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Casal branco acusa jovem negro de roubar a própria bicicleta no Leblon (RJ)

Daniele Dutra

Colaboração para o UOL, no Rio

14/06/2021 19h59

Junto de sua bicicleta elétrica, o instrutor de surfe Matheus Ribeiro, 22, aguardava a namorada na porta de um shopping no Leblon, zona sul do Rio, no último sábado (12), quando foi acusado por um casal de jovens brancos de ter roubado o veículo. Depois de ponderar, ele registrou hoje um boletim de ocorrência por ter sido falsamente acusado de roubar um bem que lhe pertencia. Ribeiro é negro.

Ao ser abordado pelos dois jovens, Ribeiro começou a gravar um vídeo. Publicado em seu perfil nas redes sociais e com mais de 80 mil visualizações, é possível ver que o jovem que o acusa chega a tentar abrir o cadeado da bicicleta do instrutor de surfe. Como não consegue, pede desculpa e vai embora. Mas nega que o tenha acusado de roubo.

Nascido e criado no Complexo da Maré, comunidade da zona norte do Rio, Ribeiro trabalha desde 2018 como instrutor de surfe, virando referência por incentivar o esporte na periferia. Há quatro meses, decidiu comprar uma bicicleta elétrica usada e pagou R$ 4.500.

Ele contou ao UOL que foi até o shopping Leblon com a namorada, que trabalha como vendedora em uma loja de roupas em Copacabana. Ela precisava pegar uma peça de roupa na filial do shopping para então retornar a seu local de trabalho. "Fiquei parado em torno de 15 minutos e eles chegaram falando: 'Essa bicicleta é minha'", conta.

ribeiro - Divulgação - Divulgação
O instrutor de surfe Matheus Ribeiro foi acusado por um casal de jovens de ter roubado a própria bicicleta, pela qual pagou R$ 4.500
Imagem: Divulgação

Em uma publicação em suas redes sociais, Ribeiro contou que os dois também falaram: "Você pegou essa bicicleta ali agora, não foi?", disse o rapaz. "É sim, essa bicicleta é minha", replicou a moça. Enquanto isso, ele tentava provar que a bicicleta era dele. "Sem entender nada, fui tentar mostrar aos dois que a bicicleta é minha, com fotos antigas com ela, chave, o que foi possível naquele momento de segundo", escreveu. Não adiantou.

Eu só consegui provar que a bicicleta é minha, quando, sem minha autorização, o lindo rapaz pega o cadeado da minha bicicleta e tenta abrir. Frustrado com sua tentativa, ele diz que não me acusou, afinal, o rapaz só estava perguntando.
Matheus Ribeiro, instrutor de surfe

Ao UOL, edição da noite do UOL News, comandada por Diego Sarza, ele diz que já chegou a pensar em andar sempre com a nota fiscal da bicicleta para evitar problemas como esse. "A gente sempre pensa em andar o mais certo possível para não dar margem a que isso aconteça. Temos sempre que provar que somos boas pessoas", afirma.

A publicação de Ribeiro ganhou visibilidade e foi compartilhada em páginas de ativistas sociais. "Não aguentam nos ver com nada, no mesmo lugar que eles?! Piorou. Eu não era alguém pedindo esmola ou vendendo jujuba... Um preto numa bike elétrica?! No Leblon? Aaah só podia ser, eu acabei de perder a minha, [então] foi ele".

No final do texto, Ribeiro diz que "vão te culpar, pra depois verem o que aconteceu". Durante todo o dia, ele ficou pensando se denunciaria ou não. Chegou a cogitar não registrar um boletim de ocorrência por medo de ser prejudicado.

Por volta das 16h de hoje, ele mudou de ideia: "A repercussão do caso foi um dos grandes motivos, mas eu quis também relatar para que esses números não fiquem escondidos", contou o jovem.

Na delegacia, Matheus foi orientado a não denunciar o caso como racismo ou injúria racial, já que no vídeo "eles (o casal) não falam nada sobre cor". Mas o rapaz destaca o tom assertivo da abordagem.

Se eu fosse um jovem branco seria totalmente diferente. Para mim, não se precisa dizer. A gente entende que não foi calúnia.
Matheus Ribeiro, instrutor de surfe

Segundo ele, a jovem já havia registrado o furto da bicicleta no dia 12 de junho. Procurada, a Polícia Civil não se manifestou sobre o caso. O UOL tentou entrar em contato com a jovem, mas ela apagou as redes sociais após a publicação do vídeo de Ribeiro.

Para o advogado Bruno Candido Sankofa, especialista em direito antidiscriminatório, o caso pode ser considerado como racismo e calúnia. "É importante fazer a denúncia até mesmo para que ele possa se proteger de uma eventual ação que o acusador faça contra ele", afirma.