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Até 8 meses de atraso: AL enfim aplica 2ª dose em quem teve efeito adverso

No Crie, do Hospital da Mulher, são vacinadas pessoas com comorbidades e que tiveram efeitos adversos à vacina contra a covid-19 - Divulgação
No Crie, do Hospital da Mulher, são vacinadas pessoas com comorbidades e que tiveram efeitos adversos à vacina contra a covid-19 Imagem: Divulgação

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

24/09/2021 09h59Atualizada em 24/09/2021 12h22

O estado de Alagoas começou a aplicar a segunda dose de vacina contra a covid-19 em pessoas que tiveram EAPV (Evento Adverso Pós-Vacinação) e necessitam de monitoramento hospitalar para receber o complemento do imunobiológico. Dados da Sesau-AL (Secretaria de Estado da Saúde) apontam que 1.041 pessoas reportaram evento adverso depois da aplicação de vacinas.

Uma médica ouvida pelo UOL, que preferiu não ser identificada, confirmou que há casos de segundas doses pendentes desde o mês de janeiro deste ano.

Até então, o ciclo vacinal não havia sido concluído por falta estrutura equipada, por precaução, para socorrer esses pacientes em caso de necessidade. Há registros de quem esperou até oito meses para finalmente ter uma data para ter a imunização completa. Não há dados sobre quais das vacinas causaram reação adversa nos pacientes do estado.

O tempo estimado da bula das vacinas não foi respeitado porque, somente em julho, o espaço de aplicação de vacina com monitoramento médico de equipe hospitalar, com aparelhos de desfibrilador, intubação orotraqueal e medicamentos começou a ser montado. Somente em setembro, a equipe médica recebeu treinamento.

O local fica no Crie-AL (Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais), que está funcionando dentro do hospital da Mulher de Maceió, referência para atendimento de pacientes com covid-19. O UOL já mostrou que gestantes e puérperas estavam se expondo ao ambiente hospitalar para tomar a vacina contra a doença.

Equipada, a sala do Crie poderá prestar primeiros socorros em caso de reações adversas. Mas, exclusivo para pacientes com covid-19, o atendimento na sequência teria que ser feito em outra unidade de saúde, não no Hospital da Mulher, onde as vacinas serão aplicadas.

Uma longa espera

A demora em tomar a segunda dose da vacina contra a covid-19 tem causado angústia e aflição em pessoas que não puderam completar o esquema vacinal no tempo certo, seguindo as bulas das vacinas. O medo é o de não saber se haverá efetividade ou não da segunda dose.

Ontem, as primeiras pessoas que começaram a tomar a segunda dose foram informadas que não haverá uma aplicação de reforço. Segundo o Crie-AL, o caso de quem teve reação adversa não se enquadra na recomendação do Ministério da Saúde sobre uma terceira dose, recomendada para idosos com mais de 70 anos.

Uma moradora de Maceió, de 42 anos, relata que teve problema em reportar o EAPV ao Crie-AL logo após ter tomado a vacina porque o órgão estava em mudança, do Hospital-escola Doutor Helvio Auto, no bairro Trapiche da Barra, para o hospital da Mulher. O Crie-AL passou dois meses sem atendimento devido à mudança de prédio, e somente, na segunda semana de julho, 16 dias antes da segunda dose que estava agendada no cartão de vacinação dela houve sucesso na tentativa de contato com a equipe.

Tive uma reação alérgica e extrapiramidal, que precisei ser internada em hospital, cerca de 15 minutos depois de tomar a vacina", conta a mulher, que disse ter juntado a documentação recomendada pela equipe do Crie-AL, com prontuário e análise de um médico infectologista, mas foi informada que precisaria esperar a sala ficar pronta. Eu entrei em contato por e-mail e por telefone quase todos os dias, pois fiquei angustiada em não receber minha segunda dose no tempo correto".

Ela afirma ainda que depois de questionar sobre o motivo de ter de ser obrigada a tomar o mesmo imunobiológico, uma vez que em São Paulo, Rio de Janeiro e até Salvador já se fazia intercambialidade de vacina — e haver uma nota técnica do Ministério da Saúde do dia 23 de julho sobre a possibilidade de troca —, a mulher diz ter ouvido a seguinte resposta: "O Crie-AL disse que eu não iria mais tomar vacina alguma, que não sabia o que fazer."

