Sargento admite estar em vídeo do crime, mas nega que matou jovem Guilherme
O sargento da Polícia Militar Adriano Fernandes de Campos foi interrogado na terça-feira (26) em audiência de instrução no processo em que ele é réu, acusado de ter matado o adolescente negro Guilherme Silva Guedes, 15, em junho de 2020, na Vila Clara, zona sul de São Paulo. Ele admitiu que aparece armado em vídeo decisivo para a acusação, mas nega a autoria do crime.
A morte de Guilherme causou protestos na região em virtude da crueldade do crime, do envolvimento de policiais militares e pelo fato de o jovem ser querido pela comunidade.
A audiência foi a última antes de o juiz do caso, Roberto Zanichelli Cintra, da 1ª Vara do Júri, decidir se Adriano irá ou não a júri popular por homicídio qualificado por motivo torpe e emprego de meio cruel que impossibilitou a defesa da vítima.
Guilherme foi sequestrado e recebeu um tiro não letal na boca antes de ser morto, segundo o promotor Neudival Mascarenhas Filho, que denunciou o PM.
Adriano foi preso em junho e está preso preventivamente desde agosto.
No vídeo, Adriano e o ex-soldado da PM, Gilberto Eric Rodrigues, que está foragido, aparecem no local em que Guilherme foi visto pela última vez, perto da casa de sua avó, na Vila Clara. O vídeo foi decisivo para ajudar a polícia a identificar os dois acusados e a prender Adriano.
Foi a primeira vez que Adriano falou sobre o crime, pois ele optou por se manter em silêncio durante a investigação conduzida pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil. Como está foragido, o processo em relação a Gilberto foi desmembrado. Ele é suspeito de 70 homicídios.
É ele no vídeo, mas ele não abordou o Guilherme. Quando ele aparece no vídeo, Guilherme não está na cena.
Mauro Ribas, advogado que, que junto de Renato Soares, defende o policial militar
Segundo Ribas e seu sócio, Adriano fazia uma ronda nos postos atendidos pela empresa de zeladoria de sua propriedade, a Campos Forte portaria, que era responsável pela segurança de um terreno da empreiteira Globalsan, conhecido na Vila Clara, como "terreno da Sabesp".
O terreno é vizinho a um atacadista e moradores do bairro passavam por ele, segundo apurou o UOL, para apanhar comida jogada fora por um supermercado após perder a validade.
Ribas nega a versão e diz que ferramentas e equipamentos da empresa foram furtados nessas ocasiões. Sobre o fato de não ter sido prestada queixa desses furtos pela empresa à Polícia Civil, o advogado afirma que a PM foi chamada ao local e fez um talão de ocorrência. A defesa de Adriano frisa que Guilherme não tem qualquer envolvimento com os supostos furtos.
Mãe de Guilherme queria ver Adriano pessoalmente e lhe fazer uma pergunta
Além do interrogatório de Adriano, foram ouvidas seis testemunhas, entre elas a mãe de Guilherme, Joyce Silva, e Kauana Guedes, tia da vítima. Elas pediram ao juiz para ver Adriano na audiência, mas isso não ocorreu.
Joyce disse que, se tivesse a oportunidade, gostaria de fazer uma pergunta ao sargento. "Eu perguntaria a ele qual a sensação de hoje conhecer a verdade e saber que ele matou um inocente".
Ela e Kauana contaram ao UOL após a audiência que responderam apenas perguntas do Ministério Público e que nem o juiz, nem a defesa de Adriano, lhes fizeram perguntas.
Joyce contou como foram os últimos momentos de Guilherme com ela. "Estava fazendo um churrasco em casa. A avó paterna dele pediu para voltar para casa e ele, que estava passando um dias lá, desceu com ela".
Kauana foi a última pessoa a ver Guilherme com vida e foi quem acionou familiares e vizinhos para procurá-lo. Já na primeira noite de buscas, a família recebeu a informação de que os seguranças do terreno levaram Guilherme e foram ao local no dia seguinte e obtiveram o telefone de Adriano. A avó dele, Vera Lúcia Rodrigues, mandou uma mensagem de áudio para o sargento, que visualizou o áudio e a bloqueou em seguida.
Mãe e tia foram barradas pela segurança do Fórum
Joyce e Kauana chegaram a ser impedidas de entrar no Fórum da Barra Funda, local da audiência. Elas vestiam uma camiseta com a foto de Guilherme e as frases: "amor além da vida" e "menino de ouro".
Segundo os seguranças, o uso de camisetas com alusões às vítimas não é permitida e elas não poderiam depor. O UOL procurou a assessoria de comunicação do TJ para perguntar qual lei baseava a proibição.
De acordo com a assessoria, houve um mal-entendido, pois os funcionários entenderam que já seria uma sessão do júri popular, circunstância em que tais camisetas são proibidas — por determinação do TJ — para não influenciar os jurados. Em audiência de instrução não haveria tal proibição.
Antes da resolução do problema, o que levou meia hora, Joyce e Kauana foram até uma escola pública próxima ao fórum e vestiram a camiseta do avesso e, dessa forma entraram no Fórum e ficaram vestidas assim até o final de seus depoimentos.
Joyce afirmou estar confiante que Adriano será levado a júri popular. "As pessoas com quem conversamos garantem que ele vai a júri e que pode ser rápido", disseram.
O UOL procurou o Ministério Público, que não se manifestou. Os advogados de Adriano não quiseram comentar se Adriano irá ou não a júri. "Isto é o juiz que decide, vamos esperar. Vamos pedir a impronúncia [que ele não vá a júri]", disse Ribas.
O próximo passo é a apresentação de memoriais (alegações finais) pela defesa e pelo MP. Após essa fase processual, a Justiça definirá se o sargento Adriano irá ou não a júri popular pela morte de Guilherme Guedes, 15. Não há prazo para a decisão judicial. A imprensa não foi autorizada pelo juiz a acompanhar a audiência, em virtude de restrições causadas pela pandemia de covid-19.
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