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'Cadê o dinheiro do aluguel?': ex de chefe do CV cobra pensão do tráfico

16.jun.2021 - Agente penal atuava como "pombo-correio" de chefões do Comando Vermelho em presídio federal, diz PF - Reprodução/PF
16.jun.2021 - Agente penal atuava como 'pombo-correio' de chefões do Comando Vermelho em presídio federal, diz PF Imagem: Reprodução/PF

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

19/06/2021 04h00

Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça em investigação sigilosa sobre o repasse de bilhetes de chefões do CV (Comando Vermelho) no presídio federal de Catanduvas (PR) revelam ordens da cúpula em ações nas favelas do Rio e até mesmo discussões sobre o pagamento de pensão para a ex de um chefe do tráfico.

"Cadê o dinheiro do aluguel?", questionou Mariana Né da Silva em áudio extraído do seu celular, cuja transcrição foi obtida pelo UOL. Ela é hoje ex-mulher de Fabiano Atanásio da Silva, o FB, apontado como um dos chefões da facção criminosa.

Com base em investigação de um ano da Polícia Federal, a Justiça autorizou a prisão preventiva na terça-feira (15) de 24 pessoas envolvidas no esquema pelos crimes de corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e associação para o tráfico.

Entre elas, estão o agente penal Docimar Pinheiro e a advogada Luceia Alcântara de Macedo.

16.jun.2021 - Imagens internas de presídio federal de Catanduvas (PR) mostram agente penal Docimar Pinheiro entregando bilhete na cela de um detento - Reprodução/PF - Reprodução/PF
16.jun.2021 - Imagens internas de presídio federal de Catanduvas (PR) mostram agente penal Docimar Pinheiro entregando bilhete na cela de um detento
Imagem: Reprodução/PF

'Viciado deixa de comprar droga por causa do vírus?'

Em áudio, Mariana questiona o que parece ser uma justificativa dada pela própria facção para explicar a falta de pagamento: a queda da movimentação nos pontos de venda de drogas por causa da pandemia do coronavírus.

"Desde quando viciado deixa de comprar droga por causa do vírus?", pergunta ela. Em seguida, demonstra insatisfação e diz que irá cobrar FB, então seu companheiro.

Eu vou esperar essa próxima visita pra ter uma conversinha com ele, entendeu? É igual você falou: tem que ver se foi ordem dele, entendeu? Eu quero saber: se foi ordem dele, eu largo de mão de vez!"

Acusada pela PF de receber dinheiro do tráfico e de ser uma das destinatárias dos bilhetes enviados pelo traficante, Mariana mantinha contato com Leandro Pinheiro de Oliveira e Marcela Souza Lima, apontados pela PF como os responsáveis pela verificação do cumprimento das ordens dadas por FB e outros chefões da facção nas favelas do Rio.

Prestação de contas do tráfico

Ainda de acordo com a investigação, Leandro e Marcela também são citados como os responsáveis pelos repasses para Mariana de dinheiro oriundo do tráfico. Em conversa pelo WhatsApp com Marcela, Mariana cita Leandro como o responsável pelo pagamento de uma passagem aérea.

"Aí pedi [sic] por favor pro Leandro depositar pra mim", diz Mariana.

"Ida? E volta?", responde Marcela.

"So [sic] ida", diz Mariana.

"Tá legal. Vou pedir pra ele depositar", confirma Marcela.

Em seguida, Marcela envia o comprovante de um depósito de R$ 1.500.

Posteriormente, Marcela pede foto da passagem para fazer a prestação de contas do tráfico, segundo a PF. "Depois manda pra mim a foto da passagem que ele vai depositar, pq ele escaneia pra presta [sic] conta com ele lá todo mês."

16.jun.2021 - Segundo a PF, imagens do pátio de presídio mostram Cleverson Pereira dos Santos, o Palmeirense, lendo bilhete para Marcinho VP, apontado como o chefão do Comando Vermelho - Reprodução/PF - Reprodução/PF
16.jun.2021 - Segundo a PF, imagens do pátio de presídio mostram Cleverson Pereira dos Santos, o Palmeirense, lendo bilhete para Marcinho VP, apontado como o chefão do Comando Vermelho
Imagem: Reprodução/PF

'Esquema de mandar carta por agente'

Em outro áudio, Mariana demonstrou conhecer o esquema de entrega de bilhetes na penitenciária de Catanduvas (PR). "Eles têm um esquema de mandar carta lá, pelo agente."

Imagens obtidas pelo UOL de um banho de sol no pátio da penitenciária em 11 de abril mostram o momento em que um bilhete era lido para Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, apontado como o chefão do CV.

O que dizem os investigados

A advogada Paloma Gurgel, que representa Marcinho VC, nega as acusações. "Em nenhum momento foi demonstrado pelas provas anexas nos autos que ele era o destinatário ou emitente dos bilhetes", disse.

Thiago Minagé, que representa a advogada Luceia Alcântara de Macedo, detida em uma unidade prisional de Toledo (PR), disse que ela tem direito a ficar em uma sala de Estado Maior. Ele ainda pediu a conversão de prisão preventiva em domiciliar, já que ela tem uma filha de 4 anos. "São dois dispositivos legais sendo violados", disse.

Questionado sobre o teor das acusações, ele não se manifestou, argumentando não ter tido acesso ao inquérito. Foi o mesmo posicionamento da defesa de Fabiano Atanásio da Silva e dos outros integrantes da cúpula do CV apontados como integrantes do esquema pela PF.

A reportagem não localizou as defesas de Mariana Né da Silva, Leandro Pinheiro de Oliveira, Marcela Souza Lima e do agente penal Docimar Pinheiro.