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Maceió sofre com rachaduras após mineração: "Sair do bairro é uma facada"

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

13/07/2019 04h00

Maceió tem hoje uma área de exclusão. Com 10.500 imóveis, a área de risco envolve quatro bairros que começaram a afundar e registraram centenas de rachaduras.

Segundo estudo do Serviço Geológico Brasileiro, o problema foi causado pela mineração: há quatro décadas, 35 poços retiram o sal-gema do subsolo dessa região na capital alagoana.

A questão começou a receber atenção das autoridades após um tremor de 2,8 de magnitude, em março de 2018, no bairro do Pinheiro, que afetou prédios e ruas. Uma série de estudos foram feitos até maio deste ano, quando as autoridades chegaram à conclusão sobre a origem do problema.

Viviam na área afetada uma população de 40 mil pessoas. Dessas, 1.986 famílias (ou cerca de 8.000 pessoas) deixaram o local e recebem aluguel social. Outras centenas de pessoas abandonaram essas áreas sem receber nenhum ressarcimento e bancam seus próprios aluguéis. A prefeitura não tem dados precisos.

Como ainda há levantamentos em análise, outros milhares de pessoas serão retirados dos bairros do Mutange e Bebedouro --que em junho foram incluídos em um novo mapa de risco.

Uma intensa migração começou a acontecer para bairros vizinhos. O preço do aluguel disparou naquelas redondezas. As casas vazias se tornaram focos do mosquito Aedes aegypti, que transmite, entre outras doenças, dengue e chikungunya.

Rachadura em muro de casa no bairro do Pinheiro, em Maceió - Samuel Limeira/UOL - Samuel Limeira/UOL
Rachadura em muro de casa no bairro do Pinheiro, em Maceió
Imagem: Samuel Limeira/UOL

O comércio local também sofreu um baque. Pesquisa do Instituto Fecomércio apontou que 95% dos negociantes da região tiveram prejuízos. As vendas, dizem os empresários, caíram pela metade, o que fez muitos empreendimentos fecharem as portas ou migrarem para outras localidades.

A prefeitura decretou calamidade pública em 26 de março. Em junho, o presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tutmés Airan, determinou o bloqueio de R$ 3,6 bilhões das contas da Braskem para assegurar a reparação dos danos às famílias. Uma empresa também foi nomeada para avaliar o preço dos imóveis da região e sua desvalorização para calcular o ressarcimento de danos aos proprietários.

A descoberta

No dia 21 de maio, o Serviço Geológico Brasileiro apresentou um relatório, após mais de um ano de estudos, apontando como causa das rachaduras a extração do sal-gema (misto de cloreto de sódio, potássio e magnésio). O estudo mostrou que, em menos de dois anos, houve rebaixamentos superiores a 40 centímetros do solo, o que fez com que casas e ruas "quebrassem".

Mapa - Serviço Geológico do Brasil - Serviço Geológico do Brasil
Área em azul, além de riscos pelo solo, têm chance de sofrer alagamentos
Imagem: Serviço Geológico do Brasil

Segundo Thales Queiroz Sampaio, assessor do Serviço Geológico, existia um conjunto de falhas no terreno na região que foi reativado pela mineração e fez movimentar o solo. "Alguns poços de sal interceptam a zona de falha, indicando que as deformações estão relacionadas com a retomada das atividades", diz.

O engenheiro Abel Galindo estuda os problemas no solo no bairro do Pinheiro desde 2017. Ele afirma que os afundamentos ocorrem há quase uma década. Mesmo atuando em casas e fazendo reforço em fundações, elas voltavam a rachar. "Em 2010 já havia rachaduras, mas não se sabia nem se imaginava que era algo tão sério."Para ele, existe solução. "Ali vai recuperar. A ideia é simples: preencher todas as minas com pedregulho misturado com cimento. A Petrobras tem tecnologia para isso, é algo a entre 1.000 e 1.200 metros de profundidade."

Rua esburacada por afundamento de bairro do Pinheiro, em Maceió - Samuel Limeira/UOL - Samuel Limeira/UOL
Rua esburacada por afundamento de bairro do Pinheiro, em Maceió
Imagem: Samuel Limeira/UOL

Logo após o tremor e surgimento das rachaduras, os moradores formaram uma associação para os representar, denominada SOS Pinheiro. "A ideia do nosso grupo é cobrar as responsabilidades e ações para minimizar os impactos dos moradores do bairro, que tiveram um impacto psicológico terrível", diz Geraldo Castro, líder da associação.

Uma previsão ocorrida há 40 anos

Houve um alerta sobre o problema causado pela extração do sal-gema, com o possível risco de afundamentos do solo, antes mesmo do início das operações. Ele foi feito pelo então responsável pela área de meio ambiente do estado, José Geraldo Marques, há mais de 40 anos.

A indústria extrativista, que se chamava Salgema à época, começou suas operações em Alagoas em 1975. Três anos depois, começou a retirada do sal-gema em uma área urbana de 1.897 hectares, ocupada por quatro bairros.

