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Sommeliers de torneira: os químicos que também degustam a água de São Paulo

 Andréia Leme, Maísa Habenschus, Sônia Diniz e Eduardo Torres formam a roda de painel sensorial - Cleber Souza/UOL
Andréia Leme, Maísa Habenschus, Sônia Diniz e Eduardo Torres formam a roda de painel sensorial Imagem: Cleber Souza/UOL

Cleber Souza

Do UOL, em São Paulo

17/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Água consumida no estado é analisada por cerca de 150 'sommeliers'
  • Químicos avaliam a cor, o cheiro e o gosto da água
  • Normas seguidas tratam de uso de perfumes, maquiagem, consumo de café e até humor
  • No laboratório central, a cada semana é analisada a amostra de água de duas estações

Poucos moradores sabem, mas a água consumida no estado de São Paulo passa por um teste de qualidade. A análise é feita por cerca de 150 "sommeliers" — todos formados em química —, capacitados e treinados para exercer a função.

Espalhados em 16 laboratórios de controle sanitário da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), os especialistas avaliam o cheiro, o sabor e a coloração da água, que pode apresentar condições anormais em mananciais, estações de tratamento ou sistemas de distribuição.

São justamente esses os fatores analisados pelos químicos. Chamados de painelistas, eles passam por treinamento na própria Sabesp com padrões artificiais e naturais.

Realizado há 25 anos, o processo é comparado à degustação de vinhos: feito "às cegas" e com uma preparação minuciosa.

Há regras quanto a hábitos pessoais, como o uso de perfumes, e até o humor do painelista é levado em conta antes da realização das rodas de painel sensorial, como são chamadas as mesas formadas por até seis especialistas.

"Temos de seguir algumas regras. As mulheres não podem passar batom e ninguém pode tomar café ou escovar os dentes até 30 minutos antes da roda. Há todo um preparo", descreve Izabel Cristina, 51, que trabalha há 27 anos no departamento de controle e qualidade da Sabesp.

Sommeliers Sabesp - Cleber Souza/UOL - Cleber Souza/UOL
Painelistas preenchem ficha após análise da água
Imagem: Cleber Souza/UOL

Com a água separada em vasilhames e copos, a roda tem início com silêncio e concentração absolutos. Todas as sensações são registradas pelos especialistas em fichas individuais.

Após a análise de sabor e odor, um relatório é enviado para cada estação de tratamento da Sabesp. O trabalho é visto como uma forma de prevenir problemas na água fornecida à população do estado.

Água degustada não oferece riscos à saúde dos especialistas

Água Sabesp - Cleber Souza/UOL - Cleber Souza/UOL
Água utilizada para o ensaio de gosto e odor
Imagem: Cleber Souza/UOL

No dia da visita do UOL a um dos laboratórios da companhia, no bairro de Santana, zona norte da capital paulista, estavam presentes, além da gerente Izabel, quatro painelistas: Andréia Leme, 45, química supervisora, e painelista há 17 anos; Maísa Habenschus, 29, painelista há três meses; Sônia Diniz, 56, painelista há 25 anos; e o técnico de sistema em saneamento, Eduardo Torres, 38, e painelista há 10 anos.

Para a análise, são coletadas amostras de água bruta que ainda não teve tratamento e da água final ou potável que já foi tratada em uma das nove Estações de Tratamento de Água (ETAs) em São Paulo.

Izabel garante que a água não oferece riscos à saúde dos painelistas. "Eles não tomam medicação nenhuma. A água que chega aqui é tratada. A que eles bebem é a potável, sem risco algum para saúde deles, e apenas o teste de odor é feito na bruta."

Como a qualidade pode sofrer alterações durante o percurso até o laboratório, há locais para a análise da água espalhados pelo estado.

A cada semana, é analisada no laboratório central a amostra de água de duas estações de tratamento, de modo que, ao final de cada mês, tenham sido avaliadas amostras de todas as estações.

Também são colhidas amostras em rios e poços subterrâneos. Todas chegam com selos de identificação aos laboratórios da companhia, mas, durante o processo de degustação, nenhum painelista sabe de qual local veio cada amostra.

Degustação é trabalho em conjunto com controle de qualidade

A Sabesp, que atende cerca de 373 municípios paulistas, também reforça que o tratamento e o controle e qualidade da água é um trabalho contínuo, que possui várias etapas. Veja quais são as etapas do processo:

  • Pré-cloração - Primeiro, o cloro é adicionado assim que a água chega à estação. Isso facilita a retirada de matéria orgânica e metais;
  • Pré-alcalinização - Depois do cloro, a água recebe cal ou soda, que servem para ajustar o pH* aos valores exigidos nas fases seguintes do tratamento;
  • Coagulação - Nesta fase, é adicionado sulfato de alumínio, cloreto férrico ou outro coagulante à amostra, que depois é agitada. Assim, as partículas de sujeira ficam eletricamente desestabilizadas e mais fáceis de agregamento;
  • Floculação - Após a coagulação, há uma mistura lenta da água, que serve para provocar a formação de flocos;
  • Decantação - Neste processo, a água passa por grandes tanques para separar os flocos de sujeira formados na etapa anterior;
  • Filtração - Logo depois, a água atravessa tanques formados por pedras, areia e carvão antracito. Eles são responsáveis por reter a sujeira que restou da fase de decantação;
  • Pós-alcalinização - Em seguida, é feita a correção final do pH da água para evitar a corrosão ou incrustação das tubulações;
  • Desinfecção - É feita uma última adição de cloro no líquido antes de sua saída da Estação de Tratamento. Ela garante que a água fornecida chegue isenta de bactérias e vírus até a casa do consumidor;
  • Fluoretação - Flúor, que ajuda a prevenir cáries, é adicionado à água.

Uma água com procedência duvidosa pode oferecer riscos à saúde. Por isso, Izabel reforça qual o tipo de água "desejável" e que pode ser consumida.

"A água desejável é a água clorificada. Quanto mais cloro, melhor. Uma água de baixa qualidade, infectada, pode causar diversos riscos à saúde, de diarreia a infecções sérias no organismo", completa.