Idoso deixa o trabalho para viver com amigo com câncer terminal em albergue
Resumo da notícia
- Severino Francisco dos Santos deixou o emprego para acompanhar o amigo Hipólito, que está com câncer terminal
- Agora, enquanto Hipólito faz sessões de quimioterapia, os dois vivem no Albergue Municipal de Maceió
Essa não é uma história que você vai ouvir muitas vezes na vida. O recifense Severino Francisco dos Santos, 63, chegou em Maceió no começo do ano, vindo de Brasília após um desentendimento familiar. Antes de chegar a Alagoas tentou, sem sucesso, achar seus familiares no Recife. Aportou na capital alagoana e foi acolhido pelo Albergue Municipal no final de agosto, onde passou a dormir e fez aquele que é hoje seu melhor amigo: Hipólito, 62.
Há dois meses, entretanto, a vida de Hipólito — e, consequentemente, a de Severino — mudou. Ele deixou o trabalho de vendedor de picolé para não só dormir, mas morar no albergue. A ideia é apoiar, estar ao lado do amigo que descobriu um câncer em fase terminal.
"Ele vinha dormir todo dia, e eu o esperava. Mas aí teve um dia que deu 21h e ele não chegou. Fiquei preocupado e resolvi ligar para ele. Foi quando ele disse que teve uma dor e foi bater no hospital"
Severino Francisco dos Santos, sobre o amigo Hipólito
Depois de exames, os médicos atestaram um câncer disseminado e em grau avançado. A esperança de tempo de vida de Hipólito, então, foi abreviada para menos de seis meses. "Nós conversamos muito, ele está consciente de tudo. Ele é muito forte, está enfrentando bem",afirma.
Severino diz não temer a morte. "Desencarnar é como uma viagem que alguém faz para um lugar longe, que não tem internet ou telefone. Não podemos nos falar, mas ele está lá, e um dia vamos nos encontrar, porque eu também irei para lá", conta.
Severino tem como única renda hoje o benefício do Bolsa Família, no valor de R$ 88 mensais. Mas ele conta que conseguiu juntar, em dois meses de venda de picolés nas ruas de Maceió, R$ 1.500.
"É com esse dinheiro que a gente consegue comprar remédio e as coisas que ele precisa"
Juntos na quimioterapia
Impossibilitado de andar, Hipólito não pôde dar entrevista ao UOL. Por questões de privacidade, o albergue orientou que seria melhor evitar a exposição, como fotografias ou informações de sobrenome. "Ele está muito sereno, tem o apoio muito importante do Severino", diz o psicólogo do albergue Manoel Vieira de Carvalho.
Por cinco dias, Severino dormiu junto ao amigo em um hospital filantrópico da capital alagoana acompanhando as sessões de quimioterapia. "Ele não ficou bem não, passou muito mal; ele está ainda se recuperando. Teve momento que achei que ele não iria suportar, mas passou. Ele agora não sente mais dor", diz.
Severino é só elogios à serenidade e integridade do amigo. "Ele é uma pessoa que tenho aprendido demais aqui. Desde que cheguei aqui nos afinamos demais, um ajuda o outro. É pessoa muito boa, que nunca usou drogas, não bebe, não fuma. Cumpriu sua missão, e nos deixou um legado", diz, sem esconder a emoção que salta aos olhos.
O amor do seu amigo pela vida e pelas pessoas ainda vai deixar um outro legado: "ele já assinou os papéis para doar o corpo dele para ser usado para estudos na universidade", conta Severino.
Situação de rua
Severino vive hoje em situação de rua. Mas para chegar até Maceió passou por caminhos sinuosos da vida.
Aos 17 anos, saiu do Recife para ir tentar a vida em Brasília, onde casou, teve filhos. Morou lá até o início do ano, quando se desentendeu com sua esposa por conta do suposto envolvimento dos filhos com drogas. "Me desentendi com ela porque os filhos se meteram em drogas e não aceitei. Não aceitei como ela tratou, preferi sair de casa", diz Severino, que na capital federal trabalhava na área de construção civil.
Em janeiro, decidiu voltar para Pernambuco. "Peguei um ônibus e fui para o Recife procurar meus familiares, mas não os encontrei. Aí fui para Caruaru [130 km do Recife], onde pretendia ficar, mas não gostei. Queria ir para a Bahia, mas acabou que na rodoviária peguei o ônibus para Maceió, gostei aqui e acabei ficando", conta.
Hoje em situação de rua, ele conta que contou com apoio do albergue em Maceió. "Nunca precisei dormir um dia sequer na rua, não peço nada a ninguém", diz, já planejando a vida como será a vida em breve sem o melhor amigo. "Vou seguir, voltar ao trabalho. Não posso parar.", diz.
"Ele seguirá para o destino, e eu também seguirei. Assim é a vida"
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