Sem multa a ônibus, São Paulo abre mão de potenciais R$ 90 mi na pandemia
A Prefeitura de São Paulo decidiu não aplicar multas contra empresas de ônibus durante a pandemia de coronavírus. A decisão, tomada em março do ano passado, pode ter custado cerca de R$ 90 milhões aos cofres públicos, de acordo com cálculos feitos pelo UOL e revisados por especialistas.
A administração municipal justifica, em nota, que "alguns itens contratuais foram suspensos considerando a emergência vivida pela cidade durante a pandemia" e não confirma o valor.
As duas multas mais aplicadas na capital, de acordo com a SPTrans, são:
- Por descumprir o número de partidas programadas e
- Por descumprir o intervalo programado entre as viagens --e se atrasar.
Em 24 de março de 2020, logo depois da confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil, o então secretário municipal de Mobilidade e Transportes, Edson Caram, assinou a portaria 81 instituindo "regras necessárias para a plena execução do Serviço de Transporte Coletivo Público" durante a crise sanitária.
Entre outras providências —como pagar a manutenção dos ônibus que as empresas deixariam na garagem—, a prefeitura decidiu no artigo 6º que "ficam suspensas" as "infrações contidas no Resam" (Regulamento de Sanções e Multas), responsável por disciplinar as penalidades às operadoras de transporte coletivo na capital.
O parágrafo único desse artigo também suspende as reuniões da Comim (Comissão de Julgamento de Infrações e Multas), instância em que os recursos das companhias são analisados.
Quanto a prefeitura deixou de arrecadar?
Para chegar aos R$ 90 milhões que a prefeitura deixou de arrecadar em multas entre 18 de março de 2020 e 26 de julho de 2021, o UOL utilizou o histórico de penalidades aplicadas desde 2014 enviadas por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação) ao conselheiro do CMTT (Conselho Municipal de Transporte e Trânsito), o urbanista Rafael Drummond.
O cálculo do UOL foi revisado por especialistas em dados públicos da ONG Transparência Brasil e da BigDataCorp. Levou-se em conta:
- Média de multas aplicadas entre 2014 e fevereiro de 2020: 274 por dia;
- Valor médio da multa aplicada nos dois primeiros meses de 2020, antes da pandemia: R$ 477,7 cada;
- Período da pandemia, até a conclusão da apuração: 860 dias --de 18 de março de 2020 a 26 de julho de 2021;
- Redução média da frota de ônibus em circulação na pandemia: 20%.
A conta é a seguinte: Multiplicou-se o valor médio da multa (R$ 477,72) pelos dias de pandemia (860). O resultado (R$ 410,8 mil) foi multiplicado pela média de multas aplicadas por dia (274), chegando a R$ 112,5 milhões. Como as empresas de ônibus deixaram na garagem 20% da frota durante a crise sanitária, o UOL considerou essa redução e subtraiu o percentual do valor encontrado, chegando R$ 90 milhões.
"O importante para essa estimativa é optar por nivelar os valores por baixo, como considerar a redução da circulação de ônibus e a média de multas dos últimos anos", diz o cientista de dados da Transparência Brasil, Jonas Coelho.
Thoran Rodrigues, da BigDataCorp, orientou, por exemplo, a não corrigir as multas de anos anteriores pela inflação, já que elas dependem do valor da tarifa.
Em nome da Secretaria de Mobilidade e Transportes, a SPTrans (São Paulo Transporte) afirmou que "as infrações dependem de uma série de fatores variáveis que não podem ser determinadas somente pelo histórico" pré-pandemia, quando o cenário era "completamente diferente, tanto em quantidade de frota quanto ao tráfego de veículos".
Para reduzir distorções, como especificado acima, o UOL considerou a circulação 20% menor, em média, da frota total de ônibus e vans (12.826) durante a crise sanitária.
As multas são instrumentos para se atingir o cumprimento das exigências previstas em contrato, e não um meio para fazer caixa."
SPTrans, em nota
Ao todo, o Resam define 114 tipos de multa, com classificação entre leve e gravíssima. O valor para cada infração está atrelado ao preço da passagem, hoje em R$ 4,40.
Uma infração leve —como veículo com banco rasgado— é punida com advertência escrita. A reincidência, porém, custa 45 tarifas, ou R$ 198. Já uma infração gravíssima, como não permitir injustificadamente o embarque de passageiros, equivale a 180 passagens, ou R$ 792.
Das dez multas mais aplicadas contras as companhias (veja abaixo), as duas primeiras são consideradas graves: R$ 396, ou 90 passagens.
"É um apagão"
Drummond, do CMTT, critica o modelo de multas atrelado à tarifa "porque se não aumenta a passagem, a multa não sobe". "A empresa se beneficiará da defasagem inflacionária, pagando o mesmo valor até novo reajuste", diz ele.
Sem as multas, porem, a situação é ainda pior, afirma.
"A gente não sabe nem se as empresas estão cumprindo as viagens que prometem", diz. "Eles argumentam que estão verificando internamente, mas não há transparência nenhuma. É um apagão do controle público."
É que, além de não multar, a prefeitura suspendeu na pandemia o IQT (Índice de Qualidade do Transporte), que avalia o desempenho das empresas.
Sobre o assunto, a SPTrans afirma que continua fiscalizando e monitorando eletronicamente por meio do GPS e com a equipe de fiscalização nas ruas e terminais. "Quando constatada a necessidade de ajustes, a empresa realiza ações gerenciais junto às concessionárias, determinando a adoção de medidas corretivas", diz.
Especialista em mobilidade urbana, o professor de engenharia da Escola Politécnica da USP Mauro Zilbovicius diz que a pandemia "não justifica a suspensão das multas".
"É o fim da picada suspender não só a fiscalização como a aplicação de multas. Contrato é para ser cumprido", diz o professor ao destacar que "qualquer negócio é definido por duas variáveis: rentabilidade e risco".
O risco é proporcional à rentabilidade, ou essas empresas não podem correr risco, só rentabilidade? Empresa de ônibus não é instituição de caridade.
Mauro Zilbovicius, professor da USP
Diante da pandemia, o professor sugere que as empresas cumpram as regras e só depois negociem com a prefeitura o prazo de pagamento das multas, "mas nunca deixar de pagar".
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