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Coronavírus: Enfermeira perde mãe e irmão em 15 dias no litoral de SP

Alzira e o filho Luiz, vítimas da covid-19 - Arquivo Pessoal
Alzira e o filho Luiz, vítimas da covid-19 Imagem: Arquivo Pessoal

Bruna Alves

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/04/2020 23h04

A enfermeira Maria Carolina da Silva Novaes, 39, está tendo que lidar com a perda da mãe e do irmão ao mesmo tempo. Moradores de Praia Grande (SP), ambos morreram em um intervalo de 15 dias, vítimas da covid-19. Maria Carolina também foi infectada, mas diferente da família, ela se recuperou e já está em casa. A mãe, Alzira da Silva Novaes, 58, morreu na tarde de ontem. Já o irmão caçula, o segurança Luiz Fagner Dias Novaes, 31, morreu no dia 12.

"Por trás de cada número que eles falam no óbito tem uma história. Porque não morreu meu irmão. Morreu um pai, um filho, um bom funcionário, morreu o amigo de muitas pessoas. E não morreu só a minha mãe. Morreu a minha mãe, uma esposa, uma avó, uma pastora. Então a perda não é só para a minha família, é para todo mundo. E o mais triste é saber que não somos só nós que estamos passando por isso, porque hoje, no velório, a cada 15 minutos entrava alguém para enterrar no cemitério", descreve Maria Carolina.

Tudo começou quando o pai de Maria Carolina, Silvio Dias Novaes, 60, no final de março, teve dois acidentes vasculares cerebrais e foi internado em um hospital em Cubatão, no litoral de São Paulo. Desde então, a mulher e os filhos se revezaram para ficar com ele. Ele permaneceu internado por dez dias. A filha acredita que a família foi contaminada no hospital, pois o pai compartilhava o quarto com outras pessoas, embora a família estivesse tomando os cuidados necessários, como o uso de máscaras.

"Na cama dele ao lado, tinha um paciente que veio da UTI com suspeita de infarto e estava com tossezinha e febre baixa, mas ninguém se atentou. E a poltrona do acompanhante, que era a nossa, era ao lado da desse senhor", explica Maria Carolina. Ela diz que dia 25 de março, enquanto estava acompanhando o pai no hospital, começou a ter febre baixa, diarreia e dor nas pernas.

Irmão não tinha comorbidades, segundo a família

Maria Carolina conta que sua mãe também começou a passar mal na mesma época. No dia 28 de março, foi a vez de seu irmão apresentar estado febril, mas no caso dele, a situação piorou rapidamente. Luiz também havia acompanhado o pai no hospital

"Os sintomas dele foram agravados. Ele começou a ter febre e tosse, e a temperatura não baixava com medicamento. Daí ele foi várias vezes ao pronto-socorro do convênio, e não resolveram o problema, não suspeitaram que fosse (covid-19). De 28 de março até o dia 2 de abril ele foi todos os dias", lamenta Maria Carolina.

A irmã conta que somente no dia 2 de abril, quando ele estava com muita falta de ar, os médicos suspeitaram da doença e o internaram. Na semana seguinte, ele teve uma forte convulsão — devido à febre alta —, e foi para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Luiz ficou intubado até o dia 12, quando morreu. Não houve velório, apenas enterro. Ele era casado e tinha dois filhos, um de 9 e um de 2 anos.

Segundo a família, Luiz praticava vários esportes e não tinha comorbidades. "Ele lutava jiu-jítsu, fazia muay thai, jogava bola. Ele era gordinho, porque aqui em casa todo mundo é gordinho, mas ele era segurança e o serviço dele exigia um preparo físico adequado", conta a irmã.

Mãe tinha problemas cardíacos e renais

Alzira, a matriarca da família, passou mal e foi a uma tenda que está atendendo os pacientes suspeitos da covid-19, em Praia Grande, onde eles moram, na primeira semana de abril. No entanto, segundo Maria Carolina, os exames que ela e a mãe fizeram foram extraviados. Depois, no dia 7, Alzira foi até o hospital. A princípio, teve febre baixa, perda de olfato, dor de cabeça e diarreia — que perdurou por três dias.

"Ela piorou muito, ficou com falta de ar. Parecia que ela estava se afogando no ar mesmo, no seco. E lá no hospital, em menos de 40 minutos, ela fez tomografia, colheu exame de sangue e já subiu para a UTI", relembra a filha.

Ela ficou intubada e permaneceu por 20 dias na UTI no Hospital Irmã Dulce. Nesse período, chegou a melhorar por alguns dias, mas piorava em outros — sempre oscilando muito, de acordo com a filha, que não sabia o que poderia acontecer no dia seguinte.

No entanto, há quatro dias ela havia apresentado uma melhora significativa, e os médicos estavam avaliando a possibilidade de tirá-la da intubação. No domingo (26), porém, piorou novamente, e morreu na manhã de ontem. Alzira tinha problemas cardíacos e somente um rim.

A filha conta que, a pedido do médico, a família escreveu uma carta, que foi entregue a sua mãe. Segundo ela, essa foi uma das atitudes mais humanas que ele poderia ter tido, mas afirma que muitos médicos não têm essa compaixão.

"A pessoa que está ali na UTI precisa também ter um incentivo para estar viva. Eu acho que essa é a parte que deprime o paciente e acaba levando ele a óbito, porque você se sente abandonado no momento que você precisa", avalia.

A mãe não ficou sabendo da morte do filho, porque estava intubada quando ele faleceu. Ela foi enterrada hoje no cemitério Municipal de Praia Grande.

Filha está superando a doença

Maria Carolina ficou internada por quatro dias, entre 7 e 11 de abril. Ela ainda está com sequelas da doença. "Eu fiquei com água no meu pulmão esquerdo, porque o médico falou que se drenasse seria mais uma porta de entrada e poderia complicar de novo. Eu fiquei com diarreia, febre, dor de cabeça, de garganta, de ouvido e falta de ar", descreve.

Agora, a filha tenta ajudar o pai, que ficou tetraplégico, após sofrer dois AVCs, mas diz que a reabilitação está ajudando-o a progredir lentamente. Para ele, também não está sendo fácil lidar com a perda da esposa e do filho.

"Ele está se sentindo arrasado, impotente, porque ele não pôde acompanhar nada". Além disso, segundo a filha, eles ainda estão tendo que lidar com o preconceito. "Passam gritando em frente a casa do meu pai: família do coronavírus".