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O que muda com lei que amplia posse de arma em propriedades rurais

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

18/09/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Bolsonaro assinou lei que amplia autorização de armas em área rural
  • Lei havia sido aprovada na Câmara em 21 de agosto
  • Especialistas alertam que lei não autoriza uso de arma contra invasor de terra

Em mais um ato para ampliar a autorização para o uso de armas de fogo no país, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionou ontem uma lei que considera residência, para fins de posse de arma, toda a extensão do imóvel rural -- e não mais apenas a sede da fazenda.

Aprovada pelo Congresso no fim de agosto, a medida, na prática, permitirá que proprietários de áreas rurais carreguem armas de fogo em toda a propriedade.

Entenda as mudanças:

O que dizia a lei antes?

A posse de arma de fogo era permitida apenas na "sede" da propriedade rural — ou seja, na casa ou no comércio registrado nesses termos.

Lei autoriza porte ou posse? E qual a diferença?

Legalmente, o porte é o direito de andar armado, e a posse é o direito de ter uma arma em casa — e é sobre esse aspecto que trata a lei assinada ontem.

Mas, em propriedades rurais, essa diferença será, na prática, extinta, diz o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.

"Temos no país fazendas de dezenas de quilômetros quadrados", argumenta.

Ele afirma que, na prática, a lei autoriza proprietários de fazendas percorrer, armados, áreas extensas, mesmo que tenham apenas posse de arma.

Além disso, afirma Langeani, algumas propriedades têm demarcações pouco claras, o que pode dificultar a fiscalização e o porte de armas, indevidamente, fora do limite das fazendas.

Por que a lei foi assinada?

Permitir a posse de arma além da sede do domicílio rural é um pleito antigo da bancada ruralista que enxerga na medida mais maneiras de se defender da violência no campo, como o roubo de rebanhos, ou das invasões.

A lei autoriza atirar contra invasor de propriedade?

Não. E Langeani, do Sou da Paz, teme que a assinatura cause um "erro de entendimento legal, comumente defendido inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro, de que a arma pode ser usada livremente contra pessoas em caso de invasão de propriedade".

"O que pode ser feito é menção do uso para afastar ou dar tiros de alerta para reprimir essa invasão. Mas para disparar contra uma pessoa é preciso que se configure uma ameaça de fato, não é só estar na propriedade", diz.

O pós-doutor em direito criminal pela Universidade de Paiva (na Itália), Welton Roberto, concorda.

"Claro que você não pode sair atirando em ninguém porque invadiu a propriedade sem ameaça a nada", diz.

Ele também ressalta que há outras legislações que restringem o registro e uso da arma.

"A arma só pode ser usada em casos extremos. Essa mudança não autoriza, por exemplo, a vigilância armada, mas somente a posse", diz Roberto.

Quais as consequências da expansão da autorização das armas no campo?

Para Langeani, a lei e as declarações de Bolsonaro podem aumentar a violência rural e a dificuldade da ação de equipes de fiscalização ambiental.

"Já vimos casos de equipes de Ibama, Polícia Federal recebidas a bala em operações, e isso facilita ainda mais essa reação. É muito negativo abrir essa janela sem avaliação de caso a caso, o que pode criar milícias rurais", afirma.

Langreani também afirma que a lei pode dificultar a fiscalização da posse ilegal de armas. Mas Roberto discorda.

"Até porque só se pode entrar em uma propriedade em situação de flagrante ou com mandado. Por isso, normalmente se aprende arma apenas em operações com mandado de busca e apreensão para investigar outras questões", diz.