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Após mortes, comitê pede 'revisão profunda' a supermercados contra racismo

João Alberto foi morto em um Carrefour em Porto Alegre na véspera do Dia da Consciência Negra - 19.nov.2020 - Reprodução
João Alberto foi morto em um Carrefour em Porto Alegre na véspera do Dia da Consciência Negra Imagem: 19.nov.2020 - Reprodução

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

13/01/2021 00h01Atualizada em 21/01/2021 12h09

Em meio a um histórico recente de casos de racismo em supermercados, a Oxfam Brasil pede que essas empresas "encarem" o tema, lembrando o assassinato de João Alberto em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre no ano passado.

A recomendação está em um informe do comitê intitulado "Uma Análise da Responsabilidade Corporativa com Respeito aos Direitos Humanos nas Cadeias Produtivas dos Maiores Supermercados do Brasil", lançado hoje pela organização brasileira, que participa de uma rede global que tem como foco o combate às desigualdades, à pobreza e às injustiças e atua em cerca de 90 países por meio de campanhas, programas e ajuda humanitária.

"Não teria como a gente soltar um relatório neste momento em que a gente não trouxesse à luz esta questão racial", diz ao UOL Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil.

Maia diz que a cadeia produtiva possui alguns trabalhadores rurais atuando sem condições dignas. "A maioria [dos funcionários] é formada por negros e pardos. Você tem uma cadeia de fornecimento que vai reafirmando esse racismo que está na sociedade."

A pergunta é simples: quem são os mais prejudicados? No final, vamos chegar sempre aos negros
Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil

Além do supermercado

Para ela, um supermercado que está comprometido com o combate ao racismo não pode se importar apenas para suas próprias ações. "Ele vai olhar desde quando começou o produto até chegar à sua prateleira. Porque tem que ter o compromisso de colocar produtos que respeitaram os direitos humanos, enfrentando o racismo."

No relatório, a Oxfam pontua que "os grandes supermercados, além de empregarem milhares de pessoas, lidam com milhões de clientes mensalmente e influenciam as realidades das pessoas em suas cadeias de valor". "Sem encarar o racismo institucional, a maioria da população brasileira, que é formada por pessoas negras e que se relacionam com os supermercados nestas esferas, pode estar em risco."

Para a Oxfam, os casos de racismo demandam que os mercados façam uma "revisão profunda". Como medidas, a organização pede que os mercados avancem além da "diversidade" e busquem ter mais negros em suas cúpulas de administração.

"Uma resposta séria dos supermercados ao racismo deve necessariamente envolver uma revisão profunda de suas políticas, processos, práticas e relações comerciais, incluindo seus prestadores de serviços", diz a Oxfam, que pede participação de lideranças do movimento negro no processo.

Mortes e violência

No documento, é citado que o Carrefour é "reincidente em episódios racistas e violentos". "Esses cidadãos e cidadãs são vigiados e seguidos dentro de estabelecimentos em função da cor da pele; são vistos e tratados como suspeitos; são abordados e constrangidos a provarem inocência sob alegações infundadas e discriminatórias. Muitas vezes são vítimas de violência chegando, em situação extremas, à morte."

Além do assassinato de João Alberto, é mencionado o espancamento do qual foi alvo Januário Santana, em 2009, em uma unidade do Carrefour em Osasco, na Grande São Paulo.

Já o Grupo Pão de Açúcar é citado pela morte de Pedro Gonzaga em uma loja do Extra em 2019 no Rio. No mesmo ano, houve um caso de tortura em unidade de São Paulo.

Em nota, o Carrefour diz que "repudia qualquer prática que viole os direitos humanos ou a legislação trabalhista". A empresa também diz que "a adequação dos produtores e fornecedores às boas práticas sociais é inegociável". "Para serem parceiros da rede, os fornecedores precisam seguir padrões de qualidade e cumprir requisitos sociais, trabalhistas, ambientais e éticos, condições que também são formalizadas em contrato."

Sobre racismo, o Carrefour pontua que "tem um compromisso de longo prazo no apoio e promoção a projetos de diversidade e inclusão como forma de contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e inclusiva". "Desde o fim de 2020, após a morte do João Alberto na loja de Porto Alegre, o Carrefour reforçou fortemente as ações de combate ao racismo, assumiu compromissos públicos e um plano de curto, médio e longo prazo para aprimorar as práticas, reforçar a luta antirracista e promover a urgente inclusão social de negros e negras."

Já o Grupo Pão de Açúcar, responsável pelo Extra, diz que "tem a inclusão e a diversidade como valores e compromissos assumidos em seu Código de Ética e também em sua Política de Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos". O grupo também diz que "condena atitudes discriminatórias e/ou racistas". "Além disso, acredita que ações afirmativas são ferramentas de inclusão e diminuição das desigualdades."

O Pão de Açúcar diz que, na área de segurança, tem "formação exclusiva sobre racismo estrutural, diversidade e direitos humanos para todos funcionários e prestadores de serviço", além de capacitar "colaboradores para se tornarem multiplicadores da diversidade em cada loja".

"O grupo entende que o combate ao racismo e a busca pela equidade racial é um caminho que precisa ser percorrido com afinco por todos —empresas privadas, governos, entidades do terceiro setor e toda a sociedade— continuamente."

Procurada, a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) não se manifestou.

Para haver mudanças, recomenda-se que o racismo seja abordado nas empresas "de forma sistemática e planejamento e não com um simples treinamento". "É necessário que as empresas promovam internamente o debate sobre a branquitude e a presença do racismo nas suas instituições, com participação de todas e todos. Essa deve ser uma prioridade", diz a Oxfam.