Comércio no Brás segue no feriadão e ambulantes disputam cliente "no grito"
Na esquina entre as ruas Tiers e Alexandrino Pedroso, dezenas de vendedores ambulantes se aglomeram e disputam quem grita mais alto. O cantinho se perde entre as grandes —e vazias— ruas do Brás, bairro do centro de São Paulo famoso pelo comércio popular. A capital vive um megaferiado decretado pela prefeitura, iniciativa para aumentar o isolamento social entre paulistanos.
Devido à quarentena decretada pelo governador João Doria (PSDB), a maioria das lojas, que recebem centenas de pessoas todos os dias, estão fechadas. Mas quando a loja é pessoa física, ela não fecha nunca.
Cada carro que passa é assediado pelos comerciantes: dos tímidos, que, com a voz baixinha, oferecem "um casaquinho de lã, moça bonita?", aos incisivos —esses, que atropelam o veículo e enfiam um moletom na cara de quem dirige. A esquina se tornou o reduto dos ambulantes que, dia sim, dia não, fogem do "rapa" e que, em meio a um decreto que os impede de trabalhar, tentam sobreviver.
"Tá foda, viu? O movimento caiu, mas a gente tá aqui todo dia. De máscara, no frio, no sol e na chuva. Tem gente comprando, e, enquanto tiver gente comprando, estarei aqui vendendo", conta José, de 52 anos, cuja máscara preta cobre a feição que aparenta mais idade.
José segura dois moletons, um cinza e outro preto, um M e outro G. "Tá acabando a comida na minha casa. Com o que tenho vendido, pago só água, luz e compro comida. O aluguel já era".
Ele é interrompido por uma cliente de trinta e tantos anos, de cabelos loiros amontoados num corte chanel. "Desse cinza, cê tem GG?", pergunta. "Tenho, não, fia. Mas esse G aqui é grande, ó, acho que dá", argumenta o ambulante. A mulher franze a testa e balança a cabeça. "Tá, então vai naquele cara ali, ó, fala com ele, ele tem GG", desiste José. E volta os olhos à reportagem. "É, se a gente não vende, ajuda o amigo, né?".
A cliente era uma das poucas que, a pé, passeava pelo Brás em busca de roupas e quinquilharias. O serviço de compras passou a acontecer, de fato, como um drive thru. De dentro do carro, clientes se enfileiram e, por uns cinco minutos, analisam os produtos à venda —pendurados nos braços e ombros dos vendedores. Perguntam uma coisa ou outra, escolhem o que querem, entregam o dinheiro e seguem viagem.
Portinha secreta nos shoppings da região
Por volta das 7h30 do primeiro dia do megaferiado articulado pelo prefeito Bruno Covas, o movimento ainda era baixo na esquininha.
Tímidos e bocejantes, os ambulantes abriam toalhas para que fossem expostos os produtos que tinham a oferecer — no chão. Nas principais ruas de comércio, entretanto, os portões das lojas permaneciam abaixados: em frente a um shopping, um homem se atentava a quem chegava e a quem partia. À medida que algumas pessoas se aproximavam, ele, rapidamente, abria uma portinha lateral. Elas entravam, e a porta, de bate pronto, se fechava.
No centro do bairro, policiais militares divididos em duplas preenchiam as quadras da rua Oriente. A movimentação, um deles confirma, tem sido grande —"menos que o normal, mais do que deveria". O ambulante José conta à reportagem que a fiscalização aumentou: além do "rapa", tradicional confisco de produtos ilegais feitos pela Polícia Militar, ele garante que viaturas têm surpreendido os vendedores.
"Ontem, levaram todos os meus produtos. Pegaram nossas coisas e jogaram dentro das viaturas. A gente volta, né? Vai fazer o quê? Viver de quê? A gente fica de olho, mas a polícia tá chegando muito mais. É isso, eles 'rapam' a gente e a gente volta pra cá, vai ser assim sempre", diz.
Por eles, passavam não apenas carros de São Paulo, mas veículos registrados em cidades do interior e estados vizinhos. No meio-fio, guardadores de carro ofereciam aos clientes a possibilidade de deixarem o veículo por ali.
Às 11h, quando o sol queimava a cabeça e obrigava os vendedores a se deslocarem para o meio da rua, o movimento aumentou, e os carros se aglomeraram num pequeno engarrafamento. Uma ambulância tentou cruzar as ruas e, só depois de muito gritar, conseguiu passar.
Todos gritavam, de todos os lados, em português e em espanhol. Quem grita mais alto ganha. "Três calças jeans por R$ 100. Preço de atacado", subiu a voz um homem alto, forte, cuja idade não ultrapassa os 40 anos. Vendeu.
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