SC: Viveu intensamente, diz mãe de criança de 9 anos que morreu de covid-19
Os últimos seis meses de 2020 foram de intensa luta de Davi Novaes Stehl, 9 anos, pela vida. Neste período, o estudante catarinense estava se tratando de leucemia e faleceu no dia 31 de dezembro de 2020, por complicações da covid-19.
Por causa do menino, a rotina da família mudou completamente. Moradores de Mirim Doce (SC), cidade com aproximadamente 2,6 mil habitantes localizada no Alto Vale do Itajaí, a cerca de 250 km de Florianópolis, tiveram que se mudar às pressas para Blumenau. A mãe é autônoma; o pai, caminhoneiro, profissão que a criança queria seguir. Além do primogênito, a família tem dois meninos, de 5 anos e de 9 meses, respectivamente.
No início de julho, Davi começou a sentir dores de cabeça e vômitos. Com a mãe, foi até a uma unidade de saúde na cidade, onde recebeu o diagnóstico de doença do trato gastrointestinal e recebeu medição que não resolveu o problema. Após fazer exames complementares, foi descoberta alguma anormalidade e ele precisava ser internado com urgência.
"Foi um susto muito grande, pois acharíamos que poderia ser covid-19 e o Caleb (o mais novo dos filhos) ainda estava com três meses de idade. Foi um desespero", relembra Edilaine Novaes dos Santos, mãe de Davi, em entrevista ao UOL.
A mãe de Davi compartilhou o resultado do exame para uma amiga, que encaminhou para uma oncologista de Blumenau. Quando chegou ao pronto-socorro em Pouso Redondo, cidade vizinha, para internar o filho, Edilaine recebeu um telefonema da médica dizendo que já tinha uma vaga da UTI reservada para o Davi em Blumenau. Só restou avisar a família e se deslocarem até o Hospital Santo Antônio, a cerca de 130km.
O pai, que estava em outra cidade, conseguiu alcançar a ambulância durante o trajeto, no meio da viagem. Já na unidade hospitalar, o casal recebeu a informação que Davi estava com leucemia.
"A gente saiu de casa no dia de 2 julho e não voltamos mais. Saí com uma muda de roupa e uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Não sabíamos que nos esperava dali para frente", conta.
Inicialmente, a família de Davi ficou na casa da madrinha de Caleb, que morava em Blumenau. Depois eles se mudaram para um apartamento emprestado e, nos últimos meses, se transferiram para outro maior, com ajuda de amigos e familiares, já que tiveram que parar de trabalhar. Enquanto isso, Davi se revezava entre o apartamento e o hospital, onde ficava internado periodicamente para fazer a quimioterapia.
"Ele estava vencendo. Era um tratamento bem agressivo, difícil, cheio de altos e baixos, de alto risco", afirmou.
A previsão de volta para casa era em abril deste ano, mas ainda com a sequência do tratamento, que teria a duração de dois anos. Durante o mês de dezembro, entre as sessões, Davi teve uma bacteremia, que é a presença de bactérias no sangue. Logo depois, o quadro se agravou, contraiu pneumonia e na, sequência, testou positivo para a covid-19. Já bastante debilitado, a criança não resistiu e morreu no último dia de 2020.
Não se sabe como Davi foi infectado. Além dele, apenas a avó materna e o avô paterno contraíram a doença.
Católica, a família fazia corrente de orações à espera de um milagre, antes de Davi falecer. "Só que nem tudo que Deus faz é da forma que a gente quer. E também nem todo milagre é da forma que a gente quer. Hoje compreendo que Deus curou o Davi (da leucemia), só que levou Davi para junto d'Ele. Acabou o sofrimento, as incertezas. Só vamos lidar com a dor da saudade", lamentou.
Nas redes sociais, milhares de pessoas prestaram homenagens, entre elas a equipe médica que cuidou da criança no hospital.
"Davi nos ensinou tanto sobre fé, força, garra e resiliência que não é possível descrever. Esse sorriso doce, o olhar meigo e o jeito brincalhão vinha acompanhado de muita maturidade pra quem só tinha 9 anos de idade! Davi enfrentou todas as suas batalhas como um gigante, nunca deixou a peteca cair, alguns dias mais frágeis, mas sempre ali forte e esperançoso", escreveu a enfermeira Manoella Souza.
Esperto, fez desenho sobre a covid-19
"Ele sempre foi um menino muito ativo, esperto. O Davi viveu intensamente", recorda a mãe.
Edilaine conta que o filho tinha certa independência, que ia ao mercado comprar produtos para a casa e ia sozinho ao barbeiro, além de realizar outras tarefas "de adulto". Mas era com a bicicleta os momentos de maior alegria.
"Vivia fazendo 'malandragem' aqui na rua — andava, freava, empinava. Coisas de criança feliz", conta.
No Dia das Crianças, ele chegou a ganhar do melhor amigo, vizinho dele, uma bicicleta nova, que pouco foi usada por conta do estado de saúde. Também assistia a muitos vídeos na internet, reproduzindo e construindo ferramentas.
No dia 16 de junho, antes de ser diagnosticado com leucemia, Davi desenhou a representação do novo coronavírus em uma folha em branco. Edilaine não se recorda em qual contexto a arte foi feita, se por vontade própria ou algum trabalho escolar. Na folha, ao lado do desenho, a frase escrita por ele: "Estamos combatendo este vírus, logo a existência dele não será mais conhecida na Terra!"
"Lembro que ele desenhou aqui na mesa e eu guardei na Bíblia. Aí quando fui pegá-la e me surpreendi com o papel. Ironia do destino", contou.
SC registrou 8 mortes em crianças por covid-19
O estado catarinense confirmou 515.209 casos do novo coronavírus desde o início da pandemia, segundo o boletim divulgado diariamente no início da noite de hoje.
Do total, 13.889 crianças de até nove anos já contraíram a doença, sendo que oito delas morreram.
Ao todo, Santa Catarina possui 5.584 óbitos desde o começo da pandemia.
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