Baniwa: Indígenas reunidos com Salles agiram como "capitães" na ditadura
Os indígenas supostamente ligados a atividades de garimpo e que viajaram do Pará a Brasília no mês passado em uma aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira), para uma reunião no Ministério do Meio Ambiente, agiram de modo semelhante ao dos "capitães" cooptados nas comunidades indígenas pelo governo militar (1964-1985), nas décadas de 1970 e 1980, nas tentativas de invasão da Amazônia por atividades de mineração.
A comparação foi feita hoje pelo líder indígena, empreendedor social e escritor André Baniwa, de 49 anos, entrevistado no ciclo de debates Conversas na Crise - Depois do Futuro, parceria do UOL com o IdEA (Instituto de Estudos Avançados) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Além do apresentador, o jornalista Paulo Markun, participaram desta edição o repórter e colunista do UOL Rubens Valente, o professor Gustavo Soranz e o poeta e linguista Carlos Vogt, presidente do Conselho Científico e Cultural do IdEA.
A viagem a que Baniwa se referiu aconteceu no dia 6 de agosto, quando a FAB cedeu um avião para levar "lideranças indígenas" das terras Munduruku até a capital federal para uma reunião com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Um dia antes da viagem, Salles esteve na região de Jacareacanga, no Pará, onde havia se encontrado com garimpeiros alvos de investigação do Ibama (Instituto Brasileiro e e dos Recursos Naturais Renováveis). O MPF (Ministério Público Federal) abriu inquérito para investigar o uso de uma aeronave da FAB.
Para o ativista, o fato de "o governo cooptar as lideranças indígenas para viabilizar seu projeto", em uma espécie de "empoderamento" de indígenas favoráveis à mineração —o que acaba também dividindo grupos de visões distintas dentro das tribos, por exemplo —não é uma tática exclusiva da atual gestão.
Sempre haverá na sociedade que, no meio das sociedades indígenas, pode-se ter as coisas com facilidade; em cima do garimpo, de ouro, da mineração, está associado o discurso de milagre. Por exemplo, em cima do Rio Negro, os políticos falam assim: 'Os índios são pobres e pisam em cima da riqueza'. Para quem escuta, parece que é fácil.
Baniwa prossegue: "Essas estratégias pela invasão das terras indígenas são antigas, de antes da Constituição de 1988. Por isso, na região do Rio Negro, o que era cacique antigamente hoje é capitão. Na história [contada no acervo] do Museu de Belém se tem o registro que explica o que é esse nome, porque os brancos colonizadores chegavam, e o cacique dizia: 'Ninguém vai lá para falar com essa turma, porque a gente não a conhece. Deixa virem sozinhos para cá'. Mas aí sempre tinha um desobediente —na história da humanidade sempre tem desobediência— que ia lá visitar os colonizadores, fazer amizade, tomar café", conta.
"Por isso que, nessa época da colonização, se criou a figura de capitão: na verdade, estavam criando a figura indígena para ser representante dos colonizadores para dentro da maloca. É isso que estão fazendo novamente. Não estão considerando, valorizando o que diz a Constituição, onde nos apegamos e onde diz que temos direitos de nos organizar como comunidade, com personalidade jurídica, em associações, para defendermos nossos objetivos, nossos interesses", define.
Baniwa destaca que a mineração em terras indígenas não está absolutamente proibida pela Constituição, mas ressalva que, para isso, é preciso que se crie uma legislação específica orientando como isso deve ser feito. "É assim que eu entendo a mineração. A partir do momento em que eu defendo meu povo, vou lidando com os direitos que o meu povo tem", conclui.
Covid-19 em terras indígenas
Ao todo, os cerca de 7.000 integrantes do povo Baniwa estão distribuídos em 90 comunidades. Após 300 anos de contato com os brancos, 80% deles são evangélicos, e 20%, católicos. O líder indígena conta que ao menos oito integrantes da tribo morreram em decorrência da Covid-19 este ano.
As piores perdas para a doença nas comunidades indígenas em geral, ele avalia, são as de anciãos e que isso representa "uma perda enorme de conhecimentos", compara. O conhecimento da floresta e da língua são os mais afetados.
Quem chega a nível médio e faculdade não consegue ser guardião de um conhecimento. Quem se dedica integralmente durante sua vida é que consegue acumular seus conhecimentos, e não se sistematiza isso nos livros.
"O Estado brasileiro deveria se preparar melhor para esse tipo de coisa", pondera Baniwa, para quem, no entanto, a ameaça mais forte a seu povo é a mineração.
E quem ganha a guerra entre o bem e o mal nas tradições seculares dos Baniwa? "Sempre achamos que vamos ganhá-la, mas não evitá-la. Por isso as alianças nossas com universidades, jornalistas, instituições governamentais e não governamentais são importantíssimas ao povo indígena. É preciso somar forças."
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