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Especialistas criticam atitude de segurança que deu "gravata" em jovem

Olga Bagatini

Colaboração para o UOL, em São Paulo

17/02/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Pedro Gonzaga morreu após levar uma "gravata" de segurança
  • Segurança diz que agiu em legítima defesa; família nega versão
  • Consultores de segurança criticam a atitude do autor da "gravata"
  • Professora de direito penal contesta tese de legítima defesa de segurança
  • Jovem deixa filho de seis meses

Pedro Henrique de Oliveira Gonzaga, de 19 anos, morreu na última quinta-feira (14) em decorrência de uma "gravata" (ou mata-leão, como é chamado o golpe nas artes marciais) aplicada pelo segurança Davi Ricardo Moreira em uma loja da rede de supermercados Extra, no Rio de Janeiro. Em vídeos divulgados nas redes sociais, clientes criticam a atitude do segurança e o questionaram, pois a vítima estava com a mão roxa e parecia estar desacordado.

Para saber se a atitude de Moreira atendeu às recomendações dadas a seguranças neste tipo de situação, o UOL consultou especialistas em segurança que viram as imagens. Após a imobilização, Gonzaga foi encaminhado a um hospital na Barra, mas sofreu três paradas cardiorrespiratórias e não resistiu. Moreira alegou legítima defesa, acusou o jovem de ter tentado furtar sua arma e foi solto após pagar fiança de R$ 10 mil. Já a mãe da vítima relatou a testemunhas que o jovem sofreu um surto e que a arma caiu sozinha.

Ex-integrante das Forças Armadas, o consultor de segurança Ricardo Chilelli explica que, em caso de furto, o procedimento padrão para seguranças e vigilantes - que não têm poder de polícia - é abordar a pessoa, levá-la para um lugar reservado e acionar a PM. É papel dos agentes de polícia ouvir testemunhas, recolher os objetos furtados e levar o suspeito à delegacia para registrar a ocorrência.

Pedro era vaidoso, sempre com colares e orgulhoso de suas tatuagens - Arquivo pessoal/Reprodução internet - Arquivo pessoal/Reprodução internet
Pedro era vaidoso, sempre com colares e orgulhoso de suas tatuagens
Imagem: Arquivo pessoal/Reprodução internet
"É o que ocorre normalmente. Se a pessoa reagir e tentar fugir ou agredir o segurança, deve ser imobilizada, única e exclusivamente isso", afirma Chilelli. "Poderíamos tolerar o excesso no que a gente chama de mata-leão se o rapaz ainda apresentasse algum risco ao segurança e aos clientes, mas, vendo os vídeos, não parece ter sido o caso", avalia.

O consultor de segurança empresarial Marcy Campos Verde também acredita que houve excesso por parte do segurança. "O objetivo da arte marcial é conter o ataque. Por exemplo, no uso da arma de choque, o taser, faz parte do treinamento saber segurar a pessoa após o golpe para que ele não caia com a cabeça no chão e se machuque, porque o objetivo principal é a imobilização. Se o rapaz estava inconsciente, o segurança poderia ter parado o golpe e chamado a polícia", opina.

Versões diferentes para o ato

Imagens obtidas pela TV Globo mostram que o jovem se aproxima dos seguranças e chega a cair no chão por duas vezes, antes de ser imobilizado. O advogado de Moreira, André França Barreto, alega que o segurança agiu em legítima defesa. "Ele chegou a apontar a arma para os presentes no mercado e um segundo segurança conseguiu intervir. Neste momento, o Davi e o jovem entraram em luta corporal e o segurança cai por cima dele, o deixando imobilizado até a chegada de reforços", disse.

A família de Gonzaga nega. Segundo a Polícia Civil, a mãe da vítima, que estava com ele no mercado, disse a testemunhas que o filho teve um surto psicológico e correu na direção de Moreira. Ela relatou uma luta corporal entre os dois que fez a arma se soltar do coldre, e afirma ter chamado outros vigilantes para impedir que o filho pegasse o revólver, mas, neste momento, o segurança aplicou a "gravata".

Até agora, as imagens divulgadas sobre o caso não mostram o jovem tentando tomar a arma do segurança ou ameaçando clientes, como alegado por Moreira. Segundo o delegado Cassio Comte, o segurança vai responder por homicídio culposo (sem intenção de matar) com agravante de um terço da pena devido a "inobservância de regras da profissão". Segundo ele, o ato foi imprudente e o vigilante deveria saber lidar melhor com a situação.

O Ministério Público deve entrar com uma ação criminal nos próximos dias e, caso seja avaliado que houve a intenção de matar, o segurança poderá ir a júri popular. 

Legítima defesa?

Na avaliação de Maíra Zapater, doutora em Direitos Humanos e professora de Direito Penal, dificilmente a Justiça aceitará a versão do segurança, pois legítima defesa "sempre envolve a ideia de defender a integridade física sua ou de terceiro", e não de patrimônio. "Pela descrição do caso, é provável que a discussão seja se ele teve a intenção de matar ou se foi descuidado e imprudente ao fazer uma imobilização mal feita. Não dá para atribuir conduta menos grave do que essa." 

Mesmo se for comprovado que o rapaz pegou a arma e apresentava risco real ao segurança e aos clientes, especialistas afirmam que o assassinato poderia ter sido evitado. Segundo Chilelli, que também é dono de uma empresa que treina agentes de segurança, técnicas de defesa pessoal e de artes marciais levam em conta a análise das circunstâncias e a dosagem da força  - mesmo no caso do mata-leão.

No treinamento de artes marciais você aprende que a pessoa, quando 'apaga', solta a musculatura. Ela relaxa totalmente o corpo e há ausência de respiração. É fácil de perceber porque a pessoa rendida está sempre necessariamente ofegante

Ricardo Chilelli, consultor de segurança

"No MMA, por exemplo, a pessoa sinaliza que não está respirando e você afrouxa o golpe, você para imediatamente. E você vê no vídeo que ele foi avisado que o rapaz estava desacordado, sem respirar e com as mãos roxas. Neste caso, ele assumiu o dolo de matar, assumiu o dolo do que estava fazendo", afirmou Chilelli.

Gonzaga foi enterrado na manhã de ontem no cemitério Jardim da Saudade, em Paciência, na zona oeste do Rio de Janeiro. O jovem deixa um filho de seis meses e sonhava em ser DJ ou cantor de rap ou funk.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informou a matéria, Pedro Henrique de Oliveira Gonzaga tinha 19 anos. A informação foi corrigida.