Mães em luto: 3 crianças foram mortas por bala perdida no Rio em 2021
O Dia das Mães, celebrado neste domingo (9), vai ser o primeiro em que Thaís Silva, 29, vai passar sem o filho. Kaio Guilherme da Silva Baraúna, 8, foi a terceira criança que perdeu a vida por uma bala perdida no Rio de Janeiro neste ano.
A professora e o filho estavam em uma confraternização do reforço escolar em que ela trabalha, na Vila Aliança, em Bangu, Zona Oeste, no dia 16 de abril, quando o menino foi atingido por uma bala na cabeça, por volta das 16h.
A mãe e as pessoas que estavam na festa acharam que o menino tinha se machucado em algum lugar. Ninguém tinha ouvido disparos e, no momento, não havia confronto na região. Somente quando chegaram ao hospital foi que perceberam a gravidade da situação.
Único filho de Thaís Silva, Kaio teve três paradas cardíacas durante os oito dias de internação, e não resistiu. Após a morte do menino, os pais decidiram doar os órgãos.
Seria muito egoísmo da minha parte não fazer isso. Foi um alívio para a gente saber que outras mães não precisassem sentir a dor de perder um filho, por ajudar e saber que o Kaio está vivo em alguém"
Thaís Silva, mãe de menino morto por bala perdida
A mãe conta que o menino sonhava em ser jogador de futebol, mas, se não desse certo com a bola, queria ser médico. "Não sei definir o meu sentimento, mas o acordar é o mais difícil. Eu era o tipo de mãe que acordava três vezes na noite para ver se o Kaio estava coberto, pois ele se mexia muito enquanto dormia. Meu filho era obediente, inteligente, muito alegre, amado por todos, pela família, vizinhos. Era um menino muito doce."
No sábado, ela disse não saber o que esperar do Dia das Mães sem Kaio. "Eu não gosto nem de pensar. Hoje, para mim, já vai ser muito difícil vendo as fotos, homenagens das pessoas, comerciais na TV. Não consigo nem imaginar o amanhã", contou a professora.
Segundo o Instituto Fogo Cruzado, de 1º de janeiro a 7 de maio deste ano, seis crianças foram vítimas de bala perdida na Região Metropolitana do Rio. Três delas não resistiram: além do menino, morreram Ana Clara Gomes Machado, 5 anos, moradora na comunidade Monan Pequeno, em Niterói, e Alice Pamplona da Silva, de 6 anos, do Morro do Turano, no Rio Comprido, Zona Norte da capital fluminense.
No mesmo período de 2020, foram 12 crianças, sendo que duas delas não resistiram. Já em 2019, foram seis crianças baleadas e uma vítima fatal.
O levantamento do Instituto Fogo Cruzado mostra que 100 crianças foram baleadas na Região Metropolitana do Rio nos últimos cinco anos, entre 2016 e 2021.
Morta na porta de casa
No dia 2 de fevereiro, Cristiane Gomes, 22, viu a sua filha morrer nos próprios braços. Ana Clara Gomes Machado, 5 anos, foi a segunda vítima por bala perdida na comunidade Monan Pequeno, Pendotiba, Niterói. As duas tinham acabado de acordar, por volta das 10h, quando a dona de casa decidiu abrir a porta para estender a roupa e a menina saiu correndo na frente com o irmão de 3 anos. Em questão de segundos, foi baleada na porta de casa.
Na época, a PM (Polícia Militar) disse em nota que a menina foi baleada após um grupo atirar contra agentes que estavam em patrulhamento na estrada Monan Pequeno. Os policiais reagiram e houve confronto. Os suspeitos fugiram para uma área mais alta da região. No dia seguinte, um PM foi preso por ter dado o disparo que tirou a vida de Ana Clara.
Em entrevista para o UOL, a mãe conta que o bairro em que morava era tranquilo, as crianças costumam brincar na rua e não havia operações ou tiroteios. No dia em que perdeu a filha, Cristiane disse que três policiais cismaram com o moto-táxi que estava uniformizado e parado na esquina. Segundo ela, durante a discussão, um deles começou a atirar aleatoriamente, e uma das balas atingiu Ana Clara. Ela conta que assim que o policial viu o que tinha feito, começou a gritar pedindo socorro e a disparar para o alto.
Ela faleceu nos meus braços, dentro da viatura. A Ana Clara ficou no meu colo o tempo todo de olhos fechados, agonizando. Teve uma hora que eu gritava tanto, que ela abriu os olhinhos, me olhou e fechou novamente. Foi ali que minha filha partiu"
Cristiane Gomes, mãe de vítima de bala perdida
A menina chegou a ir para um hospital, mas já era tarde. A mãe diz que o policial ficou aguardando na porta e, assim que ela foi até ele contar que a menina estava morta, ele não falou absolutamente nada. Virou as costas e saiu.
Depois do episódio, a mãe de Ana Clara precisou se mudar do bairro onde morava e contou que não sabe o que é ter uma noite de sono tranquilo desde então. "Ela era tão doce, foi minha primeira filha, minha única menina, minha amiga. Para mim, não existe mais Dia das Mães sem ela."
O policial responsável pelo crime continua preso e, segundo Cristiane, ela recebeu uma intimação para participar do julgamento do militar, marcado para o dia 27 de maio. "No dia 14 de abril minha filha faria seis anos. Ela me pediu um quarto rosa de presente. Infelizmente tive que pintar o túmulo ao invés do quarto", disse a mãe de Ana Clara.
Morte na virada do ano
Na virada do ano, a primeira vítima de 2021 foi Alice Pamplona da Silva, de 6 anos, atingida por uma bala perdida no Morro do Turano, Rio Comprido, Zona Norte do Rio.
A mãe da menina, Franciele da Silva, 32, disse ao UOL que estava em um churrasco de ano novo com a família. O clima era de felicidade, esperança, recomeço, até que, à meia-noite, começaram os fogos.
Eu estava orando com a Alice ao lado. Até que eu ouvi um 'aí'. Olhei para ela e percebi que tinha acontecido alguma coisa. Como não havia sangrado, ninguém acreditou, mas não demorou muito para eu entender"
Franciele da Silva, mãe de menina baleada no Rio
Alice Pamplona havia sido atingida no pescoço por uma bala perdida, nos primeiros minutos do ano. A família chegou a correr para o hospital, mas a menina não resistiu.
Assim como Kaio Baraúna, Alice Pamplona também era filha única da Franciele, que trabalha como balconista e continua morando na mesma comunidade.
"Alice era minha única filha, minha boneca, meu mundo. Depois de tudo o que aconteceu, eu não vivo, sobrevivo. Levo uma tristeza imensurável que às vezes me tira o ar. Tenho uma mistura de sentimento, tristeza, revolta, mas a saudade é a que me domina", contou Franciele da Silva.
A dor do primeiro Dia das Mães sem a filha começou bem antes do domingo, segundo Franciele: "Foi uma semana bem difícil, porque seria festinha na escola, ela cantaria uma música e falaria que me amava. Descobri que uma mãe que cria seu filho é forte, mas a que perde e sobrevive depois disso é muito mais. Ainda tenho minha mãe, graças a Deus. Em um mundo onde existe tanta dor e perda, vou dedicar esse dia a ela e não a minha dor."
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