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Infiltrados ajudaram polícia a descobrir festa clandestina com jogadores

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

28/05/2021 13h22

"O Arboleda tá ali", grita o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) apontando para um grupo de jovens debruçados na parede sob um letreiro neon vermelho. O ambiente escuro da casa noturna ainda tinha o cheiro forte e a espessura de fumaça de narguilé no ar, mas o único som que se ouvia era da gravação do megafone da Polícia Civil avisando que o evento ilegal havia acabado.

Quando a operação antifesta clandestina interrompeu uma balada na Vila Regente Feijó, zona leste da capital paulista, por volta das 2h de hoje, tanto Frota quanto o delegado Eduardo Brotero, que comandavam o comboio, já sabiam quem estaria lá. A Força Tarefa tem se valido de agentes infiltrados em grupos de redes sociais para mapear os eventos ilegais.

Mas o jogador do São Paulo não era o único. "Cadê o David Neres?", continuou Frota, virando-se para um aglomerado de jovens, encolhidos em um dos cantos do ambiente. "Só vou perguntar mais uma vez: cadê o David Neres?", ele repetiu antes do jogador de o Ajax, da Holanda, convocado para a seleção brasileira, levantar a mão timidamente.

Este tem sido o modus operandi da Polícia Civil e da Força Tarefa de combate a festas clandestinas coordenado por Frota: rastrear, acompanhar e se infiltrar nos eventos para que, quando a operação acontecer, não dar de cara com o local vazio. Se tiver famosos, melhor.

Festa clandestina na zona leste de São Paulo onde estavam os jogadores Arboleda e David Neres - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Festa clandestina na zona leste de São Paulo onde estavam os jogadores Arboleda e David Neres
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Aglomerações são proibidas em todas as fases do Plano São Paulo. Em caso de festas clandestinas, os organizadores dos eventos são detidos e multados em até R$ 290 mil.

"A força tarefa trabalha com equipes avançadas de voluntários que se infiltram nas festas, compram ingressos, estão dentro dos grupos de WhatsApp e, ao entrarem, passam para a gente toda a operação e a logística", conta Frota.

O combate aos eventos proibidos por causa da pandemia foi intensificado no final de fevereiro em São Paulo. Com isso, a Polícia Civil e a Vigilância Sanitária organizam operações quase diárias para desmanchar os eventos, com apoio do Choque, da GCM (Guarda Civil Metropolitana), do Procon-SP e de Frota, que decidiu puxar para si não só o rastreamento dos eventos, como destaque operacional nas ações.

As forças começam a se reunir por volta das 23h no Dope (Departamento de Operações Policiais Estratégicas), na Barra Funda, quase diariamente e ficam à espera do sinal de Brotero para agirem. Nesta sexta, o comboio de mais de 30 viaturas saiu por volta da 1h30.

Para evitar vazamentos, os destinos e eventos só são revelados quando as viaturas vão sair. A grande maioria só segue o comboio. "Basta uma ligação. Em 10 minutos, desarticulam uma festa com 400 pessoas fácil e aí perdemos", afirma o sargento Guedes, do Choque.

Na festa, os infiltrados esperam o momento considerado propício para chamar o reforço. O contato é feito direto com Frota. O deputado geralmente encontra as viaturas em um ponto de encontro próximo, para que todos se reúnam, e os guia até o local.

De acordo com a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), em três meses, desde o final de fevereiro, as polícias Civil e Militar participaram de pouco mais de 4.500 operações no estado. Quase 10 mil pessoas foram detidas.

Além dos agentes infiltrados, as denúncias podem ser feitas por telefone ou e-mail. Só em abril, foram mais de 24 mil reclamações.

Frota e Brotero - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
O deputado federal Alexandre Frota (à esquerda) e o delegado Eduardo Brotero
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

"Posso acabar a bebida, pelo menos?"

Nesta sexta, o comboio saiu por volta das 1h30, um pouco mais tarde que o habitual. Já eram cartas dadas que Arboleda e David Neres estariam no local.

A entrada para a balada na Vila Regente Feijó funcionava em um beco lateral. Para entrar, o cliente tinha de trocar de carro e passar por uma porta escura, rebaixada, usada como porta de serviço antes da pandemia. À frente, parecia tudo fechado.

"Nessas festas a gente encontra a maioria das pessoas sem máscara, compartilhando copos, garrafas. Muitas, inclusive, sem saída de emergência, sem bebida com nota fiscal. Esses locais, na verdade, atrapalham os empresários honestos do ramo", afirma Frota.

O local tinha dois andares, mas só o superior estava sendo usado. Nas mesas, uísque, energético, pouca cerveja e muito narguilé. A maioria dos jovens aparentava ter no máximo 25 anos —sem confirmação de menores de idade.

Nas mesas, uísque, energético, pouca cerveja e muito narguilé - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Nas mesas, uísque, energético, pouca cerveja e muito narguilé
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Quando a polícia subiu, depois de enquadrar o segurança, sem necessidade de arrombar, a música parou, mas os jovens não pareciam intimidados. Com exceção dos dois jogadores, que se esconderam, em especial depois de ver as luzes das câmeras, a maioria dos presentes se mostrou mais incomodado do que constrangido com a interrupção.

"Posso acabar, pelo menos?", questionou uma jovem ao policial, tomando o drink pelo canudo abaixo da máscara. "É o Frota, cara. É ele", disse outro jovem apontando para o deputado e batendo no amigo.

Ao fundo, alguns ainda riam e tiravam selfies, outros, quando liberados, saíram da casa com energéticos na mão. "Qual a graça? Se vão ficar de risadinha, vão ser os últimos a sair", intimou um policial. "Alguém aqui é palhaço?" Os risos cessaram.

Na casa, 124 pessoas, grande parte sem máscara. Frota e Brotero organizavam a logística. Os dois decidiam quem era liberado primeiro (as mulheres) e quem ficaria, até onde a imprensa poderia ir e como deveria ocorrer cada passo. Entre os policiais, a mensagem era clara: os jogadores vão ter de esperar.

"Se fizemos com o Gabigol, vamos ter que fazer com eles também", disse um dos agentes ao colega. Em março, o atacante Gabigol, do Flamengo, e o cantor MC Gui foram serem flagrados em um cassino clandestino na Vila Olímpia e foram levados à delegacia.

Festa clandestina na zona leste de São Paulo - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Festa clandestina na zona leste de São Paulo
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Apesar do alvoroço por causa das presenças ilustres, a operação ocorreu sem desentendimentos. Segundo os agentes da Vigilância Sanitária, tem dias que nem a presença da polícia afugenta os mais exaltados (ou bêbados).

"Eles xingam, falam palavrão. Nunca tivemos episódio de violência física acho que porque o Choque acompanha. Se tem alguém muito acima, eles já mandam dar uma baixada de bola", conta um dos agentes da vigilância.

O estabelecimento foi multado em um valor não divulgado e todos os presentes foram liberados aos poucos —alguns escondendo o rosto, outros reclamando da imprensa. Acabaram detidos só os responsáveis pelo estabelecimento e os dois jogadores foram, de fato, levados à delegacia para prestar esclarecimentos, sendo librados mais tarde.

"Lamentamos que ainda seja necessário fazer este tipo de intervenção. Em um momento como este na pandemia, jovens ainda insistirem em aglomerar. Já falamos: espera alguns meses e você poderá curtir sua festa. Agora não é o momento", declarou Brotero ao fim da operação.