Lancelotti se disse “cansado e preocupado” com as ameaças a ele, mas também às pessoas em situação de rua.

“Estou cansado e preocupado. A ação da GCM no parque da Mooca expulsou os irmãos de rua de lá com muita truculência, contrariando até mesmo portarias da prefeitura sobre como lidar com as pessoas em situação de rua. Eu dei publicidade a essa ação, pois sempre me coloquei contrário à violência. Acredito que haja uma ação articulada no sentido de desmobilizar esse tipo de comportamento da minha parte – articulada ao ponto de haver gente dos conselhos de segurança dentro desses grupos, inclusive”, afirmou Lancelotti.

Lancelotti diz também que ameaças não são novidade. "O que eu vejo agora é uma espécie de maldade refinada, buscando ‘pontos fracos’ meus e incentivando o esculacho de quem já está na rua em situação de humilhação. Não tenho medo por mim, minha angústia é por eles, da rua”, disse o padre. “O gatilho que mata alguém como a Marielle tem muitas mãos. Essas ameaças têm muitas vozes, elas geram um caldo de ódio que desemboca nos moradores de rua. Isso é sério e precisa ser investigado.”

Outro lado

A Prefeitura afirmou em nota que a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social intensificou ações no Parque da Mooca a partir do dia 1° deste mês para fornecer informações sobre a rede de assistência oferecida pela pasta. A administração informou ainda que mantém o monitoramento social no parque e entorno, visando à construção e fortalecimento de vínculos, e alega ter criado cerca de 4 mil vagas em CTAs desde o ano passado.

Sobre a ação da GCM, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana de São Paulo afirmou, também na nota, que o trabalho da corporação é "pautado na preservação dos direitos e bens de todas as pessoas, seguindo todas as medidas legais necessárias".