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'Me trataram como bicho', diz homem negro agredido pela polícia no DF

O vendedor ambulante Weliton Luiz Maganha, de 30 anos, agredido por policiais militares no DF - Arquivo Pessoal
O vendedor ambulante Weliton Luiz Maganha, de 30 anos, agredido por policiais militares no DF Imagem: Arquivo Pessoal

Jéssica Nascimento

Colaboração para o UOL, em Brasília

03/06/2020 16h57

O vendedor ambulante Weliton Luiz Maganha, de 30 anos, agredido por policiais militares em Planaltina (DF), na noite de segunda-feira (1), acredita que sofreu os ataques por ser negro, por não haver justificativa para a brutalidade de que foi alvo. "Me trataram como bicho. Achei que fosse morrer", disse.

O rapaz é de Niterói (RJ), de onde saiu há quatro anos para fazer um trabalho como missionário no Distrito Federal. Em Brasília, conheceu Gildete Corrêa, de 44 anos, e decidiu ficar. Trabalhou como gesseiro e caixa de supermercado. Por não conseguir emprego fixo, decidiu vender balas em ônibus.

Maganha, que mora com a mulher em Planaltina, tinha recebido havia poucos dias o auxílio emergencial do governo, de R$ 600. Foi ao supermercado comprar bebidas e comida. Na saída, ainda no estacionamento, foi abordado por dois policiais militares. Segundo ele, sem nenhum motivo. O único cliente a ser abordado e revistado.

"Só eu era negro ali. Se fosse um playboy de olho azul não teriam feito o que fizeram comigo. Fiz tudo o que pediram. Fiquei de costas, na parede. Não acharam nada e comecei a apanhar. Tudo por racismo, pela minha cor. Apanhei tanto. No vídeo, dá pra ouvir os estalos do cassetete. Machucaram minha cabeça, braço, costela... Estou todo lascado", disse o vendedor.

"Polícia deveria me proteger"

Maganha está com o braço imobilizado e tomando medicamentos para dor. Ele conta que as cenas não saem da cabeça, principalmente à noite. O vendedor também disse que nunca tinha sofrido um ataque racista.

"A polícia deveria me proteger, proteger todos nós. Não foi uma ação normal. Já viu polícia jogar pedra? Eu não fiz nada. Mesmo no chão, jogaram spray de pimenta em mim. Depois que me bateram, foram embora. Se eu fosse um criminoso ou tivesse desacato, iriam me levar para a delegacia", pontua o vendedor.

Na manhã de hoje, em companhia de dois advogados, Maganha foi ao IML (Instituto Médico Legal) fazer exame de corpo de delito. Um boletim de ocorrência foi registrado na 16ª Delegacia de Polícia, que investiga o caso.

Os especialistas, segundo o advogado de Maganha, Anderson Tiago Campos, confirmaram vários ferimentos, como lesão na clavícula e no ouvido, além de outras escoriações. O laudo deve sair em dez dias.

"Vamos protocolar requerimento no Conselho de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Também vamos pedir ressarcimento por dano moral. Houve excesso e principalmente racismo dos policiais. A justiça precisa ser feita", disse Campos.

Maganha está com o braço imobilizado e tomando medicamentos para dor - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Maganha está com o braço imobilizado e tomando medicamentos para dor
Imagem: Arquivo Pessoal

Não houve racismo, diz PM

A Polícia Militar do Distrito Federal informou que os envolvidos já foram ouvidos e afastados. Em nota, a corporação afirmou que "não há que se falar em atitude racista, mas de excesso na ação policial" e que trata-se de um cado isolado.

"A PMDF informa que foi instaurado Inquérito Policial Militar. As filmagens foram recolhidas como objeto de investigação", disse.

Questionada sobre o depoimento dos envolvidos, a Polícia Militar informou que o processo está em andamento e deve-se aguardar sua finalização.

Já a Secretaria de Segurança Pública do DF disse que está adotando todas as providências legais de apuração dos fatos ocorridos em vídeo que circula nas redes sociais.

"Já está em curso a instauração de Inquérito Policial Militar, e deixamos claro, desde já, que as atitudes dos policiais em questão em nada correspondem às diretrizes de abordagem e conduta preconizadas pela corporação".

Repercussão

O vídeo das agressões foi publicado nas redes sociais e já foi compartilhado mais de quatro mil vezes. O rapaz que presenciou e gravou o episódio conta que aguardava um amigo no estacionamento, dentro do carro, quando começaram as agressões.

O jovem relata que os agentes deram quatro golpes de cassetete em Maganha e, quando ele estava tentando correr, pegaram uma pedra e jogaram nele. "Um dos policiais ficou com raiva por alguma coisa que ele falou, jogou spray de pimenta com ele rendido, sem ter feito nada", disse ao UOL.

"Tinha família lá, cheio de criança vendo isso. Ele era o único negro no local, além de mim. É muito despreparo da polícia. É um sentimento de impotência tão grande. Fiquei paralisado. Poderia ser meu avô, meu tio ou eu. Somos todos negros", desabafa.

"Isso aconteceu em um momento muito significativo, por toda mobilização contra a morte de George Floyd e pelo menino João Pedro. Serve pra galera ver que isso acontece em todo o país, inclusive em Planaltina", concluiu o rapaz que presenciou as agressões.