Bilhetes do CV: chefões do tráfico presos mandavam matar e torturar, diz PF
Mesmo atrás das grades, chefões do CV (Comando Vermelho) repassavam ordens a integrantes da facção criminosa nas favelas do Rio de Janeiro por bilhetes encaminhados a um agente penal do presídio federal de segurança máxima de Catanduvas (PR). Segundo investigação da Polícia Federal iniciada há um ano, os criminosos usavam o recurso até para ordenar mortes e torturas.
Imagens obtidas pelo UOL de um banho de sol no pátio da penitenciária em 11 de abril mostram o momento em que um bilhete era lido para Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, apontado como o chefão do CV. Procurada, a defesa do criminoso negou as acusações.
O registro mostra o interno Cleverson Pereira dos Santos, o Palmeirense, retirando embrulhos com bilhetes escondidos no uniforme. Em seguida, lê o recado para integrantes da cúpula do CV, próximo a Claudio José de Souza Fontarigo, o Claudinho da Mineira, e João Paulo Firmiano Mendes da Silva, o Russão.
Entretanto, segundo o setor de inteligência da penitenciária, a mensagem era destinada principalmente a Marcinho VP, com quem Palmeirense fez "diversos contatos visuais, acreditando-se que ele estaria esperando alguma resposta", segundo um dos trechos da investigação interna anexada ao inquérito da PF.
As imagens ainda mostram Palmeirense colocando o bilhete em um copo de água. E, em seguida, jogando o conteúdo do copo em um ralo aberto, para eliminar a mensagem.
"Nos autos, não há qualquer indício que comprove a participação de Márcio dos Santos Nepomuceno nos supostos crimes. Em nenhum momento foi demonstrado pelas provas anexas nos autos que ele era o destinatário ou emitente dos bilhetes", disse a advogada Paloma Gurgel, que representa Marcinho VP.
De acordo com a investigação, a leitura do bilhete no pátio do presídio ocorreu um dia depois do plantão do agente penal Docimar Pinheiro, apontado como o "pombo-correio" do CV na unidade prisional.
O UOL também teve acesso a imagens encaminhadas à investigação pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), que mostram o momento em que o agente penal entregou bilhetes na portinhola da cela de um detento às 10h50 de 19 de dezembro.
Durante o procedimento de entrega da marmita ao interno Joallyson Carlos da Silva, apontado como integrante do CV, foi possível observar que ele pegou algo com o detento e permaneceu com a mão fechada até a passagem de outro agente, diz a investigação com base nas imagens. Em seguida, o agente foi flagrado pelo vídeo colocando o objeto no bolso da calça.
De acordo com o Depen, Docimar também burlou o manual de procedimentos de segurança do sistema penitenciário federal, que proíbe a entrada de um agente sozinho na área de vivência dos internos.
Advogada presa movimentou mais de R$ 5 milhões
A PF deflagrou na terça-feira (15) uma operação para cumprir os mandados de prisão preventiva decretados pela Justiça Federal dos 24 envolvidos no esquema, suspeitos de participação em crimes como corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro e associação para o tráfico.
O UOL teve acesso aos detalhes da investigação, que conta com interceptações telefônicas, quebras do sigilo bancário, fiscal e financeiro dos investigados. No inquérito, há imagens de mais de 30 entregas de bilhetes feitas pelo agente penal Docimar Pinheiro, revelando um esquema com a participação até de uma advogada.
Apontada pela investigação como a responsável por organizar a entrada e a saída de bilhetes na penitenciária federal de Catanduvas e de fazer pagamentos a mando do CV, a advogada Luceia Alcântara de Macedo movimentou R$ 5 milhões em transações bancárias em menos de dois anos, segundo a investigação. Mais de R$ 500 mil das movimentações se deu em dinheiro vivo.
Chama atenção o fracionamento dos depósitos, todos inferiores a R$ 10 mil, a fim de evitar transações suspeitas que podem ser objeto de análise dos órgãos de inteligência financeira"
Trecho do inquérito da PF
Com base na quebra de sigilos bancários, a investigação verificou a movimentação de valores na conta da filha de apenas quatro anos da defensora.
A PF também acusa a advogada de participação em crime de lavagem de dinheiro para ocultar a origem ilícita do seu patrimônio com a aquisição de veículos, imóveis e até de seis cavalos de corrida no Rio de Janeiro.
Procurado pelo UOL, o advogado Thiago Minagé, que representa Luceia, disse ter participado de uma audiência virtual de custódia ontem para tentar converter a prisão preventiva em domiciliar, já que a defensora, detida em uma unidade prisional de Toledo (PR), tem uma filha pequena.
Ele também questionou o fato de Luceia não estar em uma sala de Estado Maior, prerrogativa para advogados. "São dois dispositivos legais sendo violados", disse Minagé. Questionado sobre o teor das acusações, ele não se manifestou, argumentando não ter tido acesso ao inquérito.
'Esquema de mandar carta', diz ex de traficante
Segundo informação antecipada pelo colunista do UOL Josmar Jozino, as investigações apontaram que o agente penal Docimar Pinheiro se aproveitava dos momentos em que estava sozinho para dar e receber bilhetes. As mensagens eram entregues pelas portinholas das celas.
Segundo a PF, Docimar movimentou R$ 1 milhão em um ano, comprando um apartamento, um sobrado e um veículo de luxo. A reportagem não localizou a defesa do agente penal.
De acordo com a investigação, o traficante Fabiano Atanasio da Silva, conhecido como FB, era um dos principais envolvidos no esquema. A ex-companheira do criminoso também foi presa na ação.
"Eles têm um esquema de mandar carta lá, pelo agente", disse ela, em áudio obtido pela PF com base na quebra de seus dados telefônicos.
Procurada, a defesa de FB disse que não irá se manifestar porque não teve acesso aos detalhes da investigação.
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