Vendedora é demitida ao denunciar chefe por assédio em 'sala da sarrada'
Uma mulher denunciou à polícia que foi demitida por justa causa após denunciar por abuso sexual o gerente e o funcionário de uma loja de telefonia em que ela trabalhava em um shopping da zona norte do Rio de Janeiro. Segundo Anna Paula Oliveira, de 31 anos, tudo começou em abril deste ano, um dia antes dela entrar de férias. Segundo o delegado que cuida do caso, o gerente da loja apelidou uma parte do recinto como "sala da sarrada".
"Desde que cheguei na loja TIM do Norte Shopping, as brincadeiras 'sem noção' já aconteciam. No dia 15 de abril, eu vivi o pior dia da minha vida. Entrei na cozinha como de costume, subi para beber água e fui pega de surpresa pelo meu colega de trabalho, um consultor igual a mim e pelo meu gerente geral. Eles apagaram a luz e fui empurrada para o gerente pelo 'colega de trabalho'", disse ela, em relato no Instagram.
As falas de Anna Paula têm possíveis gatilhos sobre violência sexual.
"Minha mente paralisou na hora, não conseguia assimilar por que comigo e o porquê de estarem fazendo aquilo, foram minutos angustiantes. Ele passou a mão no meu corpo, pressionava tão forte o seu corpo contra o meu e beijava o meu pescoço de forma rígida e rápida, enquanto continuava passando a mão no meu corpo, enquanto eu pedia para ele parar e quando vi que seria dali para pior", acrescenta Anna Paula.
A reportagem chegou a conseguir contato com a vendedora, que se disse abalada para comentar o caso.
Anna diz que lembrou que ao subir para almoçar, estava na companhia de outra funcionária e que, ao pedir por socorro, a amiga tentou ajudá-la, porém não conseguiu abrir a porta da cozinha. A vendedora conta que, mesmo pedindo para parar, os dois riram dela.
"Em todo momento eles rindo e minha agonia só aumentava. Até que essa colega de trabalho fala 'denuncia eles' [pelo canal interno que a TIM disponibiliza]. Foi aí que eles abriram a porta e eu consegui sair".
A mulher conta que após voltar de férias, no dia 3 de maio, tremia só de voltar ao ambiente de trabalho. "Eu chorava sozinha, com vergonha e medo de perder o emprego", lembra.
Após o ocorrido, Anna Paula Oliveira conta que desencadeou problemas como ansiedade e depressão e que viu o rendimento no trabalho cair. Segundo a mulher, o gerente da loja chegou a ameaçá-la caso fizesse alguma denúncia.
Polícia e demissão
No início de junho a vítima registrou o ocorrido na 23ª DP (Méier). Ao UOL, o delegado responsável pelo caso, Deoclécio Francisco de Assis, disse que os dois foram indiciados por três crimes: importunação sexual, coação e difamação. Em nota, a polícia também citou a "sala da sarrada".
"A vítima, apesar de buscar o canal interno de notícia da empresa, jamais foi recebida por nenhum representante da mesma, tendo que relatar os fatos por chat, mesmo depois de implorar por atendimento pessoal. O principal indiciado [o gerente] denominava a sala do refeitório como a 'sala da sarrada'", disse a polícia em nota.
"Em depoimento, os dois negaram, alegam que não ocorreu, que não fizeram. A empresa conduziu muito mal, simplesmente não apurou. Ela denunciou no canal interno e a empresa ficava sempre pedindo mais detalhes, ela falando, não querendo se identificar. Quando ela se identificou e identificou quem fez, o gerente da loja tomou conhecimento", explicou o delegado, ao UOL.
Assis afirmou ainda que "o gerente, em depoimento, fala que ela já havia se relacionado com outro funcionário, mesmo sendo casado, isso configura crime de difamação. Ele, muito mal orientado, tentou desacreditá-la o tempo todo".
Dias após prestar queixa na delegacia, Anna Paula Oliveira foi chamada para uma conversa. "Eu recebi uma mensagem da coordenadora pedindo para que eu fosse para a loja. Foi quando ela me demitiu por justa causa, no meio de uma crise de ansiedade e me demitiu de forma humilhante, falando sobre eu ter ferido a honra dos meus superiores e colegas de trabalho, quebrando assim o código de ética da TIM", disse.
Ao menos oito pessoas foram ouvidas ao longo do inquérito e uma acareação chegou a ser realizada entre Anna Paula e o gerente da loja.
Em nota, a empresa de telefonia lamentou o ocorrido e disse que "trata com máxima atenção, seriedade e sigilo as denúncias e manifestações recebidas em seu Canal de Denúncias, como ocorreu no presente caso. Em função da abertura do processo criminal, a empresa afastou do trabalho os dois colaboradores arrolados no inquérito".
A empresa destacou ainda que "repudia qualquer situação de assédio". Questionada sobre a demissão de Anna Paula, a companhia disse que "o afastamento da colaboradora se deu por causas anteriores e totalmente alheias aos fatos relatados".
A identidade dos dois homens envolvidos no caso não foi revelada. O espaço segue aberto para que a defesa de ambos se manifeste e será atualizado tão logo os esclarecimentos sejam prestados.
Como denunciar violência sexual
Vítimas de violência sexual não precisam registrar boletim de ocorrência para receber atendimento médico e psicológico no sistema público de saúde, mas o exame de corpo de delito só pode ser realizado com o boletim de ocorrência em mãos. O exame pode apontar provas que auxiliem na acusação durante um processo judicial, e pode ser feito a qualquer tempo depois do crime. Mas por se tratar de provas que podem desaparecer, caso seja feito, recomenda-se que seja o mais próximo possível da data do crime.
Em casos flagrantes de violência sexual, o 190, da Polícia Militar, é o melhor número para ligar e denunciar a agressão. Policiais militares em patrulhamento também podem ser acionados. O Ligue 180 também recebe denúncias, mas não casos em flagrante, de violência doméstica, além de orientar e encaminhar o melhor serviço de acolhimento na cidade da vítima. Denúncias de todos os tipos de violações de direitos humanos podem ser registrados pelo WhatsApp (61) 99656-5008.
Legalmente, vítimas de estupro podem buscar qualquer hospital com atendimento de ginecologia e obstetrícia para tomar medicação de prevenção de infecção sexualmente transmissível, ter atendimento psicológico e fazer interrupção da gestação legalmente. Na prática, nem todos os hospitais fazem o atendimento. Para aborto, confira neste site as unidades que realmente auxiliam as vítimas de estupro.
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