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Denúncias apontam Grande Jacarepaguá como nova fronteira da milícia no Rio

Anel com imagem do Batman é apreendido pela polícia do Rio com integrante da milícia Liga da Justiça - Rafael Moraes/Agência O Globo
Anel com imagem do Batman é apreendido pela polícia do Rio com integrante da milícia Liga da Justiça Imagem: Rafael Moraes/Agência O Globo

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

15/02/2020 04h02

Resumo da notícia

  • A partir de informações anônimas, Disque Denúncia elabora levantamento
  • Relatos sobre a Praça Seca, palco de guerra entre tráfico e milícia, quase triplicaram
  • Em meio à disputa territorial, aumentam denúncias na Grande Jacarepaguá
  • Campo Grande e Santa Cruz, reduto dos paramilitares, não têm grande variação

Informações anônimas com relatos sobre a atuação da milícia ajudam as autoridades a traçar um panorama sobre a movimentação de grupos paramilitares no Rio.

Um levantamento feito a pedido do UOL pelo Disque Denúncia, entidade privada sem fins lucrativos que atende a população, dá indícios de uma expansão dessas organizações para outros bairros da zona oeste carioca. O estudo também mostra o avanço do crime organizado para a Baixada Fluminense.

Os dados endossam as investigações conduzidas pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e pela Polícia Civil sobre a antiga Liga da Justiça, hoje conhecida como "A Firma", que busca novos territórios em regiões até então dominadas pelo tráfico de drogas.

É o caso, por exemplo, da Grande Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, que convive com uma sangrenta guerra entre milicianos e traficantes do Comando Vermelho (CV) há mais de um ano. As informações anônimas passadas refletem essa realidade.

Na Praça Seca, também na região oeste, principal palco da disputa por território, as denúncias quase triplicaram na comparação entre 2019 e o ano anterior. Foi o maior crescimento registrado pelo levantamento.

Com 376 relatos, o bairro aparece em 4º lugar no ranking. E surge na 1º posição em um levantamento feito pelo UOL com base em dados do IBGE dos bairros, relacionando os relatos anônimos por cada 50.000 moradores das áreas estudadas.

"Hoje, há um relacionamento próximo entre a milícia e o tráfico. Com base nas denúncias, é possível estudar como eles fazem a divisão de tarefas no grupo".
Zeca Borges, coordenador do Disque Denúncia

Em números absolutos, Jacarepaguá aparece na ponta do ranking, com 680 denúncias, mais que o dobro na comparação com 2018.

O consultor Vinicius Cavalcante, diretor da Associação Brasileira dos Profissionais de Segurança, acredita que as denúncias se intensificam em meio a uma disputa por controle da área.

"Há uma guerra naquela região e isso faz com que as pessoas denunciem mais. Os milicianos, hoje, passaram a fazer parte do mesmo universo das outras organizações criminosas. O cara tira a camisa do tráfico para vestir a camisa da milícia", observa.

Queda de denúncias indicam domínio territorial, diz promotor

Em contraste ao aumento das denúncias na Grande Jacarepaguá, as informações repassadas sobre o reduto da principal milícia do país hoje são estáveis.

Em Campo Grande, bairro considerado berço dos paramilitares, houve um aumento de apenas 5,6% nas denúncias. Em Santa Cruz, região dominada por milicianos desde o fim de 2018, os relatos tiveram queda de 32,7%.

Para o promotor Luiz Ayres, que investiga a atuação da milícia nessa região, isso não é coincidência: o índice indica o domínio absoluto do território.

A milícia dominou a área, controlando o tráfico de drogas e todas as atividades econômicas. A polícia não entra. Então, até o índice de criminalidade despenca. As pessoas passam a ter medo de denunciar. São organizações criminosas que funcionam como corporações e não deixam rastros.
Luiz Ayres, promotor

No ano passado, também houve um aumento significativo de denúncias relacionadas ao Morro da Muzema, em Itanhangá, na zona oeste carioca, com 171 informações sobre a suposta atuação de grupos paramilitares na região. A ação da milícia na localidade virou alvo das autoridades após o desabamento de dois prédios, que deixou 24 mortos em abril de 2019.

Justiça proíbe cremação do capitão Adriano, miliciano morto na Bahia

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Denúncias sobre a milícia na Baixada

No ranking por cidades elaborado pelo Disque Denúncia, é possível perceber a expansão dos paramilitares para as cidades da Baixada Fluminense. No ranking por 100.000 habitantes elaborado pelo UOL com base no cruzamento dos dados do serviço e do IBGE, o Rio apareceu apenas na 5ª colocação, atrás de Queimados, Itaboraí, Nova Iguaçu e Itaguaí.

Documentos aos quais a reportagem teve acesso mostram como a milícia ampliou seu território da capital fluminense para a Baixada em um movimento que começou a ser orquestrado nos últimos três anos. Segundo o MP-RJ, a criação de franquias da maior milícia do país na área é responsável por uma movimentação financeira de pelo menos R$ 10 milhões por mês.