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Após covid, mãe de recém-nascida quer trocar pulmão artificial por um doado

Família de Ana em visita ao hospital que ela estava internada após ela não transmitir mais covid - Reprodução/ Instagram @carloshenrique.svrn
Família de Ana em visita ao hospital que ela estava internada após ela não transmitir mais covid Imagem: Reprodução/ Instagram @carloshenrique.svrn

Caio Santana

Do UOL, em São Paulo

11/08/2021 23h05Atualizada em 12/08/2021 14h24

Após complicações pela covid-19, Ana Raiane dos Santos Medeiros, de 31 anos, ficou mais de 60 dias em tratamento com ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea), aparelho capaz de funcionar como pulmão artificial em pacientes com o órgão comprometido, em um hospital no Rio Grande do Norte. Consciente, porém sem perspectiva para retirar o aparelho, seu órgão ficou tão debilitado que agora ela precisa de um transplante. Ela foi transferida para São Paulo, após decisão judicial, onde aguarda pela oportunidade de uma doação.

Diagnosticada com covid em maio, Ana deu à luz a pequena Maria Isabela, três dias antes de entrar na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) na Maternidade Escola Januário Cicco. Depois de uma liminar, ela acabou indo para a rede particular do RN e finalmente, ontem, foi transferida de Natal até o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde conseguiu vaga por meio do PROADI-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde) enquanto ela aguarda um órgão compatível.

"Por volta das 5h15 [de hoje], ela já estava no leito dela, no Einstein", disse ao UOL, Renato Max, médico especialista em ECMO que acompanhou a paciente no RN e também nas duas transferências dela. "O maior medo dela era não se adequar em um novo hospital. Imagina, ela nunca viajou de avião e na primeira viagem dela [ser para isso]".

A paciente ficou acordada na maior parte do tempo até chegar no aeroporto de Congonhas, na capital paulista, às 4 horas da madrugada, inclusive durante a parada para abastecimento da aeronave, em Salvador. Atualmente, ela se encontra na 62ª posição da fila de transplante e aguarda nova avaliação que pode fazê-la avançar no ranking de prioridade.

FOTO 1 - Reprodução/ Arquivo pessoal - Reprodução/ Arquivo pessoal
Ana Raiane encontrou a filha apenas duas vezes desde que foi para a UTI
Imagem: Reprodução/ Arquivo pessoal

Luta contra o vírus e o sistema

Natural da pequena cidade de São Vicente, no interior do RN, Ana Raiane estava grávida de 36 semanas quando apresentou sintomas da covid no meio de maio. Ela precisou antecipar seu parto para o dia 21 daquele mês. Devido às complicações, uma avaliação médica apontou que ela deveria realizar tratamento por meio da ECMO, não custeada pelo SUS.

Foi então que a Defensoria Pública da União entrou com uma liminar ordenando que o governo do RN e a União custeasse o tratamento e a transferência dela para um centro de referência, o Hospital Promater, em 12 de junho, após a família entrar com um processo.

"Ela estava mais de 60 horas pronada, naquela posição de barriga para baixo, e não conseguia desvirar, porque a saturação caía muito. Quando desviramos para implantar [a ECMO], a saturação, que estava em torno de 85%, caiu para 20%", relatou Renato Max.

Com procedimento bem-sucedido da ECMO, 36 horas depois do implante, Ana já estava acordada. Mas a covid comprometeu muito os seus pulmões. A equipe não conseguia mais retirar a ECMO e ela já havia usado dois dispositivos ao longo dos últimos 62 dias. "Não conseguíamos porque os níveis de CO2 ficavam muito altos", explica Max.

Foi então que ele, durante uma conversa com uma equipe do Hospital Albert Einstein, comentou sobre o caso da Ana, sendo orientado a colocá-la na fila de transplante e em fazer a transferência para São Paulo. Explicando a situação da paciente, de origem humilde e que estava no hospital particular por meio de uma liminar, ele conseguiu uma vaga no hospital paulista pelo PROADI-SUS.

Contra tudo e com a ajuda de todos

A vaga disponível em hospital de referência nacional pelo PROADI-SUS foi uma vitória para a família de Ana, mas os obstáculos não paravam por aí. "O maior entrave foi a questão social, porque [no Einstein] precisa estar um responsável pela paciente na cidade em um tempo médio de permanência de um ano". A família não teria dinheiro para isso.

A equipe médica então se juntou para formalizar uma carta de doação que contemplou 7 meses de hospedagem para o marido de Ana, conseguindo a liberação efetiva da vaga. A família também fez suas próprias campanhas de arrecadação, por meio das redes sociais. "Foi uma quantia boa para eu vir para cá [em São Paulo]", afirmou o marido, Carlos Henrique.

Outro desafio enfrentado pela família foi a transferência de Natal para São Paulo. A FAB (Força Aérea Brasileira) até realizaria o voo, mas precisou cancelar o transporte, pois a tensão do aparelho da ECMO não era suportada pela aeronave. Por fim, a Defensoria Pública expediu novamente uma liminar para o estado e a União custearem o transporte.

Mãe de outro garoto de 13 anos, Ana ficou praticamente longe da família durante o tratamento - mesmo com permissão após passar o período de transmissibilidade da covid na UTI. A filha recém-nascida, viu apenas duas vezes. "Isso, para ela, mostrou uma força muito grande no tratamento. Melhorou muito o quadro de ansiedade. Ela viu a filha, conversou, aceitou bem [a recomendação do] transplante. É uma família humilde que conseguiu acesso a uma terapia que não é liberada no SUS", contou o médico Renato Max.

Ana só resistiu até aqui graças à ECMO e o médico afirma que a ideia não é popularizar o tratamento, mas torce para ele ser mais democratizado. "Sabemos que é uma terapia cara, que as pessoas olham a conta, o custo, ao invés do valor de salvar uma vida. [...] Mas o investimento de um dispositivo ECMO não salva apenas uma vida, melhora a assistência de todo hospital. Não precisamos ter ECMO em todos os hospitais, precisamos de centros regionais para que se democratize o acesso", conclui.