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'Água entrou pelas janelas e levou minha casa', conta morador da Baixada

Paulo Teles Nascimento é pastor em uma das comunidades atingidas pelas chuvas na Baixada Santista - Jeferson Marques/UOL
Paulo Teles Nascimento é pastor em uma das comunidades atingidas pelas chuvas na Baixada Santista Imagem: Jeferson Marques/UOL

Jeferson Marques

Colaboração para o UOL, em Guarujá

03/03/2020 21h06

Resumo da notícia

  • Moradores que auxiliaram nos resgates na Baixada Santista relatam solidariedade
  • Mesmo após perder casa e conhecidos, muitos ajudaram polícia, Defesa Civil e bombeiros
  • Escolas e igrejas foram adaptadas para receber desabrigados

Pastor na comunidade de Barreira João Guarda, Paulo Teles Nascimento, 36, estava em casa com a esposa e o filho quando começou a preocupar-se com a força das chuvas que caíam desde a noite de ontem na Baixada Santista.

"Percebemos que alguns barulhos diferentes começaram a surgir no morro, mas, antes mesmo de acharmos que se tratava de um desabamento, a água entrou pelas portas e janelas e levou a minha casa", contou à reportagem do UOL.

Por questão de segundos, ele e sua família não foram soterrados.

"Foi o tempo de deixarmos o local e ele veio abaixo. Entendo que foi um livramento, e sinto muito que outras famílias, hoje, estejam chorando. Mas Deus nos dará forças para recomeçar", afirma.

Segundo o Corpo de Bombeiros, até o início da noite de hoje, 18 mortes haviam sido confirmadas e pelo menos 30 pessoas estavam desaparecidas, possivelmente soterradas.

Em apenas 12 horas, as cidades de Santos e Guarujá, ambas no litoral, registraram a quantidade de chuva esperada para o mês de março, segundo a Defesa Civil de São Paulo. A previsão é de que o clima chuvoso continue ao longo da semana, mas em menor intensidade.

Dos 18 morros, sete registraram ocorrências ligadas a deslizamentos. E, desses, três ficaram em estado crítico: Barreira João Guarda, Macaco Molhado (Boa Vista) e Vila Baiana.

Muitas pessoas acabaram perdendo amigos ou familiares soterrados. Polícia, Defesa Civil, Bombeiros e voluntários enfrentavam as fortes chuvas — que não cessaram — na tentativa de encontrar sobreviventes, enquanto algumas escolas recebiam doações e serviam de dormitório para os desabrigados.

José Carlos da Silva salvou dois vizinhos das chuvas na Baixada Santista, mas ambos morreram - Jeferson Marques/UOL - Jeferson Marques/UOL
José Carlos da Silva salvou dois vizinhos das chuvas na Baixada Santista, mas ambos morreram
Imagem: Jeferson Marques/UOL
'Mesmo correndo riscos, fiquei na enxurrada para ajudar vizinhos'

No morro da Bela Vista (Macaco Molhado), José Carlos da Silva, 40, percebeu que algo muito grave estava acontecendo quando ouviu o chamado de um morador.

"A chuva estava forte, mas eu não tinha a dimensão do problema até ouvir meu vizinho pedir socorro. Subi o barranco até a casa deles, mas já estavam soterrados. Mesmo assim, tirei eles de lá e o socorro chegou. Infelizmente, os dois vieram a falecer no hospital", relatou ao UOL.

Mesmo com o morro descendo em um rio de lama, ele permaneceu no local, pois estava escutando os gritos de mais vizinhos.

"Qual o ser humano que, ao ouvir um pedido de ajuda, vira as costas? Era o mínimo que eu poderia fazer, mesmo ciente dos riscos. Eu estava com medo, mas ajudei. E ajudarei novamente sempre que precisar", diz.

Cristiane dos Santos Silva teve a casa atingida pelas chuvas na Baixada Santista - Jeferson Marques/UOL - Jeferson Marques/UOL
Cristiane dos Santos Silva teve a casa atingida pelas chuvas na Baixada Santista
Imagem: Jeferson Marques/UOL
'O morro encheu muito rápido'

Cristiane Souza dos Santos Silva, 30, dona de casa e moradora do morro Barreira João Guarda, estava sentada no sofá, com seus filhos, quando ouviu um barulho muito forte, como um estrondo.

"Fui para o portão e vi pessoas gritando que alguns barracos haviam caído. Estou grávida e fiquei desesperada, pois a água começou a invadir o meu quintal. Com a chuva forte, o morro encheu muito rápido, acima do normal", lembra.

