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Sobrevivente de chacina na Bahia conta que falou com Deus antes de fugir

Quatro motoristas são mortos na periferia de Salvador - Reprodução/TV Globo
Quatro motoristas são mortos na periferia de Salvador Imagem: Reprodução/TV Globo

Do UOL, em São Paulo

16/12/2019 11h59

O único sobrevivente da chacina que deixou quatro motoristas de aplicativo mortos em Salvador contou que implorou para não ser morto e, antes de conseguir fugir, pediu aos criminosos para falar com Deus. O crime ocorreu na última sexta-feira (13).

Em entrevista à TV Bahia, a vítima - que não se identificou - contou que um dos criminosos teria dito que a ordem para matar os motoristas vinha de uma "coroa". "Eu falei 'irmão, pelo amor de Deus, sou pai de família, vocês não têm necessidade de matar'. Aí, ele falou: 'Se dependesse de mim, não morria ninguém, mas quem manda é o coroa'. Ele disse que era para matar todo mundo'".

A vítima então pediu para conversar com Deus. Enquanto rezava, o motorista Genivaldo da Silva Félix, 48, reagiu e a vítima aproveitou o momento para fugir.

"Aí quando eles [suspeitos] começaram a enrolar, aí perguntei 'eu posso falar com Deus?'. Ele falou 'pode', aí foi o momento que eu falei, 'o senhor é o Deus das causas impossíveis, eu estou no laço do passarinheiro, me tira do laço do passarinheiro, eleva meus olhos para os montes de um onde vem meu socorro, vem do senhor que veio do céu e da terra e quando chegou no final da oração do salmo 121', o rapaz [suspeito] colocou a pistola em cima da geladeira para pegar o morto [uma das vítimas]".

"Quando [o suspeito] foi pegar o morto, esse senhor de 48 anos levantou correndo e pegou a pistola, quando ele pegou a pistola eles [os suspeitos] empurraram os paletes, que a cerca era palete, e tentaram pegaram a pistola [da mão do motorista], foi o momento que eu saí das amarrações, puxei a do pé e saí só com o da boca", contou o motorista.

Ele disse que pulou de um barranco e caiu em um poço de lama que o engoliu até o peito. Foi preciso segurar em árvores para conseguir caminhar no lamaçal. "Eu não conseguia sair andando, porque a lama estava até o peito. Então, eu segurava na árvore e rastejava, só que quando eu segurava, a árvore balançava e então eles atiravam na direção da árvore que estava balançando".

O motorista conseguiu chamar a polícia ao chegar em uma área do presídio de Salvador. "Quando eu cheguei no final [do barranco], eu vi os cachorros latindo e Deus falando, 'os cachorros vão ser sua salvação, porque com certeza o segurança vai ouvir os cachorros latindo'. Quando eu cheguei próximo aos cachorros latindo já era a parte de cima em plano e não aguentava andar e Deus falava 'levante que você vai voltar para casa, use toda a força que você tem'".

"Eu levantei [da lama] e levantei o braço. Como é um local que acho que era do presídio, se eu não me engano, eu levantei a mão e o segurança já veio com a arma em punho, só que ele viu que eu estava todo sujo de lama, eu caí e não tinha mais força, caí e pedi socorro", disse.

Ele então pôde contar aos policiais que havia sido sequestrado e que os criminosos tinham atirado nos demais motoristas. "Foi o momento que primeiro eu ouvi os gritos, quando estava subindo e depois eu ouvi os tiros. Eu falei, eles estão matando os meus amigos. Eles me sequestraram, aí foi que o segurança me levou para a portaria, chamou apoio, aí a polícia chegou, foi o momento que eu dobrei o meu joelho e agradeci a Deus, que só Deus das causas impossíveis pode me salvar ", disse o sobrevivente.

O crime

Os motoristas receberam chamados para corridas, acionados via aplicativos por duas travestis. Ao chegarem ao local da suposta corrida, as vítimas foram rendidas por três homens. A polícia disse que eles foram torturados, antes de serem assassinados a golpes de facão, dentro de um barraco localizado na rua do Nepal, na comunidade Paz e Vida. Os corpos foram arrastados até um terreno na área de mata da comunidade, a cerca de 10 metros do barraco.

Os homens assassinados foram identificados como Alisson Silva Damascena dos Santos, 27, Daniel Santos da Silva, 30, Genivaldo da Silva Félix, 48, e Sávio da Silva Dias, 23. Segundo a polícia, eles são motoristas dos aplicativos Uber e 99.

A chacina foi descoberta após o quinto motorista conseguir fugir pela mata e pedir ajuda à polícia. Quatro carros dos motoristas foram localizados na própria comunidade. O quinto veículo foi encontrado abandonado em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. O caso está sendo investigado pelo DHPP da Polícia Civil.

Em nota, a Polícia Civil da Bahia informou que "as investigações estão em curso, sem detalhes a serem divulgados, no momento, para não interferir na apuração do caso."