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SP: Justiça analisa se PMs forjaram confronto para "desovar" arma ilegal

Polícia realizou operação no 5º Batalhão na Zona Norte de São Paulo (SP) no mês de junho - NEWTON MENEZES/ ESTADÃO CONTEÚDO
Polícia realizou operação no 5º Batalhão na Zona Norte de São Paulo (SP) no mês de junho Imagem: NEWTON MENEZES/ ESTADÃO CONTEÚDO

Flávio Costa e Josmar Jozino

Do UOL, em São Paulo e Colaboração para o UOL, em São Paulo

01/10/2020 13h02

A Justiça de São Paulo analisa processo no qual decidirá se o tenente Diego Reginaldo Pereira, 29, o cabo Douglas de Oliveira Santos, 34, e outros PMs da Força Tática do 5º Batalhão mataram um homem ainda não identificado e forjaram a cena do crime para esconder o homicídio. A suposta ocorrência de resistência seguida de morte foi registrada em dezembro de 2019 na zona norte de São Paulo.

No final de junho, o 5º Batalhão foi alvo de uma operação com objetivo de buscar provas de um esquema de corrupção que incluía o tráfico de drogas apreendidas por PMs da unidade militar.

Uma denúncia encaminhada por email à Polícia Militar, Polícia Civil e Ouvidoria das Polícias, em setembro de 2019, informava que o pelotão da Força Tática iria matar uma pessoa com passagem criminal para colocar ao lado do corpo um fuzil que os próprios PMs da equipe roubaram de um criminoso durante abordagem. Há suspeita de que a arma estivesse sob posse da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Segundo o autor da denúncia, os PMs flagraram o criminoso, que seria do PCC, com o fuzil, mas em vez de prendê-lo, tomaram a arma e o dinheiro dele e o liberaram. Ainda de acordo com a denúncia, a equipe da Força Tática, para não ser incriminada, iria simular uma troca de tiro, matar alguma pessoa e colocar o armamento ao lado da vítima para justificar a apreensão.

Três meses após do envio do email como alerta, mais precisamente às 2h50 do dia 21 de dezembro de 2019, o tenente Diego, o cabo Douglas e outro cabo se envolveram em uma suposta ocorrência de morte decorrente de intervenção policial na rua Lavínia Pacheco e Silva, Tucuruvi, zona norte de São Paulo.

Com o morto foram apreendidos um fuzil Colt Sporter Competition e um revólver calibre 40, cuja numeração estava raspada. Os PMs alegaram que foram verificar uma ocorrência envolvendo dois veículos ocupados por suspeitos com a intenção de roubar caixas eletrônicos.

Em resposta, a Polícia Militar afirmou que o "IPM que foi relatado, encerrado e encaminhado à Justiça Militar". O caso foi distribuido depois para a Justiça comum. O UOL apurou que um inquérito criminal segue aberto pela Polícia Civil para apurar o caso.

Morto em tiroteio acabou enterrado como indigente

Na versão dos PMs foram localizados dois carros pretos, um parado ao lado do outro. Os policiais disseram à Polícia Civil que os desconhecidos atiraram contra a guarnição e que o ocupante de um Corsa com placas de Sergipe foi atingido no revide. Ele levou cinco tiros — três no peito — e morreu. Os comparsas fugiram.

A pessoa morta, até hoje não identificada e enterrada como indigente, era parda, tinha aproximadamente 1,85 metro, 80 kg, cabelos pretos e curtos. Apresentava tatuagens no corpo, uma delas com o número 15 (como é conhecido o Primeiro Comando da Capital — "15 3 3") no dorso da mão esquerda, além da palavra Sílvia e o desenho de um demônio no antebraço esquerdo.

No dia 24 de dezembro de 2019, a Corregedoria da PM recebeu um outro email com novas denúncias. Dessa vez o autor informava que o cabo Douglas guardava arma com numeração raspada no armário e tinha um telefone celular tomado de uma pessoa abordada. Segundo o denunciante, o tenente Diego também tinha uma arma fria e iria sair à rua para matar.

O tenente Diego e o cabo Oliveira já eram investigados por ocorrência anterior também registrada como morte decorrente de intervenção policial. O caso aconteceu às 21h20 do dia 15 de julho de 2019 numa favela na Vila Maria, zona norte. Luan Ricardo Redigolo, 24, morreu em suposto tiroteio e com ele foram apreendidos uma réplica de fuzil e espingarda calibre 12.

Denúncias apontam que PMs extorquiam traficantes no "mensalão do tráfico"

Ainda segundo denúncias feitas à PM, o pelotão da Força Tática extorquia traficantes de drogas da região do Jardim Brasil, na zona norte, e cobrava propina de R$ 7.500 para não prender os criminosos. O esquema passou a ser chamado de "mensalão do tráfico".

A Corregedoria da Polícia Militar instaurou o IPM (Inquérito Policial Militar) 034/57/19 para apurar as denúncias feitas contra os policiais.

O advogado Eduardo Martinelli, defensor do tenente Diego e do cabo Douglas, disse que as denúncias feitas contra seus clientes são totalmente infundadas.

Segundo Martinelli, nada de ilícito foi encontrado com o tenente e o cabo durante a operação realizada pela Corregedoria da PM na sede do 5º Batalhão, no dia 25 de junho. O advogado afirmou ainda que seus clientes são inocentes.

O UOL também procurou a Polícia Militar na manhã de domingo (27) para saber o resultado da operação realizada pela Corregedoria no 5º Batalhão, em junho deste ano, e se os PMs alvos foram afastados do serviço ou se continuam trabalhando.

Policiais buscam identidade de denunciantes

No mês passado, o tenente Diego e cabo Douglas entraram com ação na Justiça solicitando ao Google a quebra de sigilo telemático (emails e mensagens) para apurar quem enviou as denúncias à Polícia Militar. O processo está em andamento e o pedido não foi analisado.

As denúncias sobre o "mensalão do tráfico" e a suposta ocorrência com morte decorrente de intervenção policial envolvendo os PMs da Força Tática foram divulgadas em janeiro deste ano pelo site Ponte Jornalismo.

A Polícia Militar afirmou que o inquérito que fiscaliza as ações de agentes do 5º Batalhão "segue em andamento e suas ações são sigilosas".