Topo

Esse conteúdo é antigo

Homem fica 88 dias preso após criminoso morto em 2014 usar sua identidade

Leandro Leite Silva, técnico de som preso em outubro, sob alegada partipação em tráfico de drogas; Defensoria Pública conseguiu liberdade dele - Reprodução
Leandro Leite Silva, técnico de som preso em outubro, sob alegada partipação em tráfico de drogas; Defensoria Pública conseguiu liberdade dele Imagem: Reprodução

Bruna Barbosa Pereira

Colaboração para o UOL, em Cuiabá

02/02/2021 13h59

Em 26 de outubro, a vida do técnico de som e iluminação Leandro Leite Silva, de 35 anos, mudou de forma trágica após um policial disfarçado de entregador chamá-lo no portão da casa onde mora com a família, em Cuiabá.

Naquele dia, ele foi levado para a Cadeia Pública do Capão Grande, em Várzea Grande (MT), na região metropolitana da capital mato-grossense. Quatorze dias depois, ele transferido para a Penitenciária Central do Estado por tráfico de drogas.

Leandro ficou preso na PCE até 22 de janeiro, 11 dias após a mulher dele procurar a Defensoria Pública de Mato Grosso. O verdadeiro condenado, Renan dos Anjos, morreu em 2014 após confronto com a Polícia Militar e fingiu ser Leandro quando foi preso dois anos antes, em Rondonópolis (MT).

"Quando perguntei o motivo, mandou calar a boca e disse que eu estava preso. Disse que nunca tinha mexido com drogas, mas minha palavra naquela hora não valeu nada", relatou.

Leandro, que não tem passagens criminais, foi informado de que estava condenado a 14 anos em regime fechado. De acordo com a assessoria de imprensa da Defensoria Pública de Mato Grosso, o técnico de som e iluminação não passou por custódia, pois tinha mandado de prisão em aberto.

O procedimento seria destinado apenas para casos de acusados presos em flagrante. Quando chegou no Capão Grande, Leandro se deparou com a realidade da prisão. Foi mandado para uma cela com 17 detentos em meio a pandemia do novo coronavírus.

Por lá, ficou durante duas semanas e nem sequer conseguiu dormir em uma cama por conta da grande quantidade de presos no mesmo espaço.

Ele só se deu conta de que ninguém acreditaria que era inocente quando percebeu que estava detido no Capão Grande há 10 dias. Ao UOL, ele afirmou que tentou explicar a situação ao receber o mandado de prisão, mas, mais uma vez, não foi ouvido.

"Foi quando percebi que não iria embora mesmo, que se fossem me tirar, já tinham tirado. Entendi que seria levado para a PCE. Não conseguia falar com ninguém, então já imaginava o que aconteceria."

Transferência para presídio de alta periculosidade

Quando chegou na PCE, o técnico de som e iluminação tentou falar com uma assistente social e explicar que era inocente. Desacreditado, foi levado para uma cela pequena com 24 presos e informado de que os detentos que estavam ali cumpriam um tipo de castigo.

Leandro contou que, naquele ponto, já estava com crises de ansiedade e dificuldade para comer e dormir.

"Nunca passei por isso, nunca colocaram uma algema no meu braço e, de repente, me levaram para um presídio de segurança máxima", lembrou.

Nos primeiros dias de prisão, a esposa dele foi orientada por um advogado. No entanto, Leandro e ela descobriram tarde demais que o profissional não havia dado andamento ao caso.

"Ele [o advogado] não fez nada, porque ficou esperando dinheiro. Não o culpo porque quem trabalha quer receber mesmo, mas ele não avisou, não falou nada. Falou que o sistema não estava funcionando, que estava recolhendo provas. Foi enrolando e eu ficando lá [na PCE]", contou Leandro.

No primeiro momento, ele cumpriu pena no Raio 1, cubículo 2, da PCE, onde 36 presos dividiam o mesmo espaço, que é destinado a ala evangélica da unidade penal.

Apesar de ter sido bem recebido pelos detentos, contou que ficou desconfortável de estar naquela situação. A distribuição das camas na PCE são feitas por ordem de chegada na unidade, já que o número de detentos é quase cinco vezes maior.

"São oito camas para 36 presos, só o pastor dorme sozinho. Quando cheguei no cubículo 2, dormi seis dias dentro do banheiro, porque os novos presos que chegam vão para o final da 'fila', que é no banheiro. Conforme vão saindo pessoas, você vai indo para frente. O 'barro' é o corredor onde ficam as camas, embaixo da cama é a 'toca', três pessoas dormiam lá. Mais seis no corredor. Em nenhum momento dormi em uma cama."

Após isso, ele ainda foi transferido para o cubículo 6, chamado de "louvor" pelos presos da ala evangélica. Mais uma vez dividiu cela com número absurdo de pessoas, sendo 40 no total, de acordo com ele.

Deles, cinco tinham que dormir no banheiro. Uma das preocupações de Leandro era com a possibilidade de ser contaminado pelo novo coronavírus. A pandemia também impediu que ele pudesse receber visitas. Ligações eram liberadas durante cinco minutos de 15 em 15 dias.

"A única prevenção que tinha era na quadra ou quando ia ter que fazer alguma coisa. Mas no raio mesmo não havia. Eu tentava pensar na minha família para ver se relaxava a cabeça. Ficava pensando até dormir."

Verdadeiro culpado

Leandro contou ao UOL que Renan e um primo dele eram parceiros no mundo do crime. O verdadeiro condenado chegou a namorar uma prima do técnico de som e iluminação, por isso frequentava a casa da família.

Ele afirmou que chegou a implorar para que alguém comparasse as informações dele, como fotos e digitais, com as de Renan.

O criminoso foi condenado por roubos, tráfico e por ostentar grande volume de armas e dinheiro nas redes sociais. No entanto, ele estava morto há dois anos quando Leandro foi preso.

"Em nenhum momento eles checaram as informações. Eu pedi muito para que fizessem isso. Basicamente era só terem feito, porque ele [o verdadeiro criminoso] já havia sido preso em Rondonópolis. Quando chegou o 14º dia, já estava ciente que seria transferido."

A mulher de Leandro decidiu procurar a Defensoria Pública quando descobriu que o advogado não deu andamento no processo do marido. A situação desastrosa acabou sendo resolvida rapidamente e ele foi solto

Saudades da família

Leandro contou que o dia 6 de janeiro foi o mais difícil entre os 88 que esteve na PCE. Na data em questão, o filho dele de três anos faria aniversário. As lembranças e a saudade da criança fizeram com que o trabalhador passasse o dia chorando.

"A barra toda de passar Natal e Ano Novo longe da família não foi pior que passar o aniversário do meu filho dentro da cadeia. É o meu caçulinha, sou muito apegado a ele e ele comigo, porque dormimos e acordamos juntos. Nesse dia chorei, não fiz nada, fiquei pensando em muitas coisas, só querendo ir embora dali", contou.

Ele pretende entrar com uma ação contra o Governo do Estado por conta do trauma causado com a prisão. Leandro afirmou que as memórias do acontecido ainda estão "frescas demais".

"Estou preocupado com o meu nome, é a única coisa que um ser humano tem, o resto acaba. Então, querendo ou não, tenho que entrar. Tem momentos que se eu ficar sozinho pensando, saio de mim e volto para dentro daquela cadeia de novo. Sei que tenho que continuar vivendo minha vida, mas tem hora que 'bate' e é difícil."

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Mato Grosso, mas não recebeu um posicionamento até a publicação.