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"Exército matou meu filho", diz mãe de catador fuzilado por militares no RJ

Catador fuzilado em ação do Exército no Rio é enterrado - Marina Lang/UOL
Catador fuzilado em ação do Exército no Rio é enterrado Imagem: Marina Lang/UOL

Marina Lang*

Colaboração para o UOL, no Rio

19/04/2019 14h26Atualizada em 19/04/2019 17h27

Sob protesto silencioso e dor dos parentes e amigos, o catador Luciano Macedo, 27, foi sepultado no começo da tarde de hoje. Ele foi baleado no último dia 7 após o Exército disparar 82 tiros contra um carro em Guadalupe, zona norte do Rio. Ele morreu na madrugada da última quinta.

Chorando bastante pela perda do filho, a mãe do catador, Aparecida Macedo, se disse revoltada. A jornalistas, ela contou que seu filho queria construir uma casa na região em que foi morto por se sentir seguro ali --a região em que Macedo foi baleado faz parte do perímetro da Vila Militar.

É uma covardia o que fizeram com o meu filho. Eles não chegaram em nenhum momento. O único apoio que eu tive foi da [ONG] Rio da Paz, que esteve comigo desde o começo. Se não fossem eles eu estava perdida. Eles botaram assassinos para assassinar meu filho. Eles [o Exército] não foram me perguntar se eu queria alguma ajuda, se precisava de um copo d'água.
Aparecida Macedo, mãe do catador Luciano Macedo

Bastante emocionada, ela se afastou do local do túmulo no momento em que Luciano foi enterrado, em uma cerimônia simples acompanhada por cerca de 30 pessoas.

"Ele queria ter a casinha para ele e para a mulher dele. Eu ainda falei para ele: 'vai fazer barraco aí?'. Ele me disse: 'fica calma, coroa, o Exército tá ali, a gente está seguro. O Exército matou meu filho. O Exército matou meu filho", repetiu.

O Comando Militar do Leste afirmou que "lamenta a morte do sr. Luciano e solidariza-se com a família e amigos". Em nota enviada ao UOL, o destacamento afirma ainda que o advogado da família foi contatado por autoridade militar para "tratativas iniciais".

O enterro foi pago com uma vaquinha virtual, que arrecadou R$ 13 mil até a noite de ontem para arcar com os custos e com donativos para a família.

Catador fuzilado em ação do Exército no Rio é enterrado  - Marina Lang/UOL - Marina Lang/UOL
Bandeira do Brasil com buraco e mancha de sangue foi exibida durante o enterro do catador
Imagem: Marina Lang/UOL

Macedo foi atingido por três tiros nas costas, na mesma ação em que também foi morto o músico Evaldo Rosa do Santos, 46, que levava a família para um chá de bebê. Nove dos dez militares envolvidos na ação estão presos. Familiares do músico prestaram depoimento esta semana.

O catador chegou a tirar o filho de Evaldo de dentro do carro antes de ser baleado. A mulher de Macedo, Daiana Horrara, 27, foi testemunha de toda a ação. Grávida de 5 meses, ela não participou do enterro.

"Quando ele viu a mulher correndo e a criança no banco de trás do carro, ele saiu correndo e tirou a criança lá de dentro", disse Antonio Carlos Costa, da ONG Rio da Paz, que está dando apoio à família do catador e conversou com Daiana. "Ela me contou que ele era muito ligado em criança, por isso correu."

Ainda segundo o relato de Daiana, depois de deixar a criança a salvo, Luciano voltou ao carro para tentar socorrer Evaldo. Foi então atingido pelas costas com três tiros.

Macedo chegou a ser submetido a uma cirurgia que, segundo o advogado João Tancredo, que está atendendo à família, não teria sido autorizada pelos familiares. Havia ainda uma determinação judicial para transferir Macedo a um hospital com maiores condições de atendimento, que não foi cumprida. O advogado afirmou que pretende entrar na Justiça pedindo a execução imediata das multas fixadas pelo não cumprimento da determinação judicial.

"O comportamento do Exército e do Governo Federal neste caso foi absolutamente trágico. Foi um atentado contra a sua própria credibilidade. Isso por errar três vezes: ao atirar em dois inocentes, um músico e um catador de latas; ao não prestar ajuda e socorro imediato ao Luciano enquanto ele agonizava no chão após ser atingido três vezes nas costas por tiros desferidos por soldados do Exército. E, por fim, pela família ter sido abandonada pelas Forças Armadas e pelo governo federal. Os entes federativos cometeram um crime ao ignorar o sofrimento dessa família", criticou Antônio Carlos Costa, diretor da ONG Rio de Paz.

Procurada pela reportagem, a assessoria da Presidência ainda não se manifestou sobre o assunto.

(Com Agência Estado)

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