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Coronavírus: Líderes de favelas de São Paulo temem "carnificina"

Vista da favela de Paraisópolis, na bairro do Morumbi, São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress
Vista da favela de Paraisópolis, na bairro do Morumbi, São Paulo Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Marcelo Damato

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/03/2020 04h00Atualizada em 24/03/2020 18h28

Resumo da notícia

  • As favelas de São Paulo estão montando esquemas alternativos para enfrentar a pandemia de coronavírus
  • Líderes das associações de moradores reclamam da ausência do poder público e fazem mutirões para fornecer comida e proteger idosos e crianças
  • "Para os governos, a gente não existe", diz Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores de Paraisópolis
  • A prefeitura diz que passou a utilizar carros de som com alertas de orientação sobre procedimentos de prevenção para moradores das comunidades

As favelas de São Paulo estão montando esquemas alternativos, sem depender do poder público, para enfrentar a pandemia de coronavírus. Com uma receita de menos de um real por morador, conseguida à base de doações, as associações fazem mutirões para fornecer comida e proteger os idosos e crianças.

A reportagem do UOL conversou com líderes comunitários de três favelas da zona Sul de São Paulo, as maiores da cidade. Eles preveem uma explosão de casos e tempos muito difíceis nos próximos meses.

"Até agora ninguém falou a palavra favela. Para os governos, a gente não existe", afirmou Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores de Paraisópolis, comunidade com mais de 100 mil habitantes — localizada no bairro do Morumbi, é apontada como a segunda maior favela de São Paulo, atrás de Heliópolis.

Gilmar Antonio de Souza, presidente da Sociedade Comunitária de Jardim Valquíria - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gilmar Antonio de Souza, presidente da Sociedade Comunitária de Jardim Valquíria
Imagem: Arquivo pessoal
"Vai ser uma carnificina", engrossa o coro Gilmar Antonio de Souza, presidente da Sociedade Comunitária de Jardim Valquíria, uma espécie de associação líder das comunidades do Capão Redondo, distrito que fica bem além de Paraisópolis e faz divisa com as cidades de Itapecerica da Serra e Embu das Artes.

"Não existe nenhum plano para nós", pontua José Marcelo Da Silva, líder da Associação Comunitária Nova Heliópolis.

As queixas coincidem em praticamente todos os pontos. Começam pela atenção à saúde. Os médicos de família, que fazem as vistas em casa, são poucos — menos de um para 10 mil habitantes — e têm pouco equipamento de proteção.

Os habitantes dessas regiões dependem do atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) em caso de suspeita da doença. Pacientes com sintomas da doença são mandados de volta para casa. Só conseguem atendimento quando os sintomas são graves — e, possivelmente, já infectaram seus parentes.

Com habitações de poucos cômodos, é comum avós, pais e filhos morarem na mesma casa e até no mesmo quarto. Muitas vezes, tios e sobrinhos estão juntos.

Procurada pelo UOL, a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) informa que, "como forma de conter a circulação do novo coronavírus na periferia de São Paulo, passou a utilizar carros de som com alertas de orientação sobre procedimentos de prevenção do Coronavírus para moradores das comunidades paulistanas. Junto com o alerta, assistentes sociais da Sehab, devidamente protegidos, também realizam a orientação para que os moradores se protejam da forma correta e, principalmente, para que permaneçam em casa" (leia ao final desta reportagem a nota completa emitida pela Prefeitura de São Paulo).

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Casos registrados crescem

Na quinta-feira, havia três casos suspeitos em Paraisópolis e um confirmado em Heliópolis. Hoje de manhã, somando as três regiões, os casos confirmados chegavam a nove. Quando você estiver lendo esta reportagem, provavelmente esse número já será maior.

Para complicar, não há nenhuma política específica que garanta renda aos moradores durante a epidemia — há apenas movimentos que reivindicam isso e planos genéricos. Sem reservas, essa população precisa sair para procurar trabalho, cada vez mais raro. Quanto mais circula, mais se contamina e leva o vírus na volta para casa.

Além do fornecimento irregular de água — chega a faltar por quatro dias seguidos —, os moradores começaram a enfrentar outro problema: corte de luz, por falta de pagamento. Isso aconteceu no Jardim Rosana, na região do Capão Redondo.

Gilson Rodrigues - DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA PARAISÓPOLIS - DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA PARAISÓPOLIS
Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores de Paraisópolis
Imagem: DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA PARAISÓPOLIS
Conhecido por ter mudado a cara da favela, estimulando o surgimento de pequenos negócios e transformando o local em um bairro ("Paraisópolis é mais do que um bairro, é uma cidade", diz), Rodrigues revela que nunca esteve tão preocupado com o futuro da comunidade.

Nas proximidades de Paraisópolis, existem três UBSs e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Havia na sexta-feira pelo menos três casos suspeitos. Todos estão em casa, buscando um isolamento. A Prefeitura não informa quantos casos existem na comunidade.

Em Heliópolis, o atendimento é ainda mais precário. Só há uma UBS e o Hospital Heliópolis. No Capão Redondo, a situação não é diferente.

Sem amparo, cada comunidade se vira como pode. As associações de moradores, por exemplo, montaram redes de proteção.

