Justiça absolve mãe denunciada pelo MP após levar a filha ao candomblé
A Justiça de São Paulo absolveu a vendedora Juliana Arcanjo Ferreira, de 33 anos, da acusação do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) de lesão corporal com violência doméstica contra a filha de 11 anos, após tê-la levado a uma cerimônia de iniciação no candomblé.
A acusação foi feita com base em um boletim de ocorrência registrado em janeiro na 2ª Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas (SP). Nele, o ex-marido de Juliana, o designer gráfico Bruno Henrique Penedo, 34 anos, a denuncia por agressão contra a filha, após ter notado marcas de corte em seus ombros. Filha e mãe explicaram ao designer que as marcas tinham sido feitas durante um rito religioso, chamado "cura", em que as duas participaram em outubro de 2020.
Na sentença divulgada nesta quarta-feira (15), o juiz Bruno Paiva Garcia, da comarca de Campinas do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmou que o Estado não deve interferir nas liturgias e não deve embaraçar, de qualquer forma, o livre exercício de culto religioso, independentemente de se tratar de religião adotada pela maioria ou minoria da população brasileira, citando como exemplo a umbanda e o candomblé.
Na sentença, ele destaca que a liberdade religiosa é um um direito Constitucional e a transmissão das crenças aos filhos não pode "acarretar consequências penais", desde que dentro dos limites constitucionais de "respeito à vida, à liberdade e segurança".
"Na hipótese dos autos, não se verifica qualquer justificativa, senão a intolerância religiosa, para a restrição a ritual próprio do Candomblé"
Bruno Paiva Garcia, juiz da Comarca de Campinas do Tribunal de Justiça de São Paulo
Rito
Juliana e a filha participaram de um rito de iniciação bastante tradicional no candomblé. Nele, algumas religiões de matriz africana realizam o procedimento de escarificação (pequenas incisões praticadas sobre uma superfície) onde marcas, chamadas de "cura", são feitas no corpo.
"Elas são de extrema importância para nós como a circuncisão é para os judeus", explica a ialorixá Omilade, do terreiro Ègbé N'la Yemoja, na zona Sul de São Paulo.
Na denúncia do MP apresentada no dia 20 de maio, o promotor Gustavo Simioni Bernardo afirma que as marcas são um "resultado danoso à filha" e que Juliana agiu por ação e também por omissão penalmente relevante, uma vez que poderia tê-las evitado.
"O dever de agir lhe incumbia por obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância à filha menor, e também porque, com seu comportamento anterior (ao levar a filha ao local do fato), criou o risco da ocorrência do resultado danoso", afirmou o promotor, no documento da denúncia.
No mesmo dia do registro do boletim de ocorrência, um exame de corpo de delito foi realizado pelo IML (Instituto Médico Legal) na menina, que apontou que as marcas localizadas no ombro direito e esquerdo eram lesões corporais de natureza leve, com cerca de 0,5 cm e que não causaram incapacidade. O laudo também apontou que as marcas foram feitas por objeto cortante e foi inconclusivo sobre a hipótese de terem sido feitos sob tortura ou outro meio cruel.
Na sua sentença, o juiz Bruno Paiva Garcia diz que "o comparecimento em Delegacia de Polícia na companhia do pai para delatar a mãe e a consequente submissão a exame médico-legal causou, possivelmente, constrangimento maior que a própria escarificação".
"A escarificação religiosa, assim como a circuncisão, ainda que formalmente típica, está em consonância com valores constitucionais e jamais pode ser considerada uma conduta criminosa"
Bruno Paiva Garcia, juiz da Comarca de Campinas do Tribunal de Justiça de São Paulo
Advogado recente do caso, Hédio Silva J.R., também coordenador executivo do Idafro (Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras), comemorou a decisão. Para ele, ela com certeza terá impacto em outro processo, em que Juliana tenta recuperar a guarda da filha, que foi transferida ao pai em janeiro.
O UOL entrou em contato com Bruno Henrique, mas ele não quis comentar a decisão da Justiça.
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