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Mecânico morre de coronavírus 2 dias após filho ter alta: estava esperando

Narcizo é mais uma vítima do coronavírus - Arquivo pessoal
Narcizo é mais uma vítima do coronavírus Imagem: Arquivo pessoal

Felipe de Souza

Colaboração para o UOL, em Campinas (SP)

11/05/2020 12h10

Uma família de Sorocaba (SP) conheceu os dois lados da pandemia do coronavírus em menos de 48 horas. Foi esse o tempo entre a alta de Rogério Gonçalves da Silva, 36, e a morte do pai, Narcizo Gonçalves da Silva, 69. Os dois estavam internados na Santa Casa da cidade, tiveram covid-19 e problemas de saúde distintos que complicaram o tratamento.

"Parece que ele (Narcizo) estava esperando meu irmão sair do hospital para poder se despedir", afirma Andressa Aparecida França, filha de Narcizo e irmã mais nova de Rogério.

A atendente de negócios contou ao UOL que o aniversário do pai, em 5 de abril, já tinha sido diferente por causa da pandemia. Apenas os filhos participaram de um almoço, e, até então, ninguém tinha apresentado os sintomas. Na mesma semana, o mecânico foi se vacinar contra a gripe quando começou a ter febre e dores no corpo.

Levado a uma unidade de saúde de Sorocaba, Narcizo foi transferido como caso suspeito para outro centro de saúde de referência e voltou para casa. Na mesma semana, os sintomas vieram mais fortes. "A minha mãe ligou desesperada e disse que ele estava muito ruim com falta de ar e precisava de inalação", relata Andressa.

Debilitado e sem confirmação de estar com o novo coronavírus, o idoso foi transferido para a Santa Casa. Internado em 24 de abril, foi intubado e colocado em coma induzido. Ele teve diagnóstico positivo para a covid-19, mas teve uma parada cardíaca na madrugada de sexta-feira e não resistiu.

Dois dias antes, Rogério havia deixado o hospital após vencer a luta contra o coronavírus. Na saída, ele foi aplaudido por funcionários por hospital, que postou o momento em suas redes sociais. Ele ficou nove dias internado na mesma Santa Casa.

"A cura do Rogério é algo que comemoramos demais, mas a morte do meu pai destruiu nossa família. Eu espero que isso não aconteça com outras pessoas. Todas precisam ter noção do que é esse vírus, o quanto ele é perigoso. Não esperem chegar aos parentes de vocês", desabafa Andressa.

Ela conta que descobriu, ainda no hospital, que o pai tinha problemas renais. "Não sabíamos disso, ele estava assintomático. Mas, por causa do coronavírus, meu pai teve até que fazer hemodiálise durante o tempo que ficou lá", complementa.

A Santa Casa de Sorocaba não quis comentar o caso, informando que o "código de conduta ética não permite a divulgação da informação".

Para Flávio Iizuka, urologista e pesquisador pela USP, é uma situação que pode acontecer. O médico afirma que 30% dos pacientes que vão para UTI com o coronavírus acabam desenvolvendo problemas renais. "E, se já existe algum problema anterior, mesmo que assintomático, o caso é potencializado. Por isso, devem ser incluídos os doentes renais crônicos nos grupos de risco da covid-19", explica.

"Enterro sem dignidade"

O corpo de Narcizo foi enterrado no cemitério Memorial Park sem a realização de um velório, seguindo norma do governo de São Paulo. A mulher e os filhos tiveram que ficar distantes um do outro.

"Ele não pode ser enterrado com dignidade, estava dentro do plástico e levamos uma troca de roupa para colocar dentro do caixão para simbolizar", explica Andressa. Ela não mora na mesma casa dos pais, por isso a saudade dói ainda mais. "Eu queria chegar na casa do meu pai e poder cumprimentar ele no portão e ouvir a voz dele no telefone", diz, emocionada.

"Foi muito triste. Tanta gente que gostava dele e que queria estar ali para se despedir", conta Rogério, que morava com o pai.

Homem "da roça" que se dedicava à família

Morador do bairro Guaíba, em Sorocaba, Narcizo trabalhou a maior parte da vida na roça. Com quatro filhos, ele procurou se dedicar à família nos últimos anos. Passou a ser mecânico por esse motivo para ficar mais próximo e ter mais tempo.

"Meu pai era um homem fechado, calado, mas nunca deixou de estar com a gente e com minha mãe", conta Andressa.

O mecânico havia deixado de fumar há 20 anos e raramente se queixava de problemas de saúde. "Ele era meio fechadão, típico de gente da roça, mas amava muito a gente", completa Rogério.

Filho relembra "filme de terror"

Dias depois da internação do pai, Rogério também começou a sentir falta de ar. Com histórico de bronquite, o borracheiro foi intubado assim que chegou à Santa Casa e pensou que não conseguiria vencer a batalha.

"Quando acordei, me vi com todos aqueles tubos. Achei até que era um filme de terror. É uma doença maldita e silenciosa que chega e faz um estrago danado no corpo da gente", lembra.

Apesar de ter alta do hospital, Rogério se recupera do processo de tratamento. Precisou tirar sangue dezenas de vezes em partes diferentes do corpo e, agora, precisa redobrar a atenção com a respiração sem fazer grandes esforços.