Cristiane disse, ainda, que o seu sobrinho morava justamente no local onde as primeiras casas foram levadas pela chuva, E que temeu pela sua vida.

"Ele não estava no momento da enxurrada. Tinha saído. Caso estivesse, acho que não teria sobrevivido, pois o barraco dele foi o primeiro a descer com a lama".

Thaís Dias de Matos perdeu uma amiga no desabamento na Baixada Santista - Jeferson Marques/UOL - Jeferson Marques/UOL
Thaís Dias de Matos perdeu uma amiga no desabamento na Baixada Santista
Imagem: Jeferson Marques/UOL
'O morro foi iluminado com faróis de carros e motos'

Moradora de uma casa na subida do morro, Thaís Dias de Matos, 30, recebeu uma mensagem pelo Whatsapp avisando que parte dos barrancos havia desmoronado. No mesmo momento, ouviu um barulho muito intenso (que se assemelhava a um caminhão passando em uma rua alagada).

"Fui logo para a esquina e ouvi gritos de socorro. Foi quando a luz acabou, mediante aquela tromba d'água, e ninguém enxergava mais nada para prestar socorro", lembra. "Então, alguns motoristas ligaram os faróis de seus carros e motos na direção do morro, para que um ajudasse o outro."

Ela perdeu uma amiga no desabamento. "Infelizmente morreu ela, a filha e o marido segue desaparecido. É muito triste o que aconteceu aqui."

Marcos Jorge dos Santos (à dir.) acolhe desabrigados na Baixada Santista em igreja - Jeferson Marques/UOL - Jeferson Marques/UOL
Marcos Jorge dos Santos (à dir.) acolhe desabrigados na Baixada Santista em igreja
Imagem: Jeferson Marques/UOL
Escolas e igrejas receberam desabrigados

Nos três morros que estavam em estado de calamidade, algumas escolas municipais e igrejas passaram a receber desabrigados. Foi o caso da Escola Municipal Sérgio Pereira Rodrigues, que fica na comunidade da Barreira João Guarda.

Cerca de 150 pessoas já ocupavam as salas de aula e pátios da escola, que recebia mantimentos, roupas e cobertores. Cada ambiente, aliás, era de responsabilidade de uma igreja, que organizava as doações que chegavam e também o que era repassado aos desabrigados.

Uma das pessoas que precisou deixar a sua casa é Claudineia do Nascimento Silva, 34. Durante a visita do UOL, ela comia um pão françês com manteiga e tomava café com leite em um copo de plástico em uma sala de aulas sem cadeiras ou carteiras, adaptada a receber os que não podem voltar aos seus lares com tapumes, colchões e berços.

Claudineia do Nascimento Silva precisou abandonar sua casa por conta das chuvas na Baixada Santista - Jeferson Marques/UOL - Jeferson Marques/UOL
Claudineia do Nascimento Silva precisou abandonar sua casa por conta das chuvas
Imagem: Jeferson Marques/UOL
Por volta das 6h, a Defesa Civil solicitou que ela deixasse a residência e procurasse a unidade de ensino para ser acolhida. "Eles chegaram lá dizendo que havia risco de novo desmoronamento. E pediram para a gente sair. E aqui estou eu e meu filho."

A cunhada de Claudineia morava poucos metros acima. E, segundo ela, foi soterrada. "Ela não conseguiu sair a tempo e ainda não foi encontrada. Eu queria ter ficado lá para ajudar a procurá-la, mas o pessoal da Defesa Civil não deixou."

Uma unidade da igreja Assembleia de Deus, há algumas ruas do Morro do Macaco Molhado, abriu as suas portas para os desabrigados. No espaçoso salão cadeiras de plástico estavam espalhadas e algumas mesas com alimentos e roupas eram cuidadosamente arrumadas pelos voluntários.

"O papel da igreja é esse, de ajudar as pessoas da comunidade. Aqui elas podem se alimentar, trocar suas roupas molhadas ou sujas por outras secas e limpas e receber algum apoio emocional", explica Marcos Jorge dos Santos, presbítero.

Porém, para que a igreja mantenha a ajuda, as doações são fundamentais.

"Não só a gente, mas as escolas também. As doações manterão esse trabalho social em pleno funcionamento. Por isso a importância de as pessoas repassarem as roupas que não utilizam mais ou alimentos, brinquedos e itens de higiene pessoal para esses lugares", finaliza.