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Garrafadas, facões, tiro: 2019 já registra ao menos 12 casos de feminicídio

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

08/01/2019 04h01

Ao menos 12 feminicídios foram registrados na primeira semana de 2019 no país, a maioria, na região Sudeste, nos estados de São Paulo (cinco) e Rio de Janeiro (quatro). O levantamento feito pelo UOL considera casos reportados pela imprensa, que ganharam destaque pelo excesso de violência empregado pelos agressores suspeitos —em geral, companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

Um dos casos que mais repercutiram foi o de Tamires Blanco, 30, encontrada morta na casa onde morava, em Piedade, zona norte do Rio, no último sábado (5). De acordo com a Polícia e com familiares da vítima, ela teria sido morta a garrafadas na cabeça desferidas por seu ex-companheiro, Dilson Araujo, com quem estava havia dois anos. A bebê de 11 meses do casal foi encontrada sobre o corpo da mãe. Além da bebê, Tamires deixou órfão outro filho pequeno.

Ainda no estado do Rio, em Itaguaí (Baixada Fluminense), a polícia registrou na última sexta-feira (4) o assassinato de Simone Oliveira de Assis, 40, a marretadas que teriam sido dadas pelo marido, José Carlos da Silva Carvalho, 60. Ele se entregou e confessou tê-la matado por ciúmes.

Também no dia 4, na zona norte da capital fluminense, foi morta a facadas Marcelle Rodrigues da Silva, 27, na frente do filho de sete anos. As investigações apontam o companheiro dela, Marcio Lima Corrêa, que chegou a fugir, mas foi capturado, como autor do crime. No dia 1º, na zona oeste da cidade, a vítima foi a manicure Iolanda Crisóstomo da Conceição de Souza, 42, também por esfaqueamento. O ex-marido, Rodrigo de Souza, confessou o crime e foi preso.

Cinco casos no interior de São Paulo

No estado de São Paulo, os cinco casos foram registrados no interior até o último domingo (6). Um deles é o da adolescente Natasha Rodrigues, 14, morta no dia 3 depois de ter se recusado a namoraro principal suspeito do crime, Deybson dos Santos, 20. De acordo com as investigações, ele deu dois tiros na garota.

No mesmo dia, Queli Aparecida Simon, 39, foi raptada, levada a um motel de Jaguariúna e assassinada. O suspeito, Edmilson Manoel Jardim, 43, confessou o crime e está na prisão. No sábado, a dona de casa Elizangela Pereira de Almeida, 34, foi morta com 23 facadas em Itupeva. O principal suspeito é o ex-companheiro da vítima.

No mesmo dia, Maria Dalvina Dantas, 39, foi morta com um tiro no abdome pelo marido, o marceneiro José Dantas da Silva, 44, em Praia Grande (Baixada Santista). Na sexta (4), a adolescente Milena Optimara Soares Cardenas, 13, foi morta com um tiro na coxa pelo namorado, de 17 anos, em Campinas.

Mulher é morta com socos e garrafadas no Rio de Janeiro

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Agreste de Pernambuco e litoral do Paraná

Os primeiros dias de 2019 também foram violentos para mulheres no Paranáe em Pernambuco.

No dia 1º, em Bezerros, no Agreste pernambucano, a Polícia Civil registrou o feminicídio de Maria Rosa dos Santos, 51, a golpes de facão desferidos pelo companheiro. No mesmo dia, também no Agreste, de acordo com a Polícia Militar, Rejane de Oliveira Silva, 24, foi assassinada a facadas na zona rural de Casinhas porque não quis se relacionar com o suspeito do crime, o cobrador Joseildo da Silva Oliveira, 42.

No Paraná, também no primeiro dia do ano, uma mulher de 25 anos, segundo a polícia, foi espancada e morta pelo marido no Balneário Inajá, em Matinhos, litoral do estado.

O período ainda registrou casos graves de violência contra a mulher: na noite de Réveillon, Fabio Tuffy Felippe, filho do presidente da Câmara dos Vereadores do Rio, Jorge Felipe (MDB), foi preso sob a suspeita de espancar por três horas a mulher, Christini, que teve o rosto desfigurado. Ele nega a agressão, que teria sido cometida, segundo parentes da vítima, no fim de dezembro.

Em São Paulo, na madrugada de sábado, o autônomo José Marcondes Alves de Oliveira, 53, agrediu a mulher e tentou atropelá-la, mas obteve liberdade provisória após audiência de custódia no mesmo dia.

A advogada ativista Fabiana Otero Marques, 43, do Rio - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A advogada ativista Fabiana Otero Marques, 43, do Rio
Imagem: Arquivo pessoal

"Começamos a tirar casos da invisibilidade", avalia advogada ativista

Para especialistas em violência contra a mulher, a tendência é que mais casos de feminicídio sejam notificados, registrados pelas autoridades policiais e assim classificados pelo Judiciário, à medida que a lei que torna agravante esse tipo de assassinato, de março de 2015, seja mais conhecida.

"O assassinato de mulheres existe desde que o mundo é mundo e em uma sociedade que sempre foi patriarcal. Agora, com a lei que tipifica o crime de feminicídio e que recrudesce as penas, começamos a tirar esses casos da invisibilidade e conseguimos mapear e catalogar melhor como ocorrem, já que antes, como homicídio, simplesmente, iam todos para uma vala comum de investigação", afirmou a advogada Fabiana Otero, ativista do Movimento de Mulheres Advogadas, do Rio.

Para a advogada, a maior visibilidade dada ao feminicídio também pode encorajar outras vítimas de violência doméstica —âmbito em que ocorrem, destacou, quase 90% dos feminicídios no país —denunciem seus agressores.

"A mulher se sente mais encorajada a denunciar se vê que há uma pena maior. Mas precisamos de mais delegacias especializadas —as quais temos em apenas 11 estados hoje —e de mais varas especializadas, porque é preciso atuar na prevenção desses casos. Precisamos também de a sociedade mobilizada para denunciá-los: seja pelo 180 ou por onde for, é importante que não se silencie", defendeu.

A coordenadora do Núcleo de Gênero do MP-SP, Valéria Scarance - Arquivo pessoal/Divulgação - Arquivo pessoal/Divulgação
A coordenadora do Núcleo de Gênero do MP-SP, Valéria Scarance
Imagem: Arquivo pessoal/Divulgação

"O homem não se tornou mais violento porque há essas leis", diz promotora

Coordenadora do Núcleo de Gênero no Ministério Público de São Paulo, a promotora Valéria Scarance reforça: a maior repercussão dada à lei também faz aumentar o número de casos registrados.

"Houve uma evolução de 15,4% no número de assassinatos de mulheres pelo país, de 2006 a 2016, anterior à lei, segundo o Atlas da Violência. Com a lei, os ataques às mulheres e as mortes deles decorrentes ganharam mais visibilidade, o que demonstra que ela está sendo aplicada", avalia.

A promotora destacou que "houve uma evolução no reconhecimento de casos de feminicídio" tanto por autoridades do processo judicial quanto pelas de investigação.

"O homem não se tornou mais violento porque há essas leis, mas hoje se reconhece quem é esse agressor e suas motivações graças a dispositivos como a lei do feminicídio. O caminho só se encerra, contudo, quando os índices de violência diminuírem —ainda estamos caminhando para a prevenção, e um dos graves entraves ainda é o cultural, sobre a necessidade de se denunciar", completou a promotora.