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DF: Jovem picado por naja sai do coma; polícia investiga tráfico de animais

Jéssica Nascimento

Colaboração para o UOL, em Brasília

09/07/2020 23h12Atualizada em 10/07/2020 09h01

O estudante de veterinária Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkul, de 22 anos, acordou do coma, segundo familiares e amigos. O jovem está na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Maria Auxiliadora, desde a última terça-feira (07), quando foi picado por uma cobra naja. A Polícia Civil do Distrito Federal investiga o caso como tráfico de animais.

Segundo uma amiga do jovem, que preferiu não se identificar, Lehmkul conversou e agradeceu a equipe médica pelo socorro imediato. Ele ainda respira por ventilação mecânica. Por pedido da família, o hospital particular não divulgou o estado de saúde do universitário. Porém, a unidade afirmou que ele apresentou uma "leve melhora". A situação ainda é grave.

O UOL também apurou que o estudante está com necrose no braço e lesões no coração, causadas pelo veneno da cobra.

Policiais apreendem serpentes exóticas após denúncia - Divulgação/Polícia Militar Ambiental - DF - Divulgação/Polícia Militar Ambiental - DF
Policiais apreendem serpentes exóticas após denúncia
Imagem: Divulgação/Polícia Militar Ambiental - DF

16 cobras exóticas escondidas

A 14ª Delegacia de Polícia Civil, localizada no Gama, investiga o caso. Segundo o delegado Ricardo Bispo, na casa do jovem os policiais encontraram objetos que indicavam que no local eram criadas outras serpentes.

Após uma denúncia anônima, o BPMA-DF (Batalhão da Polícia Militar Ambiental do Distrito Federal) encontrou 16 cobras exóticas em uma fazenda no Núcleo Rural Taquara, em Planaltina, a 73 km de distância de onde o estudante foi picado.

"Com o apoio do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais], conseguimos confirmar que ele criava animais proibidos na casa dele. Após ouvirmos algumas pessoas, chegamos a um grupo de estudantes de veterinária de classe média para alta que tem interesse em estudar animais exóticos e, por isso, obtinha esses animais. Esse grupo tinha até um presidente", explicou o delegado.

De acordo com o delegado, o jovem que foi picado seria dono de todas as serpentes. Ao UOL, o major Elis Cunha do BPMA-DF explicou que as cobras estavam dentro de caixas, escondidas em uma baia de cavalo. O caseiro da fazenda informou aos policiais que o amigo da vítima deixou os animais ontem à noite no local.

"O caseiro nos informou que o amigo do jovem que foi picado é conhecido do dono da fazenda. Ele apareceu ontem no local com as 16 caixas, disse que deixaria por lá e buscaria no dia seguinte. O caseiro também relatou que ele foi embora com uma cobra, possivelmente a naja que encontramos no shopping", disse.

Tráfico de animais e maus-tratos

O delegado também informou que existe a suspeita de que mais serpentes exóticas do estudante estejam escondidas. Além de tráfico de animais, o jovem pode responder por maus-tratos. De acordo com Bispo, a polícia teve dificuldades para encontrar a naja, que só foi localizada ontem à noite, por volta das 19h, após horas de busca.

Serpente foi encontrada escondida em caixa  - Divulgação/Polícia Militar Ambiental do DF - Divulgação/Polícia Militar Ambiental do DF
Serpente foi encontrada escondida em caixa
Imagem: Divulgação/Polícia Militar Ambiental do DF
A naja estava dentro de uma caixa em um local próximo a um shopping no Setor de Clubes Sul. Segundo o batalhão, só depois de muita conversa que um amigo da vítima informou sobre a localização da cobra.

"Tudo ainda vai ser investigado. Mas o rapaz dificultou o trabalho da polícia. Deu localizações diferentes de onde o animal estaria, além de ter escondido as outras serpentes. Esse grupo de estudantes supostamente teria esses animais porque têm interesse para fins de pesquisa. Tudo sem autorização", pontua o delegado Bispo.

A naja, segundo a Polícia Militar, era criada ilegalmente na casa de Lehmkul. Nas redes sociais, o estudante de veterinária publicava várias fotos com cobras. Depois do caso ser publicado na mídia, as imagens foram apagadas.

O animal está na Fundação Jardim Zoológico dentro de uma caixa. Segundo o Ibama, só poderá sair do local quando um soro, contra o veneno da naja, for produzido.

As serpentes foram encaminhadas para a 14ª Delegacia de Polícia, no Gama, onde serão incorporadas ao processo. Após o procedimento, serão encaminhadas ao Ibama para reconhecimento das espécies.

Cobra nasceu em cativeiro, diz Ibama

O Ibama informou que o estudante de medicina veterinária será multado — o valor pode variar entre R$ 500 e R$ 5 mil. Segundo o instituto, a naja tem coloração diferente da apresentada por sua espécie, sem melanina. Por isso, acredita-se que ela nasceu e foi mantida em cativeiro. O animal não deve ficar no zoológico e provavelmente será encaminhado para um instituto de pesquisa.

"Acreditamos que o próprio Instituto Butantan receberá a cobra. Mas ainda estamos estudando qual local poderá recebê-la. Estamos tendo todo o cuidado. Portanto, para evitar qualquer acidente, é procedimento padrão a deixarmos dentro da caixa ", relatou o Ibama.

Veneno pode matar em 60 minutos

Segundo o biólogo e diretor de répteis, anfíbios e artrópodes do Zoológico de Brasília, Carlos Eduardo Nóbrega, o veneno da Naja pode matar um ser humano em apenas 60 minutos após a picada.

"Não existe registro oficial de entrada desse animal no DF. Ele não poderia estar sendo criado por uma pessoa física. Essa espécie é encontrada principalmente na Tailândia. É uma das grandes responsáveis por acidentes na Ásia", explica. A cobra naja é encontrada na África, no Sudoeste da Ásia, Sul da Ásia e Sudeste Asiático.

Nóbrega também informou que o veneno da cobra atinge o sistema neurológico central do ser humano, afetando a respiração e a noção de espaço e tempo. A vítima também fica sonolenta.

"Se você não mexer com essa espécie, ela vai embora. Não ataca. Mas se ela se sentir ameaçada, levanta o corpo e se prepara para o bote. Porém, se o humano ou animal insistir, a naja vai picar. Ela picou exclusivamente por defesa, até porque essa cobra não tem capacidade física de engolir um ser humano", pontuou.

Soro foi enviado emergencialmente, diz Butantan

O soro enviado pelo Instituto Butantan, que fica em São Paulo, é usado para emergências, caso ocorram ataques no local, já que a entidade de pesquisa possui algumas espécies da cobra Naja.

"O Instituto Butantan informa que não produz e nem disponibiliza soro antiveneno para acidentes com naja, uma vez que é uma espécie exótica. A instituição somente mantém o soro em sua unidade hospitalar de atendimento para eventuais acidentes com pesquisadores que realizam estudos com o animal na instituição", informa o Butantan.

"Nesta terça-feira (7), foram enviadas doses desta reserva para ao Hospital Maria Auxiliadora (DF) atendendo a uma solicitação em caráter emergencial. O Butantan ainda conta com uma pequena reserva do soro e já está providenciando a reposição do estoque para uso interno por meio de importação", acrescenta em nota.