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Morador que gravou onda de lama invadindo casa faz "vaquinha" para vizinhos

Gabriel Sabóia e Taís Vilela

Do UOL, no Rio

03/03/2020 16h00

Vítima das chuvas que atingiram o Rio de Janeiro nos últimos dias, o assistente administrativo Leonardo Damasceno, 20, gravou em vídeo o momento em que uma onda de lama entra pela porta da sala de sua casa em Realengo, na zona oeste —é possível ouvir os gritos de desespero de sua mãe, enquanto ele tenta acamá-la. As imagens, que viralizaram no Twitter, mostram a água tomando rapidamente a sala e demais cômodos.

Do andar de cima da casa onde mora com o pai, a mãe e o irmão, na rua São Francisco, o estudante de Ciências Sociais também registrou uma enxurrada carregando cerca de oito carros rua abaixo e a água marrom invadindo a casa de vizinhos. Menos de 24 horas após contabilizar os móveis e pertences perdidos, ele faz uma campanha de captação de donativos para aqueles que ficaram desabrigados em Realengo —um dos mais afetados da cidade.

"Vários dos meus vizinhos perderam absolutamente tudo. Estou arrecadando dinheiro em uma vaquinha online, além de móveis, eletrodomésticos e mantimentos para ajudar os que não têm mais nada. O que perdi? Móveis, um carro e uma moto. A verdade é que estou bem, diante da realidade dos outros", disse ele.

Até o momento, foram doados R$ 900, duas camas, um micro-ondas e mantimentos.

"É por isso que não tolero a visita do [prefeito do Rio] Marcelo Crivella ao bairro, falando com tanta calma daquilo que passamos", explica.

Durante o temporal, Leonardo precisou manter a calma para evitar que sua mãe entrasse em pânico.

"Foi um turbilhão de sentimentos, já que tinha que lidar bem com a minha mãe que tem um tumor no crânio e não pode ter esse tipo de estresse. Então não pude me desesperar, mas por dentro eu estava desesperado. Queria gritar, chorar, estava tremendo, mas tentando manter o máximo de calma que desse para não permitir que minha mãe passasse mal", relembra ele.

De acordo com o estudante, vários pontos de Realengo (local onde Crivella foi atingido por lama jogada por moradores) ainda registram alagamentos e o rastros da destruição. Apesar da chuva forte desde a noite de domingo (1º), as ruas da região se mantinham em relativa segurança.

Contudo, o rompimento de uma tubulação da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), na madrugada de segunda-feira (2), teria provocado a enxurrada que invadiu as casas.

"Um cano da Cedae estourou e a água entrou nas nossas casas. Possivelmente, não deu vazão à água que vinha de um morro próximo, onde fica a Cachoeira do Barata. Acreditamos que houve uma tromba d'água que acarretou tudo isso, mas é difícil precisar", afirma.

"Eu nunca tinha visto nada parecido. Não foi uma simples chuva. Vários dos vizinhos, que estão no bairro há mais de 20 anos confirmaram que nunca houve algo similar. Isso nos dá a certeza de que o problema não foi só a água que caía, mas um somatório de problemas. Várias dessas pessoas não têm mais nada", reflete.

Na manhã de hoje, ainda é possível ver os carros que foram arrastados para o meio das ruas e residências destruídas no bairro.

Protestos contra Crivella

Realengo foi o bairro escolhido pelo prefeito do Rio para fazer uma vistoria dos estragos provocados pela chuva, nas primeiras horas da manhã de ontem. No entanto, ao chegar ao local, Crivella foi recebido com ofensas e atingido por lama arremessada por um morador.

"Ele foi fazer cena no bairro, não subiu a rua para ver os estragos reais e deu a entender que o problema foi pequeno. Ainda jogou a culpa na população. É claro que me juntei aos que protestavam", argumenta.

"Sorte que alguns dos moradores de Realengo seguraram os outros e impediram algo maior. A vontade de muitos que estavam ali era vê-lo dentro do rio, no meio da lama", conclui.

"Mas, foi bom que isso [o protesto] acontecesse, sim. Desde ontem, os funcionários da prefeitura estão no bairro, tentando minimizar os impactos de toda destruição", explica.

Antes de ir ao bairro, o prefeito havia responsabilizado a população pelas enchentes. "A culpa é de grande parte da população, que joga lixo nos rios frequentemente", afirmou, antes de ser atingido no ombro e na testa por barro arremessado.

Pela manhã, durante transmissão ao vivo nas redes sociais, o prefeito disse que as pessoas escolhem morar em áreas de risco para "gastar menos com cocô e xixi". Ao encerrar a live, ele afirmou que há muita coisa que o poder público poderia fazer para combater os prejuízos causados pelas chuvas, porém os cidadãos também precisam fazer sua parte.

"Todas as nossas encostas são perigosas, mas aonde descem as águas, predominantemente chamadas de talvegues, e as pessoas gostam de morar ali perto porque gastam menos tubos para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo, essas áreas são muito perigosas", declarou.

5 mortos, desabamento de casas e cratera

Desde a noite do último sábado (29), a região metropolitana do Rio foi atingida pela forte chuva, que causou um rastro de destruição. Duas pessoas morreram soterradas em deslizamentos de terra na capital e uma terceira teria se afogou em uma enchente.

Em Mesquita, município da Baixada Fluminense que registrou uma morte, o asfalto se rompeu na comunidade da Chatuba, abrindo uma grande cratera na rua Coronel França Leite.

Na manhã de hoje, foi confirmada a quinta morte ao ser localizado o corpo de Matheus Souza Oliveira, 21, que estava desaparecido desde domingo. Ele foi arrastado por uma enxurrada em Queimados, na Baixada Fluminense, e o corpo foi localizado na região conhecida como Parque Industrial.

As chuvas também provocaram o desabamento de seis casas na manhã de hoje no bairro Jardim América, na zona norte. Até o momento, não há informações sobre feridos.

Ainda devido ao temporal, mais de 5.000 pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas, segundo o último boletim divulgado ontem pela Defesa Civil Estadual (Sedec-RJ) e do Corpo de Bombeiros.