Em Paraisópolis, foi criada uma grande cozinha para "fazer marmitas e entregar nas casas dos moradores", em especial os mais idosos, comenta o líder Rodrigues. Mulheres do bairro estão começando a cozinhar, voluntariamente. Vans e motos foram recrutadas para fazer a distribuição. Outras comunidades distribuem alimentos sem preparo.

Um dos desafios é a entrega. "Não podemos fazer na nossa sede, porque vai ter muita aglomeração. Tem que levar de casa em casa", diz Alex Sandro Gomes de Lima, do Instituto Projeto Sonhar, no Capão Redondo.

Ele aponta outro motivo de preocupação: inflação e desabastecimento. "Os preços estão subindo. A bandeja de ovo, que eu pagava R$ 10, já está a R$ 13. A bisteca também subiu 30%. Muitas prateleiras estão vazias. Achar leite e feijão está difícil."

Em várias comunidades, centros de isolamento foram criados em casas vazias ou nas associações para caso apareça algum doente.

A atitude dos próprios moradores complica a situação ainda mais. Nessas comunidades, ainda é possível encontrar bares abertos e concentração de pessoas tomando cerveja e confraternizando.

"Estamos correndo contra o tempo", diz Marcelo. "Nós precisamos de mais ajuda", conclui o líder da Associação Comunitária Nova Heliópolis.

Nota oficial da Prefeitura de São Paulo

"A Prefeitura de São Paulo informa que desde que a reclusão pessoal e os cuidados com a higiene passaram a ser indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), como forma de conter a circulação do novo coronavírus na periferia de São Paulo, passou a utilizar carros de som com alertas de orientação sobre procedimentos de prevenção do Coronavírus para moradores das comunidades paulistanas. Junto com o alerta, assistentes sociais da Sehab, devidamente protegidos, também realizam a orientação para que os moradores se protejam da forma correta e, principalmente, para que permaneçam em casa.

Centenas de bairros de todas as regiões da capital já receberam, e seguirão recebendo, os carros de som e orientações do departamento social. Entre os locais atendidos estão Paraisópolis, Jardim Colombo, Heliópolis, M'Boi Mirim, Capão Redondo, Jardim Ângela, Itaim Paulista, São Mateus e Brasilândia.

As subprefeituras também vêm fazendo informes aos munícipes e comerciantes sobre prevenção contra a COVID-19 por meio de carros de som pelas periferias da cidade, alertando inclusive sobre o perigo das aglomerações.

No link a seguir podem ser acessados vídeos dos alertas feitos por SEHAB em comunidades da cidade

https://we.tl/t-ZBSfj4id1n

SEGURANÇA E BAILES FUNK

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal das Subprefeituras, informa que a ação das administrações regionais em bailes funk se dá sempre em conjunto com autoridades como Polícia Militar ou Polícia Civil.

A Secretaria Municipal de Segurança, por meio da Guarda Civil Metropolitana, está fazendo operações integradas de fechamento dos estabelecimentos comerciais, em toda a Cidade de São Paulo, inclusive nas ações de combate aos pancadões e bailes funks, no apoio às Subprefeituras. Na madrugada de sábado, em Cidade Tiradentes, a GCM participou da operação conjunta com subprefeitura e Polícia Militar.

Nas operações integradas, também no último sábado, na região central, a GCM apoiou Receita Federal e Procon em fiscalizações com interdição de estabelecimentos. Issom também ocorreu nas regiões da Rua 25 de março, Rua José Paulino, Largo da Concórdia e Santa Ifigênia. Todo o efetivo Operacional está sendo orientado que, ao se deparar com qualquer estabelecimento comercial aberto, contrariando o Decreto 59.285, deve parar a viatura e determinar que os proprietários fechem os estabelecimentos.

A Defesa Civil da Cidade de São Paulo e GCM também estão circulando nas 32 Subprefeituras, orientando os comerciantes para o cumprimento do Decreto, sendo que as operações estão sendo ampliadas diariamente, de acordo com as necessidades observadas.

Foram empregados no dia 20, 148 GCMs e 25 viaturas. No dia 21, 104 GCMs, com 33 (viaturas e motos), dia 22; 62 GCMs, com 24 viaturas e motos. Na segunda (23), a Guarda Civil empregou 104 GCMs e 33 viaturas e motos.

Seguem links das matérias sobre as operações realizadas nos dois dias:

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/seguranca_urbana/noticias/?p=295442

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/seguranca_urbana/noticias/?p=295460

Na região da Luz, a Guarda Civil atua no Projeto Redenção, com vistas aos policiamento e apreensões de drogas e no apoio às Operações conjuntas e às solicitações de SMADS e Saúde.

Ainda para o enfrentamento do COVID 19, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, realizou a capacitação dos profissionais das Unidades Básicas de Saúde, intensificou a abordagens às pessoas em situação de rua com orientação dos profissionais das equipes Consultório na Rua e Redenção na Rua, que realizam o primeiro atendimento. Na identificação de caso suspeito é realizada pesquisa de onde a pessoa em situação de rua dorme e circula, para identificar contatos e possíveis novos suspeitos. A pessoa é encaminhada à unidade de saúde para atendimento e diagnóstico e, em caso de maior gravidade, o SAMU é acionado."