A Salgema teve parte adquirida pelo Grupo Odebrecht em 1981. Naquela década, a empresa foi ampliando sua participação até virar proprietária da empresa e mudá-la de nome.

"Eu fiz relatórios, confidenciais à época, e dei uma entrevista que foi capa de jornal aqui em Alagoas, dizendo que, se a Salgema continuasse a extração do modo que tinha iniciado, dentro de alguns anos poderíamos ter subsidências [afundamentos] em Maceió", diz o especialista.

Foto - Samuel Limeira/UOL - Samuel Limeira/UOL
Morador do bairro do Pinheiro, em Maceió, segura foto em que mostra a profundidade de fenda gerada por afundamento
Imagem: Samuel Limeira/UOL

"A gente não sabia da falha geológica, mas ela não causa nada. Essas falhas só 'despertam' se forem perturbadas e o que houve é o que está demonstrado: a Salgema/Braskem cavou", afirma o professor aposentado da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Por conta de sua insistência em não autorizar o início das atividades, Marques diz que foi perseguido e, após uma reunião da cúpula do governo, ameaçado caso não saísse do cargo. "Algumas pessoas diziam que eu era doido, outras que eu era religioso e tinha realizado uma premonição", relata.

Ao ler o relatório do Serviço Geológico, Marques diz ter sentido alívio por estar certo. "A falha não foi o problema. Mas, como cavaram em cima dela, foi despertada. Com isso, abriram-se dois vazios nas cavernas. Foram os poços que foram cavados em cima. Aí há uma tendência de desabamento [das cavernas], que se reflete nas camadas superiores", conta.

Ele ainda faz um alerta. "O que pode ocorrer neste ano é as chuvas intensas do inverno funcionarem como lubrificante, com aceleração da subsidência. As estimativas mais rigorosas chegam a afirmar que a subsidência pode ser acelerada em 19 vezes. Isso pode acontecer numa situação de evento extremo. Se acelerar 19 vezes, a área afundaria e os prédios cairiam dentro do buraco", afirma.

Braskem questiona estudo

Em nota, a Braskem informou que a empresa vem implementando ações mitigadoras no bairro, mas continua elaborando estudos técnicos "para entender o que vem acontecendo no bairro do Pinheiro e região".

"É imprescindível ter um relatório preciso e consistente sobre as causas dos problemas, porque só isto garantirá uma solução segura e definitiva para os moradores", afirma.

Para a empresa, especialistas independentes contratados pela Braskem contestaram o relatório apresentado pelo Serviço Geológico do Brasil e "encontraram diversas inconsistências que precisam ser esclarecidas". "Ainda não há informações técnicas suficientes para chegar a uma conclusão, faltando inclusive finalizar os sonares do conjunto de 35 poços de extração de sal-gema."

Braskem - Samuel Limeira/UOL - Samuel Limeira/UOL
Placa que anuncia paralisação de atividades de mineração da Braskem em Maceió
Imagem: Samuel Limeira/UOL

A Braskem afirma ainda que o Serviço Geológico concluiu os estudos somente levando em conta dados de oito sonares.

"Não é possível afirmar que a causa dos eventos sejam os poços de extração de sal, sem concluir todos os sonares. A Braskem, de forma voluntária e em parceria com as autoridades governamentais, assinou um termo de cooperação técnica para a execução de uma série de medidas emergenciais no bairro do Pinheiro a fim de evitar o agravamento da situação frente ao ciclo chuvoso e com vistas a proteger a segurança das pessoas."

A empresa ainda aponta que as iniciativas estão sendo implementadas desde abril e incluem a inspeção e reparos dos sistemas subterrâneos de drenagem de água pluvial, a instalação de estação meteorológica, a colocação de equipamentos de GPS de alta precisão para detecção da movimentação do solo, a recuperação da pavimentação de vias e as inspeções de engenharia de edificações críticas, entre outras medidas.

"Outras ações emergenciais voluntárias estão sendo avaliadas em um segundo termo de cooperação em conjunto com as autoridades locais no sentido de preservar a segurança das pessoas do bairro", finaliza o comunicado.

O que a prefeitura fez

Já a Prefeitura de Maceió informou, em nota, que está atuando "em várias frentes e de forma integrada para amenizar os problemas".

Cita que ampliou o monitoramento da área afetada, fez a transferência da sede da Defesa Civil para o bairro do Pinheiro, com uma equipe ampliada, criou um comitê de gestão de crise e elaborou o Plano de Contingência para atender a área afetada. Também sancionou lei que garante a isenção de tributos para moradores e comerciantes dos bairros pelos próximos cinco anos.

Diz que solicitou ao governo federal a renovação da ajuda humanitária para os moradores que precisaram deixar os imóveis e a ampliação do benefício para os demais moradores com recomendação de realocação.

O Poder Executivo municipal ainda pediu prioridade para os moradores das encostas do bairro do Mutange e do Jardim Alagoas no recebimento de unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida. Atualmente, a prefeitura realiza o cadastro de quem vive nessas encostas.