Apenas na quarta-feira (22), ao telefonar para o Crie-AL, a equipe informou que mudou o protocolo e que outra vacina seria aplicada. Ela aguarda a segunda dose desde o dia 30 de julho. Ontem, foi informada por email pela equipe do PNI (Programa Nacional de Imunização) em Maceió sobre seu agendamento, marcado para 23 de outubro, um mês após o início de atividades do espaço e 85 dias após a data correta em que deveria receber o imunizante.

Uma outra alagoana, de 35 anos, disse ter se vacinado em março, por ser profissional da saúde, e ter confundido a reação adversa com estresse.

"Quando cheguei em casa, quase não consigo tomar banho e precisei ir urgente para o hospital. Reportei o caso ao Crie Maceió e estou ainda aguardando a minha segunda dose. Sou profissional de saúde, estou exposta todos os dias, e me amedronta ter tomado apenas a primeira dose", contou ao UOL.

Ela critica que terá que ir até o espaço onde o Crie-AL foi instalado justamente porque ele fica dentro de um hospital que trata apenas covid-19. "Eu me sinto até constrangida com isso, mas se é a única forma, vou ser obrigada a tomar a vacina lá mesmo".

Uma das entrevistadas formalizou, no início da tarde de hoje, denúncia sobre o caso no MPAL (Ministério Público Estadual de Alagoas) para que os fatos sejam apurados e, para que caso haja comprovação, os envolvidos sejam responsabilizados. Ela disse que vai levar o caso, na próxima semana, ao Cremal (Conselho Regional de Medicina de Alagoas).

O UOL procurou o Ministério Público de Alagoas e a promotoria disse não ter tido conhecimento do assunto, mas afirmou que vai investigar as denúncias. O MPAL informou que vai entrar em contato com a Sesau-AL pedindo explicações sobre os casos relatados na reportagem.

'Nenhum paciente pode esperar tanto tempo'

O médico infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), afirma que a demora em ser aplicada a segunda dose de vacina contra a covid-19 afeta diretamente a resposta imunológica, e "nenhum paciente pode esperar tanto tempo", pois não há como saber se ela será efetiva.

"Causa estranheza Alagoas não ter feito a intercambialidade de vacina logo, pois até na bula desses imunobiológicos tem o tempo entre a primeira e a segunda dose, independentemente de ter tido evento adverso após a vacinação ou não. Nunca, em hipótese nenhuma, poderia se esperar tanto tempo", critica o médico, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia.

O infectologista também criticou que o local para aplicação da vacina contra a covid-19 para pessoas com EAPV seja em um hospital que de referência no atendimento à covid-19. "Isso é um erro incontestável. Conheço Alagoas e sei dos problemas da rede pública, mas passados esse tempo de vacinação já era para o estado ter revisto todo esse atendimento ao paciente que teve EAPV, desde o local ao tempo de aplicação da D2", destaca.

Há uma semana, o UOL tenta respostas da Sesau sobre os problemas citados, mas apenas ontem, quando o serviço finalmente passou a operar, a secretaria se posicionou sobre o assunto. Em nota, o órgão explica que "há dois meses o Crie foi transferido para o hospital da Mulher, que não atende urgência clínica, e foi necessário montar toda estrutura de pronto atendimento e treinamento do pessoal em urgência".

Sobre a sala de monitoramento para pessoas que tiveram EAPV o texto afirma que "essa estrutura já foi montada, os técnicos já foram treinados e o agendamento já está ocorrendo, bem como, a vacinação destes pacientes com precaução, dentro de todo protocolo de urgência e emergência". O órgão não se posiciona, no entanto, sobre o fato de que, caso ocorra uma emergência, o paciente terá que ser socorrido para outro hospital, uma vez o Hospital da Mulher atualmente ser exclusivo para pacientes de covid-19.

Sobre a intercambialidade de imunobiológico, a Sesau admitiu ter tomado conhecimento sobre o assunto com a Nota Técnica número 6, divulgada pelo Ministério da Saúde no dia 23 de julho de 2021, mas não explicou o porquê do procedimento só ser adotado dois meses depois.

De acordo com dados da Sesau, 3.062.095 doses de vacina contra a covid-19 foram aplicadas em Alagoas até ontem Um total de 2.002.254 de pessoas está no primeiro ciclo. Outros 1.059.841 pacientes concluíram a imunização com duas aplicações ou dose única. No estado, 237.842 pessoas foram infectadas pelo vírus, com 6.185 mortes.